A Terra tem limites e, todos os anos, eles têm sido sobrecarregados cada vez mais cedo. E para mudar isso, é preciso mudar a forma de lidar com o consumo, com os resíduos e as tomadas de decisão em torno disso tudo. É o que conta a especialista em sustentabilidade Daniela Lerario no último episódio do podcast Futuro Vivo publicado nesta terça-feira, 23.
- Conduzido pelo apresentador Victor Cremasco, o podcast Futuro Vivo faz parte da plataforma de sustentabilidade homônima da Vivo. Os episódios são disponibilizados no Terra e em plataformas de áudio (Spotify) e vídeo (YouTube). Já participaram Carlos Nobre, Kaká Werá, Gilberto Gil, Denise Fraga e Bia Saldanha, entre outros convidados.
Ao longo da conversa, Daniela falou sobre como sempre teve o privilégio de ter um contato próximo com a natureza, mesmo tendo sido nascida e criada em São Paulo. Nisso, ela relembra que desde pequena pegava papéis que encontrava pelo chão e guardava no bolso para depois descartá-los. “O resíduo sempre me incomodou”, relembra.
Esse incômodo ganhou outras proporções quando ela participou da Expedição Pangea, que atravessou o Oceano Pacífico para analisar impactos da poluição de plásticos nas águas. Ela foi a única integrante latino-americana da viagem.
Para Daniela, a vivência fortaleceu a sua jornada ao trazer um olhar mais específico a respeito do plástico. Ela conta que foi para a expedição pela aventura, pela sensação de velejar e estar livre do oceano. Mas, em meio à imensidão, foi impactante ver que a nossa poluição está chegando em lugares cada vez mais distantes. Isso mudou tudo para ela.
Foram mais de 40 dias em um veleiro. De 96 redes que lançaram para coletar resíduos, 90% tinha microplástico. “A gente avistou plástico todos os dias, a olho nu, fora o que a gente coletou pro baixo. Foi muito forte pra mim”, recorda.
Os plásticos, desde 1960, que são jogados e destruídos, estão ou poluindo os rios, ou poluindo o ar, ou poluindo a terra. E os rios vão desaguar no mar e aí eles vão se quebrando.
Economia circular
Daniela tem experiência em economia circular, e explica que essa frente faz uma crítica ao ciclo “do berço ao túmulo”, que tem a ideia de “retirar, transformar e jogar fora”. “É o que a gente ainda continua vendo acontecer e é uma economia que está fadada ao fracasso. Porque não tem ‘fora’. Esse ‘fora’ vai de qualquer maneira para a terra, para o ar, ou para a água”, afirma.
A especialista reforça os males da poluição – como os primeiros indícios de microplástico encontrados em placenta humana, e também a poluição extraterrestre de satélites. “A gente tá com isso dentro da gente, fora da gente. Quando a gente vai parar?”, questiona.
Na contramão, a economia circular se vale dos pilares de não poluir, eliminar resíduos e de regenerar. Tudo isso com o intuito de garantir que um material consiga persistir e ser usado o máximo possível.
"A gente precisa começar a olhar para a tomada de decisão, olhar para o começo dessa lógica. Tem aquela frase do ‘lixo é um erro de design’. O design no sentido de ‘alguém desenhou um produto que precisava criar um resíduo’. E a verdade é que se você não escolhe bem os materiais, aquele material ruim vai ficar perdurando”
A questão da escolha de materiais bons faz toda a diferença. Nessa discussão, Daniela cita que há posicionamentos de que a reciclagem, teoricamente, nem deveria acontecer – visto que é um fator que não é o central na cascata de decisões para a redução de resíduos. Mas que, na prática, é preciso que se considerem os múltiplos fatores.
“O que acontece é que a gente vive numa região, e várias outras regiões do mundo são como a nossa, onde a reciclagem se tornou modo de vida, sustento e orgulho para milhares, milhões de pessoas. Então é onde a gente esbarra numa discussão que não é ambiental, ela é econômica e ela é social”, frisa. Tudo isso, para ela, está conectado com a busca por um desenvolvimento resiliente e a redução das desigualdades. Debates que não podem deixar de fora a legião de catadores de material reciclável no Brasil que tem feito um trabalho crucial há muitos anos.
“Eu sinto que a gente evoluiu, mas minha sensação é que a gente ainda não deu o clique de pensar que não precisamos do resíduo. É uma inovação assim: ‘qual o material’, ‘a tampa’... Hoje, a gente já vê algumas tampas que são presas na garrafa, mas a gente continua produzindo a garrafa”, reflete.
Plástico é vilão?
Ao falar sobre resíduos, não tem como não evidenciar sobre a figura do plástico – que ao mesmo tempo que é visto como o grande problema, também trouxe benefícios para a sociedade. Para Daniela, o plástico tem cada vez mais permeado diversas discussões, como do petróleo, da energia, da geopolítica e assim por diante. Mesmo assim, para ela, o esforço é pequeno em relação ao que deveria ser.
A especialista acredita que por mais que haja uma grande pressão da indústria com relação ao uso do plástico, o mercado também irá se ajustar. “A gente está fazendo regulações, a gente está fazendo legislações. As discussões estão ficando maiores, mais importantes, os países estão começando a se posicionar sobre isso. Eu vejo como um desafio, mas eu acho que isso é um bom sinal. Quando as conversas difíceis começam a aparecer e incomodar, e essas forças vão se balanceando, eu acho que são sinais de que a gente está avançando para o lugar certo”, diz.
Daniela considera a legislação brasileira avançada com relação à gestão de resíduos – com leis boas, mas que agora precisam ser melhor fiscalizadas. “A gente avançou, a gente avançou muito, mas a velocidade não é suficiente para o que a gente precisa”, reforça.
E todo o processo é complexo. Não tem solução fácil. É preciso olhar para a cadeira de reciclagem, logística, considerar quanta água aquele processo gasta para ser feito e muito mais. Detalhes como as cores do produto, por exemplo, não são apenas detalhes – pois é preciso pensar na reciclabilidade dos itens, se há mercado para aquele tipo específico de material em suas especificidades, para além de se ele pode ser reciclável ou não.
"Essa cultura do uso único, do ‘pra já’ e do imediato, do ‘pega e joga fora’, é muito doentia, muito estranha"
Dicas preciosas
Daniela Lerario elencou cinco dicas para auxiliar na caminhada pessoal da busca por uma vida mais sustentável. Confira:
- Uso único - "Atentem-se aos materiais de uso único. Toda vez que a gente evitar é uma conquista. O sachê [por exemplo] vem ali para te entregar uma doçura, na verdade o que ele te entrega é um resíduo de menos um segundo que você abre e usa. É muito mais resíduo do que açúcar no conteúdo";
- Resíduos de pequeno porte - "Em toda limpeza de praia que eu faço a maioria dos resíduos vem da corrente, que vem do esgoto. E quais são os resíduos que vêm do esgoto? Os pequenos. Por quê? Porque o nosso gradeamento não foi feito para barrar os resíduos menores de 7 cm. Nem o caminhão da coleta, nem o caminhão da cooperativa. Então, os pequenininhos, as tampinhas de caneta, o isqueiro, as tampinhas de garrafa, os pequenininhos vão vazar nesses lugares e vão boiar e flutuar diretamente para o oceano";
- Informações sobre os materiais - "A melhor forma de todas: visite uma cooperativa de materiais recicláveis. No seu bairro com certeza absoluta tem uma. O conhecimento que eles têm para oferecer é muito valoroso. Tem um valor enorme você ir lá e perguntar. Entender como você prepara o seu material para que ele seja entregue. Eles têm algumas dicas que são muito valiosas";
- Lave menos suas roupas - "Há quem torce o nariz pra mim e acha que a gente vai ficar todo mundo com roupa fedida e suja. Mas eu acho que, primeiro: puxa água, né? Segundo: é ter consciência na hora de comprar, entender que a maioria dos tecidos é sintético. E ele também é feito com plástico. E a gente tem microfibras nos tecidos que saem no momento da lavagem".