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Maçã

1 nov 2018 - 09h00
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“Eu me ajeitei com todo esmero. Caprichei no cabelo e na maquiagem. O vestido e a sandália eram um pouco usados, meio velhuscos, mas não tinha nada melhor”. Ela contava, olhos brilhando. 

Maçãs recém colhidas
Maçãs recém colhidas
Foto: iStock

Prosseguiu: “Era uma ocasião especial. Afinal, depois de mais de dois meses de namoro, ele me convidava para passear, para ir ao restaurante. E, bem, eu sabia do esforço dele para economizar e pagar aquela noite de comemoração”.

Indaguei: “Você lembra com clareza?” Ela abriu um sorriso enorme. Indicou: “Ah! Sim! Sim! Já faz muito tempo, mais de cinquenta anos. Mesmo assim, lembro detalhes. Da noite, das ruas da cidade, do lugar”. 

O semblante tomou expressão séria. Ela explicou: “Outra época. Comer fora era bem mais caro e incomum. Jovens, lutávamos para juntar o dinheirinho do ingresso pra o cinema. Imagina a fortuna de um jantar fora? Luxo total. Ele, sempre forte e jeitoso, precisou se desdobrar”.

Balancei a cabeça, acompanhando a narrativa. Ela, discreta, secando com a ponta do indicador uma minúscula lágrima que descia pela curva no nariz, continuou: “Ali percebi que ficaríamos juntos pela vida toda. Ele, como comentou depois, também. A comida não me importava, estava aproveitando a companhia”.

Eu já estava encantada com a força de união presente na história. Mas alegrou-me o desfecho, simbólico e poético. “Então, Marina”, adiantou recuperada dos ventos da saudade, com emoção firme outra vez: “Inesquecível, mesmo, foi um pequeno acontecimento; uma cena, uma situação que marcou nossas vidas”.

“Quê?”, disparei com autêntica curiosidade. “Mal chegamos e sentamos”, explanou, “Entra um senhor solitário, bem vestido, via-se que tinha dinheiro. Agitação do maître e de alguns garçons. Acabam acomodando-o na mesa ao lado da nossa. Burburinho e discussões, ele completa o pedido.

Aguardamos nossos pratos quando surge, pomposo, num pequeno prato de porcelana, uma singela maçã, descascada. Com elegância, garfo e faca em ação, ele come a maçã e nada mais. Nem doce, nem café, sequer água. Paga e vai”.

“Hum, estranho”, observei. “É, concordo”, disse ela. “Esse episódio marcou nossas vidas. Sempre me perguntei por que ali, em meio à riqueza, cadeiras estofadas e guardanapos adamascados, aquele senhor, não se excedia, não podia se exceder? Indicação de saúde? Puro comedimento?”.

Enquanto eu refletia, ela completou: “Eu e meu marido fizemos desse episódio incomum uma espécie de senha. Um código secreto, uma fórmula oculta que apenas nós compreendíamos. Em muitas ocasiões, enfrentando todo tipo de problema ou desafio, levávamos, para dar força e ânimo, como prenda um para o outro, uma maçã”. 

Quer saber mais sobre o trabalho de Marina Gold ou entrar em contato com ela, clique aqui.

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Fonte: Marina Gold
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