Mortes na Penha, Alemão e outras comunidades: o que caracteriza uma chacina?
Megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, deixou 121 mortos
Embora a imprensa, a polícia, os políticos e a população chamem as mortes no Rio de Janeiro de "chacina", não há tipificação jurídica para múltiplas mortes no mesmo local, decorrentes da mesma ação. Por outro lado, institutos e pesquisadores utilizam definições semelhantes.
“Chacina” — palavra que está na boca do povo — não tem definição jurídica e raramente aparece explicada por ministérios ou secretarias de governo. O significado é estabelecido por pesquisadores, universidades e organizações não governamentais, que consideram chacina a morte de três ou mais pessoas em um mesmo local e em uma mesma ação.
A definição do Instituto Fogo Cruzado, que desde 2016 mapeia a violência armada no Brasil, inclui a presença de policiais. “Essa definição é importante porque precisamos de indicadores para compreender o problema da segurança pública brasileira para além da superfície”, afirma Cecilia Oliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado.
Ela explica que “um dos fatores que nos trouxeram ao ponto em que estamos foi justamente a ausência de dados e evidências sobre a violência e as políticas de segurança”. O Instituto buscou referências e passou a adotar a definição de chacina da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a mesma utilizada pelo Instituto Sou da Paz.
“Chacina” e “homicídios múltiplos” são sinônimos
Em 2017, o Instituto Sou da Paz solicitou à Polícia Civil de São Paulo uma definição para o termo chacina. Em resposta, o órgão mencionou uma portaria interna de 2003 do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e o Decreto Estadual nº 57.537.
A portaria do DHPP utiliza a expressão “homicídio múltiplo” para definir os assassinatos de três ou mais pessoas. Já o Decreto Estadual de 2011, ao estabelecer a competência da Delegacia de Polícia de Repressão a Homicídios Múltiplos — uma das poucas do país especializadas em chacinas —, determina que a unidade tem a função de “apurar homicídios que envolvam três ou mais vítimas fatais”.
Segundo a advogada Flávia Fróes, do Instituto Anjos da Liberdade — que denunciou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a ação policial no Rio —, “chacina é um homicídio coletivo dentro de um mesmo território, nas mesmas condições de tempo e espaço”. Para ela, “em um viés criminológico, o termo se aplica a partir de quatro vítimas”.
Pesquisadora aponta padrões das chacinas nas periferias
A cientista social Camila Vedovello desenvolveu uma pesquisa de doutorado premiada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela analisou 828 chacinas ocorridas em São Paulo e na Região Metropolitana entre 1980 e 2020 e também considera chacina os casos em que há mais de três vítimas fatais.
“Chacinas acontecem em áreas periféricas, em espaços públicos ou de convivência, como bares, ruas e vielas. Normalmente, os autores passam antes de carro ou moto, depois retornam atirando e recolhem as cápsulas. Os corpos ficam jogados porque isso representa uma demonstração de poder”, explica a pesquisadora.
Para ela, o que ocorreu no Rio de Janeiro foi “um grande morticínio”. Já a advogada Flávia Fróes também considera insuficiente o uso da palavra “chacina” para classificar o que aconteceu na Penha e no Alemão. “O termo mais adequado seria massacre, diferente da simples execução, porque as mortes foram cometidas com extrema crueldade”, afirma.