“Só escuto gritos, não consigo ajudar”: os relatos de moradores da Penha e do Alemão
Moradores temiam a operação desde ontem. Há denúncias de saque em supermercado e de bomba em casa com criança e avó cadeirante
Uma megaoperação com 2.500 policiais para capturar lideranças do crime organizado e combater a expansão territorial do Comando Vermelho (CV) deixou 64 pessoas mortas e 81 presos nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro.
“Uma das bombas foi solta em cima de uma casa cujas crianças estão com a avó que é cadeirante. Eu só escuto os gritos aqui de casa, mas não consigo socorrer”, diz uma pessoa que mora no Complexo do Alemão durante a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, iniciada na manhã de hoje (28).
O relato foi encaminhado à Defensoria Pública do Estado, que desde a noite de ontem recebe denúncias de moradores dos complexos do Alemão e da Penha. As comunidades já sabiam da operação porque as escolas haviam orientado as famílias a não mandarem as crianças para as aulas de hoje.
“Pelo amor de Deus, estou dentro da casa da minha sobrinha. Eles estão querendo entrar aqui dentro. Estão querendo dar tiro dentro da casa da minha sobrinha. Nossa, eu não sei, eu já fiquei nervosa, eu tomo água com açúcar. Eu não sei o que eu faço”, diz outro relato à Ouvidoria. No Complexo do Alemão, áudios começaram a circular logo cedo.
“Olha só a covardia que eles estão fazendo: destruíram a casa da mulher toda. O outro vídeo então, que a minha neta me mostrou aqui, nossa senhora, criança, a polícia querendo entrar à força, xingando, destruindo a casa, só porque a mulher não deixou entrarem para ficar escondidos na casa dela. Olha a covardia, botaram fogo na casa da mulher”.
Relatos sobre da Matinha e Cem, no Complexo da Penha
Em uma das mensagens, morador do Complexo da Penha ironizou: “Tá um caos bonito, tão soltando bomba direto”. Ele continua, agora mais sério: “Minha casa está tremendo toda hora e olha que eu moro aqui na oito, hein? E eles tão soltando bomba mais pra baixo e chega aqui”.
Em outra rua ainda mais distante do ponto central da megaoperação policial no Complexo da Penha, outro morador completa a declaração anterior: “Eu moro na rua 14, eu também escutei o barulho e a casa também deu uma balançada”. A operação policial mais letal da história espanta quem vive há décadas na comunidade.
“Eu moro aqui há 36 anos e posso te dizer que houve um aumento da violência no bairro, mas hoje parece que estou em um filme de guerra tipo Rambo. Os policiais estão com ódio. Entram nos espaços já batendo nas pessoas e nem criança se salva dessa raiva toda deles. Esses caras parecem não ter alma”, diz morador.
Operação mais letal da história reverbera longe
Mesmo uma moradora que tem sua casa “na zona sul do Complexo do Alemão”, por estar distante do foco da megaoperação policial, é afeada. “A gente não pode nem sair, a gente está em contato com os amigos, todos presos dentro de casa. Meu filho e minha neta chegaram, fiquei mais tranquila. Minha casa é muito próxima da rua, não estou ouvindo nenhum carro, está muito esquisito.”
A megaoperação atingiu cariocas em São Paulo. Uma administradora de projeto social no Complexo do Alemão não conseguiu retornar da capital paulista para o Rio de Janeiro. “Estou desesperada, estão falando para eu não voltar. Tem mais de 60 pessoas mortas”. Ela recebeu mensagens de alerta.
Uma dizia que “Comando Vermelho mandou avisar pra ninguém ir para o centro da cidade. Quem puder não passa pelo centro estão ameaçando tacar fogo no Camelódromo e em lojas. Já tem pessoas lá pra fechar a Presidente Vargas” – a principal via de acesso ao centro do Rio de Janeiro.