Não, tribunal europeu não decidiu que médicos são únicos responsáveis por efeitos da vacina da covid
POSTAGEM DISTORCE TEOR DE DECISÃO QUE NÃO DELIBEROU SOBRE RESPONSABILIDADE MÉDICA; AGÊNCIA SANITÁRIA DO CONTINENTE DEFENDE A IMUNIZAÇÃO
O que estão compartilhando: que o Tribunal de Justiça da Europa decidiu que "os médicos serão os únicos responsáveis pelas consequências de injeções da covid-19?. O conteúdo repercute que os profissionais que incentivaram ou administraram vacinas poderão ser julgados na esfera civil e criminal. A postagem ainda afirma que médicos têm "liberdade" para desaconselhar a vacinação e que as medidas podem influenciar decisões de saúde no continente.
O Estadão Verifica checou e concluiu que: é enganoso. A postagem distorce o resultado de uma ação judicial de um médico italiano, solicitando a anulação da autorização comercial dos imunizantes Spikevax e Comirnaty. O pedido foi negado pelos juízes. Eles também não dizem que os médicos devem ser os únicos responsabilizados civil ou criminalmente por eventuais consequências da vacinação porque este não era o tema da ação. A decisão não muda o posicionamento da agência sanitária europeia que avalia a vacinação da população como segura para a redução de mortes e hospitalizações por covid-19.
Saiba mais: A publicação foi feita pelo médico José Nasser no Instagram. Ela interpreta de forma enganosa uma decisão da Oitava Turma do Tribunal de Justiça da Europa (CURIA, sigla em inglês) que foi contra o pedido de um médico italiano para cancelar autorizações comerciais de vacinas contra a covid-19. Diferentemente do que alega a postagem analisada, a responsabilização de médicos que administram imunizantes não foi julgada pelos juízes.
Recurso de médico foi negado na Justiça
A postagem enganosa tem como base uma ação do médico italiano Frajese que pedia o fim da comercialização das vacinas Comirnaty e Spikevax. O Tribunal Geral da União Europeia já havia rejeitado o pedido do profissional declarando que "a ação é inadmissível em razão da inexistência de interesse em agir e falta de legitimidade processual". Na avaliação do recurso, a decisão foi mantida (leia aqui, em inglês).
Em seu pedido, Frajese defendeu que a comercialização de vacinas tornava obrigatória a recomendação delas e, consequentemente, responsabilizava os profissionais de saúde pelos efeitos dos imunizantes. O tribunal recusou o argumento. Disse que a aprovação das vacinas pela agência regulatória, European Medicines Agency (EMA), trata apenas da sua autorização para comercialização e não impõe a exigência de sua prescrição.
O advogado italiano Gabriele Chiarini, especialista em direito de saúde, negou ao Estadão Verifica que o acórdão diga respeito à responsabilidade médica sobre eventuais eventos adversos dos imunizantes, mas sim à impugnação do despacho de Frajese. "O tribunal confirmou que o requerente não tinha legitimidade para intentar uma ação, sem se pronunciar sobre a questão da hipotética responsabilidade dos médicos", explicou o doutor. Ou seja, não houve mudanças de diretrizes sobre a recomendação de imunizantes na Europa.
Responsabilidade de médicos acontece em casos de negligência
Na decisão, o tribunal argumentou que a comercialização das vacinas não está diretamente ligada a responsabilidade de profissionais da saúde, que "dependem de circunstâncias específicas que se originam no tratamento individual". O acórdão também frisa que a segurança e eficácia dos imunizantes, além das orientações para administração, são aprovadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
Segundo Chiarini, na Itália, os médicos que seguem diretrizes reconhecidas pelo Ministério da Saúde não são culpados por efeitos adversos das vacinas. "A responsabilidade profissional só poderá surgir em caso de negligência, imprudência ou incompetência na administração da vacina ou no tratamento do paciente", explicou.
A Lei 76/21 italiana estabelece que a punição legal não é aplicável para casos em que a vacinação por médicos tenham causado homicídio culposo ou lesão corporal a um paciente, se as instruções emitidas pelas autoridades competentes tenham sido cumpridas. A legislação prevê sanções apenas em casos de má conduta grave dos profissionais de saúde.
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Comissão Europeia recomenda vacinas contra a covid
As vacinas Comirnaty e Spikevax são aprovadas pela EMA para administração na União Europeia (confira aqui e aqui). A agência sanitária informa que os dois imunizantes possuem alta eficácia de proteção contra a covid-19 e que a maioria dos efeitos colaterais são leves. A EMA dá instruções aos profissionais de saúde e pacientes, além de monitorar os resultados da vacinação por meio de um plano de segurança e eficácia da União Europeia.
A Comissão Europeia recomenda a vacina como uma estratégia contra hospitalização, doença grave e morte pelo coronavírus. De acordo com o site do órgão executivo, pessoas não vacinadas correm um risco maior que indivíduos imunizados. Há diretrizes que apoiam os estados-membros sobre a vacinação da população, definida por cada um dos países.
Resposta do médico que postou o conteúdo
O médico que postou o conteúdo checado disse ao Estadão Verifica que as referências da postagem analisada estão em sua plataforma Substack, que requer assinatura para a leitura completa. Ele ainda disse que traz "informações que são compartilhadas pelos profissionais mais competentes nesta área no mundo cientifico".
O profissional apagou a publicação de sua conta no Instagram após o contato da reportagem.
Como lidar com posts do tipo: Apesar de autoridades internacionais de saúde terem comprovado a segurança e eficácia das vacinas contra a covid, ainda circulam publicações que incentivam pessoas a não se imunizarem. Neste caso, uma decisão da Justiça Europeia é distorcida para gerar insegurança aos profissionais de saúde que administram imunizantes. É importante pesquisar por palavras-chaves a fim de checar se uma decisão como essa foi noticiada por veículos da imprensa profissional. A agência de checagem Butac, da Itália, desmentiu alegações semelhantes que circularam no país.
