Papa Leão XIV prepara visita ao Líbano em meio a tensões e ataques israelenses ao Hezbollah
Um ano depois do cessar-fogo entre Líbano e Israel ter entrado em vigor, os dois países se acusam mutuamente. Ao mesmo tempo, nesta semana Israel matou o comandante militar do Hezbollah e promete continuar a atacar sempre que considerar que a milícia está em busca de se restabelecer no país. Em meio a este cenário de tensões renovadas, o Papa Leão XIV chega ao Líbano no dia 30 para uma visita histórica.
Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel
No último domingo, um ataque aéreo israelense causou a morte de Ali Tabtabai, número dois na escala de comando do Hezbollah e chefe militar da milícia. A ação israelense ocorreu no bairro de Dahieh, ao sul de Beirute, reduto do Hezbollah na capital libanesa. Foi a primeira vez que Israel voltou a atacar no local depois de cinco meses.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou o ataque por recomendação do ministro da Defesa e do chefe do Estado-Maior do exército de Israel. Segundo a RFI apurou, Israel vai aumentar a frequência e a intensidade dos ataques ao sul do Líbano por considerar que o Hezbollah busca se restabelecer na região.
De acordo com o Wall Street Journal, dos Estados Unidos, Israel teria decidido matar Tabtabai pelo papel fundamental que ele exercia na restauração da plena capacidade do Hezbollah; desde o contrabando de armas da Síria, reconstrução de instalações de produção no Líbano até o treinamento de novos recrutas e o estabelecimento de pequenas células de combate no sul do território projetadas para sobreviver a futuros ataques.
Fontes árabes e israelenses disseram ao jornal que Tabtabai teria sido responsável por criar um mecanismo para substituir rapidamente os comandantes de campo mortos em confronto ou em ataques de Israel.
Sobre a possibilidade de resposta por parte do Hezbollah a este ataque, autoridades de segurança israelenses consideram que o líder da milícia, Naim Qassem, está numa encruzilhada, segundo a imprensa local. Fontes próximas ao grupo afirmam que a organização atualmente não possui capacidade para lançar uma resposta significativa, embora alertem que o próximo conflito com Israel seja "apenas uma questão de tempo".
Um ano de cessar-fogo
Em 27 de novembro do ano passado, Líbano e Israel concordaram com um cessar-fogo que, pelo menos formalmente, encerrou a guerra de mais de um ano de duração entre Israel e o Hezbollah.
No dia seguinte aos ataques do Hamas, em 7 de outubro de 2023, a milícia xiita libanesa passou a disparar mísseis e foguetes contra o território israelense, em "solidariedade" ao grupo extremista palestino.
Agora, quase um ano depois, Líbano e Israel acusam-se mutuamente por violações. Israel ainda mantém cinco postos militares avançados em território libanês, sem a concordância de Beirute. Para além disso, desde que o cessar-fogo entrou em vigor, Israel continua a realizar ataques contra o que alega ser a tentativa de restabelecimento do Hezbollah ao sul do rio Litani, marco geográfico localizado entre 25 a 30 quilômetros ao norte da fronteira entre os dois países.
Antes mesmo do período de guerra atual, a Resolução 1701, que encerrou a guerra entre Israel e Hezbollah em 2006, determinava que, abaixo do rio Litani, a única força militar presente deveria ser o exército regular libanês. A mesma determinação foi reforçada no acordo de um ano atrás que encerrou o último conflito.
O governo libanês assumiu o compromisso de desarmar o Hezbollah até o final deste ano. Israel, entretanto, questiona a eficácia do trabalho liderado pelo exército libanês. Mais ainda, garante que, se Beirute não cumprir suas obrigações, irá levar adiante o desarmamento do Hezbollah por conta própria.
"O Hezbollah quer se reestruturar. A sensação é de que não quer atacar Israel, mas reconstruir as capacidades terroristas que foram atingidas por Israel ao longo de um ano de guerra", disse à RFI Sarit Zehavi, presidente do Alma, centro independente de pesquisa especializado em questões de segurança da fronteira norte de Israel.
A visita do papa
Na quinta-feira, o papa Leão XIV inicia uma visita à Turquia e ao Líbano com o objetivo de promover a unidade cristã e incentivar os esforços de paz em meio às tensões do Oriente Médio. Leão XIV chegará ao Líbano no dia 30. Pelas ruas e estradas do país, há imagens do papa acompanhadas da frase "O Líbano quer paz".
Para além das guerras e da busca pela paz, o chefe da Igreja Católica também vai fazer uma oração no local de outro acontecimento trágico recente, o Porto de Beirute, onde em 2020 uma explosão causou a morte de mais de 200 pessoas e deixou sete mil feridos. O episódio ainda precisa ser esclarecido por completo, mas já se sabe que a tragédia foi causada pelo armazenamento impróprio de milhares de toneladas de nitrato de amônio.
Abdo Abou Kassem, coordenador de imprensa da Igreja para a visita, disse que o papa também deseja "reafirmar o papel do Líbano como um modelo para o Oriente e o Ocidente" por meio de um encontro inter-religioso no centro de Beirute.
Vários ônibus fretados levarão católicos do sul do país para os eventos programados, como o encontro com jovens na praça em frente ao Patriarcado Maronita e a missa na orla de Beirute.
"O papa está viajando para um país ferido. Os últimos seis anos foram terríveis. Perdemos todas as nossas economias nos bancos, depois veio a pandemia, depois a explosão no Porto de Beirute e agora também há a guerra no sul do Líbano", explicou à Agência de Notícias Católica o padre Raffaele Zgheib, diretor nacional das Obras Pontifícias Missionárias no Líbano.
Os cristãos representam 33% da população do país e, segundo o Vaticano, há 1,9 milhão de libaneses católicos maronitas. Os muçulmanos formam a maior parte dos cerca de seis milhões de cidadãos.