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Considerado um dos conjuntos
de leis mais avançados do Brasil, o ECA dispõe
sobre os direitos e deveres de milhões de brasileiros
de 0 a 18 anos. Foi criado com a missão de
promover várias pequenas revoluções
em favor de crianças e adolescentes e de regulamentar
conquistas garantidas pela Constituição
de 1988. Isso incluía o fim do trabalho infantil,
a extinção da violência contra
crianças e jovens, políticas melhores
de saúde e educação, municipalização
do atendimento.
Os especialistas garantem que,
em dez anos, o ECA conseguiu promover importantes
avanços. Empresários, prefeitos e representantes
da sociedade civil têm seguido o estatuto, com
bons resultados. A lei também faz sucesso no
exterior. Vários países latino-americanos,
como Peru e Venezuela, basearam-se nele para criar
seu código infanto-juvenil.
Na prática, entretanto,
a lei esbarra em questões culturais, crise
social e burocracia para sair do papel. "O estatuto
está sendo aplicado como deveria em 40% dos
casos", analisa o promotor da Infância
e da Juventude de São Paulo Clilton Guimarães.
Outro problema está no
desconhecimento da lei. "Como a maioria da população
não sabe o que diz o ECA, formaram-se vários
mitos e a idéia de que ele dá margem
à impunidade", lembra o editor do ECA
em Revista, Lourival Nonato. "Com isso, surgem
debates como o da redução da idade penal."
Dilema - Talvez a maior
polêmica em relação ao estatuto
seja, porém, a distância que o separa
da realidade. Ele determina, por exemplo, que todas
as crianças tenham acesso a creches. Em São
Paulo, estima-se que apenas 30% delas tenham vagas.
Para os críticos, essa é a deixa para
alterar a lei. Só no Congresso Nacional, há
cerca de 200 projetos de lei que prevêem modificações.
O pedagogo e consultor Antônio
Carlos Gomes da Costa acha, contudo, que é
um erro acreditar que apenas o estatuto passa por
esse dilema. "Em todas as legislações
que tratam de direitos sociais e humanos no Brasil
há uma grande distância entre lei e realidade,
desde a lei de educação e saúde
até o código do consumidor e a legislação
ambiental."
Na opinião do advogado
e consultor do Unicef Edson Sêda, é preciso
ter claro que o estatuto é apenas um conjunto
de normas. "São como regras para pilotar
um avião", explica. "As coisas funcionam
quando boas regras são aprendidas e aplicadas."
Para o também consultor Emilio Garcia Mendez,
uma lei que reflete a realidade não serve para
nada, já que ela tem de ser um projeto pedagógico
do que ainda não existe.
Na busca por soluções e por aplicar
bem as regras do ECA, centenas de entidades estão
arregaçando as mangas. Há algumas semanas,
40 delas criaram o Comitê Paulista de Defesa
do Estatuto. Um dos objetivos será mobilizar
a opinião pública. Movimentos estão
sendo articulados também em outros Estados.
Para o presidente da Associação
de Juízes e Promotores da Infância, Leoberto
Brancher, é preciso paciência. "Estamos
num momento em que a lei começa a sair do papel
e produzir transformações, mas, ao contrário
do que se pode esperar, não são mudanças
apoteóticas, mas micro-revoluções
em vários pontos do País", revela.
"No Judiciário, por exemplo, a base da
carreira jurídica hoje é composta por
centenas de jovens promotores e juízes com
sensibilidade aguçada para a questão
social, que estão espalhando pelo Brasil sua
visão progressista."
Crítico - As interpretações
da lei, no entanto, não são unânimes.
"Vários juízes ainda são
'homens de bem' e, em alguns casos, preferem decidir
em favor das crianças e da comunidade e não
seguir o estatuto", afirma o desembargador aposentado
e ex-juiz de menores do Rio Alyrio Cavallieri, de
79 anos.
Um dos maiores críticos do ECA atualmente, ele organizou
em 1997 o livro Falhas do Estatuto da Criança
e do Adolescente, em que 92 autores fazem 395 objeções
à atual lei. Em outubro, deve ser lançada
uma segunda edição, ampliada, da obra.
"O estatuto é uma boa lei, mas tem de
ser aperfeiçoado."
Redação
Terra / O Estado de S. Paulo
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