Como a Nissan perdeu o bonde da história nos carros elétricos
Pioneira, ex-líder de carros elétricos e dona da melhor tecnologia híbrida, Nissan ficou parada e agora não tem sequer cota de importação
A Nissan foi pioneira na venda de carros elétricos, liderando o mercado, porém, perdeu o bonde da história do segmento no Brasil. A montadora japonesa necessita de mudanças rápidas para se recuperar no mercado de veículos eletrificados.
A ausência da Nissan na lista das montadoras que têm cota para importar veículos híbridos e elétricos sem pagar imposto de importação foi a surpresa desta virada de ano. Para observadores do mercado, entretanto, foi a prova de que a Nissan perdeu o bonde da história dos carros elétricos no Brasil – fato que já vinha sendo comentado em conversas de bastidores no último trimestre.
É chocante que a Fiat, líder de mercado, também não tenha conseguido cota, mas isso era até esperado, pois na estratégia da Stellantis a Peugeot foi escolhida como a marca dos carros elétricos. Mas a Nissan foi uma surpresa ruim, pois a marca japonesa foi pioneira na venda de carros elétricos e chegou a liderar o mercado com o Nissan Leaf.
Pior: o Nissan Kicks e-Power, prometido e anunciado há anos, nunca estreou no mercado, embora tenha a melhor tecnologia de carros híbridos, que levou o Nissan Note à liderança no Japão e já é vendido no México. De fato, o bonde da história passou e a Nissan não aproveitou seu pioneirismo neste segmento do mercado brasileiro, que agora é dominado pela BYD, pela Volvo e pela GWM.
Lançado em 2010, o Nissan Leaf logo se tornou um sucesso global. Ele estreou no Brasil somente em julho de 2019, dois anos depois de a segunda geração ter sido apresentada no Japão e de sua importação ter sido confirmada no Salão de Tóquio 2017. O carro chegou custando R$ 195.000 e foi oferecido principalmente a taxistas. Hoje parte de R$ 298.490, um valor incompatível com o carro.
Com a faca e o queijo nas mãos, a Nissan acreditou que poderia determinar o rumo do mercado de carros elétricos. Optou então pelo carregamento CHAdeMO, de fabricação japonesa, mas todas as marcas europeias que vieram depois (BMW, Audi, Porsche, Volvo, Renault etc.) optaram pelo carregamento CCS2. As chinesas, idem.
Hoje praticamente só os carros elétricos da Nissan usam o CHAdeMO, enquanto o CCS2 se expande rapidamente pelo país, por iniciativa da Volvo, da Audi e da Porsche, além das empresas de energia.
Em seu primeiro ano completo, 2020, o Nissan Leaf obteve 105 registros. O Leaf chegou a ser líder de mercado no Brasil, com 439 vendas em 2021, depois caiu para 347 unidades em 2022 e para 219 em 2023 (até novembro). Para dar uma ideia, o Volvo XC40, que disputava a liderança com o Nissan Leaf há dois anos, obteve 1.486 vendas até novembro. E o BYD Dolphin, novo líder, chegou a 4.561 emplacamentos.
O Nissan Leaf é um ótimo carro elétrico e foi renovado recentemente, mas só está disponível com motor de 110 kW (150 cv) e bateria de 40 kWh, que tem capacidade limitada e lhe dá um alcance de apenas 285 km (192 km pelo ciclo PBEV). Além de tudo, o Leaf é um hatch médio, carroceria quase extinta no mercado brasileiro.
A montadora japonesa demorou para trazer o novíssimo Nissan Ariya, um SUV elétrico que tem opção de motor com 160 kW ou 180 kw (218 cv ou 245 cv) e baterias de 65 kWh ou 90 kWh – com alcance entre 450 km e 650 km, muito mais apropriados para um país com pouca infraestrutura de carregamento, como é o Brasil.
No caso dos carros híbridos, o Nissan Kicks e-Power seria um híbrido com um motor elétrico de 96 kW (130 cv) e um motor 1.0 com a função de carregar a bateria. No México, com um motor 1.2 de 83 cv para carregar a bateria de 2 kWh, o Nissan Kicks e-Power faz 24,8 km/l de gasolina na cidade e 21,7 km/l na estrada.
O Nissan Kicks é um dos SUVs de maior sucesso no mercado brasileiro, com quase 50 mil unidades vendidas este ano. Se a Nissan conseguir viabilizar o projeto e finalmente lançar o Kicks e-Power no Brasil, o modelo terá enorme vantagem competitiva perante os líderes do segmento (Volkswagen T-Cross, Chevrolet Tracker e Hyundai Creta), pois seu consumo será imbatível – há projeções de que possa fazer até 30 km/l de gasolina.
O Nissan Ariya elétrico também está nos planos da montadora japonesa para o Brasil. Mas ele não poderá vir com cota de importação zero, o que já o deixará menos competitivo, assim como o Leaf. Por óbvio, questões financeiras sempre se impõem na vida de uma empresa, e isso pode ter levado a Nissan a "tirar o pé do acelerador", no segmento de elétricos e do híbrido e-Power em 2023.
O problema é que o bonde da história não para quando esta ou aquela empresa decide adiar seus planos. Ele continua e outras empresas vão subindo nele – casos da BYD e da GWM. Mas, apesar de tudo, a Nissan tem qualidade e produtos para se recuperar no mercado de veículos eletrificados, e parece já estar se mexendo.
Recentemente, a Nissan fez mudanças importantes na estrutura de comunicação e de marketing, conseguindo sucesso em algumas ações, como o lançamento do Novo Versa e do Novo Sentra. Para recuperar o bonde da história no mercado de veículos eletrificados, a Nissan precisa ser mais rápida nas decisões e apostar de fato em suas tecnologias, pois quem persegue não lidera.
Uma das alternativas, segundo relatos da imprensa especializada, é a Nissan se unir à Renault para fabricar o Kwid E-Tech no Brasil e lançá-lo com outro nome. Pode ser uma boa aposta, descolando a Nissan brasileira das soluções oferecidas no Japão e na Europa, que têm necessidades diferentes do Brasil – e onde os bondes nem passam mais, pois foram substituídos por trens de alta velocidade.