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Meditar sobre o tempo não o torna menos indecifrável, diz vidente

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Foto: Getty Images

Entendo cada vez melhor, na medida em que ele inevitavelmente segue fluindo, quando Caetano Veloso, com exaltada veia lírica e existencialista, pede justamente “tempo... tempo... tempo”, exatamente para o próprio tempo.

Meditar sobre ele não o torna menos indecifrável. Mais profunda a meditação, tentar saber se o passado e o futuro são válidos e se realmente existem, mais nos aprofundamos num labirinto que nos revela seus sentidos fugidios. O seu passar indelével nos remete à metáfora do rio. Tentamos segurar entre os dedos mas, água que escorre, por entre os dedos se esvai, entornando para seus meandros insuspeitos e imprevisíveis.  

Perto de casa há uma não sei qual instituição comercial, acho que ligada aos têxteis e vestuário, associação, sindicato, algo assim. Defronte ao lindíssimo casarão instalaram um daqueles “impostômetros”. Um enorme painel eletrônico, quase um placar de estádio de futebol, de vistosos números vermelhos indicando a montanha de dinheiro da carga tributária abocanhada desse importante setor industrial.

Passo por lá, quando quero alongar as perninhas, vez ou outra. Costumo parar hipnotizada pelos algarismos pulando. Não me impressionam os valores, altos e oficializados ali em moeda estrangeira. Gosto mesmo é do aparato como um relógio, um relógio em que o tic-tac foi substituído pelo imaginário tilintar de moedas que caem ininterruptamente.

Como todo mundo sou fascinada até a medula por mecanismos que materializam diante do nosso olhar a abstração do passar do tempo. Guardo especialmente na lembrança uma geringonça de mais ou menos 10 metros de altura, instalada na década de 80 na entrada de um imponente shopping center. Uma série de bolas e canos de vidro banhadas por um estranho líquido verde que pingava repetidamente para marcar o escorrer da vida.  

Outra lembrança agradável foi acompanhar longamente esferas de aço, do tamanho de bolinhas de gude (“búricas” para os conhecedores), rolando por um complicado maquinário de madeira: esteiras, gangorras, desvios, uma verdadeira ferrovia de transporte dos minutos e das horas.  

A terceira referência que carrego, bem mais indiscutível e interessante, reveladora dos ocultos segredos da vida imediata e seus desdobramentos, são os famosos relógios derretidos pintados pelo maravilhoso surrealista Salvador Dali. Poeticamente, em sua intrigante flacidez, eles nos mostram que não são os ponteiros, somos nós que passamos. 

Quer saber mais sobre o trabalho de Marina Gold ou entrar em contato com ela, clique aqui.

Fonte: Terra
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