Primeiro ano do MCTI sob Lula recupera pesquisas, mas requer mais verbas
Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, falou ao Byte sobre os desafios da nova gestão e o foco na indústria
O primeiro ano da terceira gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva teve como desafio valorizar o saber científico no pais, além de recuperar iniciativas e ativos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) enfraquecidos nos governos anteriores. Principalmente sob o comando de Jair Bolsonaro, cujo mandato chegou a cortar, até 2021, 87% de verbas para ciência e tecnologia.
A última gestão também fez cortes significativos na pesquisa científica Em 2021, o orçamento total aprovado para ciência e tecnologia no Ministério da Ciência foi o menor em pelo menos duas décadas, segundo números compilados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em São Paulo. A entidade representa mais de 70 associações científicas.
“Além dos cortes orçamentários, há uma campanha em andamento para tentar minar o moral do ensino superior público, da cultura e da saúde pública”, diz Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, em reportagem da revista Nature em 2022.
A atual ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, disse a Byte que 2023 foi o ano de um conjunto de medidas para recuperar a capacidade científica e contribuir para a agenda de reindustrialização do país.
“Historicamente, a ciência brasileira sempre enfrentou períodos de grandes desafios. Mas o ciclo político anterior foi especialmente perverso ao protagonizar episódios de negação da ciência e dos seus benefícios para a humanidade, além de promover um verdadeiro apagão no financiamento da ciência”, disse a ministra.
Neste ano, vimos a regularização de bolsas de estudo e o lançamento de dois editais de pesquisa como boas marcas. Para 2024, o governo Lula precisará encarar mais uma vez um destino comum à ciência pública brasileira: lidar com o orçamento constantemente reduzido do ministério e obter mais recursos a médio e longo prazo.
O que fez o governo Lula pela ciência
De acordo com Santos, duas conquistas foram estratégicas para recuperar o sistema de fomento da ciência e da tecnologia: a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e a redução dos juros nos financiamentos para inovação nas empresas.
Na primeira decisão, o FNDCT passou a dispor de R$ 10 bilhões para investimentos em projetos estruturantes em áreas prioritárias para o desenvolvimento nacional, como combate à fome, saúde, clima, reindustrialização, transição energética e transformação digital.
O MCTI também elencou outros destaques da pasta em 2023:
- Correção das bolsas de estudo e pesquisa, concedendo reajuste que beneficiou 258 mil bolsistas da Capes e do CNPq;
- Reajuste no valor das Bolsas de Fomento Tecnológico e Extensão Inovadora, contemplando oito modalidades e 6.500 bolsistas em atuação;
- Adicional de taxa de bancada para as Bolsas de Produtividade em Pesquisa e de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico de nível 2, promovendo o equilíbrio entre os pesquisadores de alto nível.
- Lançamento de dois editais de pesquisa no valor de R$ 590 milhões;
- Primeiro concurso público do MCTI em mais de dez anos, com 814 vagas.
Para a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, de fato o maior avanço foi a liberação total dos recursos do Fundo. No entanto, para ela, somente o FNDCT não vai colocar o Brasil na posição que ele precisa no movimento global de países líderes na economia sustentável, social e ambiental.
“Há necessidade de mais recursos. O governo do presidente Lula entendeu o valor da ciência, no entanto, vários outros mistérios ainda não entenderam. Para quem faz a economia, a ciência é gasto e não investimento”, comentou Helena Nader.
Ciência, Tecnologia e Inovação no PAC
Os projetos do MCTI também foram incluídos no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal. A promessa é de que, até 2026, sejam investidos R$ 8 bilhões em seis projetos.
Um deles é o Pró-Infra, que foi retomado para “recuperar e expandir a infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica das universidades e instituições de ciência e tecnologia”, afirmou a ministra Luciana Santos.
Uma segunda iniciativa incluída no PAC é a implantação de 18 infovias, que somam 40 mil quilômetros de fibra ótica por todo o território nacional, como parte do programa Conecta e Capacita.
Parte da agenda do ministério neste ano inclui a construção do NB4, primeiro laboratório de máxima contenção biológica do país; a expansão do acelerador de partículas Sirius, em Campinas (SP); na construção do Reator Multipropósito Brasileiro, que vai permitir a autonomia do país na fabricação de radiofármacos; e na melhoria do sistema de monitoramento de riscos de desastres naturais do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Críticas ao MCTI
Apesar da boa nova envolvendo o FNDCT, a presidente da ABC, Helena Nader, destaca que os recursos não foram liberados como a comunidade acadêmica científica pediu.
"Nós ficamos com 50% dos recursos reembolsáveis, enquanto a parte de Ciência, Tecnologia e Inovação, inclusive da própria indústria, com os 50% não reembolsáveis. Tínhamos pedido 75% e perdemos, mas vamos continuar lutando para reverter isso e buscar ter novos investimentos”, disse a presidente da ABC.
Ela enfatizou que, sem ciência, o Brasil não vai atingir os objetivos em relação ao ambiente, em segurança hídrica e alimentar, na alta tecnologia ou na indústria.
O presidente da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), Helio Jaques Rocha-Pinto acredita que não houve mudança real no ministério da nova gestão Lula em termos de investimento concreto.
“Minha impressão é que o governo federal ainda está muito amarrado a demandas fiscais e ao orçamento reduzido. Supostamente, em 2024 não haverá mais a desculpa do orçamento feito pelo governo anterior, embora as regras fiscais em voga ainda impeçam investimentos mais vultosos”, disse.
Entretanto, ele destaca que, com o apoio da SAB, a atual Secretaria de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI está buscando criar uma rede nacional de astronomia, na qual o MCTI poderá ter um assessoramento direto de astrônomos na definição de suas políticas de investimento na área.
Para 2024, o presidente da SAB diz que gostaria de ver o governo federal priorizar a retenção dos cientistas formados no Brasil.
“O primeiro passo foi a abertura de concursos no MCTI, mas é preciso renovar os quadros das universidades e, também, estimular empresas e a indústria a efetivamente investir em pesquisa e desenvolvimento”, disse Jaques Rocha-Pinto.
Astronomia
No campo da astronomia, o ministério está desenvolvendo o radiotelescópio BINGO (Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutron Gas Observations), um projeto internacional com colaboradores no Brasil, China, Reino Unido, França, África do Sul, Alemanha e Estados Unidos.
O projeto, que soma R$ 4,9 milhões em recursos do FNDCT, visa viabilizar pesquisas no estado da arte da cosmologia, além de avançar na interiorização do desenvolvimento tecnológico e da educação científica.
“Tem o potencial de gerar resultados científicos de grande impacto, além de novas tecnologias em sensoriamento remoto e ciência espacial”, afirmou a ministra, Luciana Santos.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — unidade de pesquisa do MCTI — participa do projeto com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e com a Universidade de São Paulo (USP).
O radiotelescópio será construído na cidade de Aguiar (PB) e, segundo o ministério, já está nas fases finais para obtenção das peças que irão compor a infraestrutura de pesquisa.
Desafios e prioridades para o futuro
A presidente da ABC, Helena Nader, definiu como prioridade da pasta a manutenção da liderança do Brasil em segurança alimentar.
“Vai precisar ter muita ciência para continuar sendo líder. Basta olhar o que está acontecendo, por exemplo, na Holanda, um país muito pequeno e uma revolução na agricultura. Então o mundo não está parado esperando o Brasil ter forças para ser um país grande”, comentou Nader.
Ela também destaca como desafios na ciência a transição energética no país. “Em pouco tempo [o Brasil] conseguiu criar muitas oportunidades e um crescimento exponencial na energia eólica e na energia solar. E a transição energética não vai acontecer de repente”.
A ministra do MCTI ressalta que o objetivo da pasta é contribuir com a política de reindustrialização lançada pelo governo do presidente Lula. Do total de R$ 100 bilhões destinados à política industrial até 2026, R$ 41 bilhões são do FNDCT.
“Sabemos que um país com uma indústria pujante intensiva em tecnologia e inovação gera melhores oportunidades de emprego e renda e demanda por qualificação para os trabalhadores. Esse é o objetivo do governo Lula ao articular a política industrial com a política de ciência, tecnologia e inovação”, afirmou Luciana Santos.
"Hackers do bem"
O lançamento de um pacto nacional pelo letramento e a capacitação digital da população é um dos objetivos do MCTI. Segundo a pasta, o objetivo é reverter o déficit anual de 106 mil profissionais nas
áreas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais.
"O ministério já possui programas voltados à formação de estudantes e jovens egressos do Ensino
Médio e Superior, como os programas Hackers do Bem e Residência em TIC, que usam recursos da
Lei de Informática para enfrentar o déficit nessas áreas", disse a ministra.