Kaká Werá propõe caminhos para reconexão humana e planetária: "o futuro é ancestral"
Líder indígena e educador defende mudanças nas relações ambientais, sociais e tecnológicas por um futuro sustentável e colaborativo
Em uma conversa no podcast Futuro Vivo, Kaká Werá, escritor, ambientalista, educador e líder indígena do povo Tapuia trouxe reflexões essenciais sobre a relação da humanidade com a Terra e a necessidade urgente de resgatar a sabedoria ancestral.
O papo com o apresentador Victor Cremasco abordou desde sua trajetória pessoal até a visão dos povos originários sobre os desafios contemporâneos e o papel da tecnologia.
O podcast conta com quatro episódios e faz parte da plataforma homônima da Vivo em seu pilar de sustentabilidade. Os episódios são disponibilizados toda terça-feira no Terra e em plataformas de áudio (Spotify e Deezer) e vídeo (YouTube). Além de Kaká, participam da primeira temporada Carlos Nobre, Gilberto Gil (12/8) e Denise Fraga (19/8).
Professor por definição e a adoção cultural pelos Guarani
Questionado sobre qual de suas muitas atuações mais o define, Kaká não hesita: professor. Ele se vê como um "transmissor de saberes", uma constância que dialoga com sua alma, seja em sala de aula, rodas de conversa ou palestras.
Sua jornada pessoal é marcada por uma profunda reconexão com suas raízes. Nascido na periferia da cidade de São Paulo e sem conviver em aldeamentos na infância, Werá descobriu sua origem no povo Tapuia por meio de pesquisa familiar. Mais tarde, já órfão na adolescência, foi acolhido e adotado culturalmente pelos Guarani. Essa adoção, comum em diversas culturas indígenas, ocorreu por um casal de anciãos – o pajé Alcebíades Werá e sua companheira Tia Diarí –, que o educaram no profundo respeito e conexão com a natureza.
Kaká compartilha uma das lições mais impactantes de sua vivência Guarani: o aprendizado do silêncio e da contemplação. Sua inquietude urbana se transformou ao ser instruído a simplesmente "olhar para a planta", um exercício que o levou a perceber a natureza da vida e a dialogar pelo silêncio, um dos maiores ensinamentos que recebeu.
A urgência da ancestralidade e a nossa filiação com a Terra
A conversa se aprofundou na tese central de seu último livro, Tekoá, que ecoa o sentimento de outras lideranças indígenas: "o futuro é ancestral".
Essa ponte com a ancestralidade é não apenas urgente, mas profundamente necessária
Ele enfatiza que o foco das ações indígenas, que antes se centrava na demarcação de terras e respeito à diversidade cultural, agora se amplia para o princípio da "nossa genealogia comum": a filiação à Mãe Terra, a compreensão de que somos "desdobramento inseparável da natureza". Essa perspectiva é crucial para abandonar a relação destrutiva e gananciosa com o meio ambiente.
Werá critica a ideia de "salvar o planeta", pois, em sua visão, ela ainda carrega a soberba humana de superioridade sobre a Terra. A urgência, portanto, é "extirpar essa característica adquirida ao longo dos milênios por uma suposta superioridade intelectual".
O protagonismo indígena e a desconstrução de estereótipos
A entrevista também traçou um panorama da evolução da relação entre a sociedade não indígena e os povos indígenas no Brasil. Kaká Werá destaca que, após séculos de escravização e extermínio, e um período assistencialista no século XX (com figuras como Curt Nimuendajú e os irmãos Villas Boas), o verdadeiro protagonismo indígena é algo recente, ganhando força a partir da Constituinte de 1988. Líderes como Mário Juruna (o primeiro deputado federal indígena), Marcos Terena, Álvaro Tukano e Ailton Krenak abriram caminho para a geração atual, que hoje ocupa seu "lugar de fala". “O protagonismo dos povos indígenas se torna forte em meados dos anos 90 e se expande nos anos 2000 a ponto de termos uma geração bem diversa em termos de etnias e ações”, reflete.
Esse avanço, contudo, ainda enfrenta estereótipos e distorções:
- Homogeneização: A ideia de que "índio é tudo igual", ignorando a imensa diversidade de culturas, línguas e modos de vida.
- Estereótipo visual: A crença de que um indígena deve sempre usar pintura corporal e cocar, desconsiderando a adaptação e evolução cultural.
- Não evolução: A concepção equivocada de que a cultura indígena não pode evoluir ou agregar novos conhecimentos.
- Perda de identidade: O preconceito de que um indígena que domina outras línguas, tecnologias ou se forma em faculdades "não é mais índio".
- Idealização romântica: A visão puritana e idealizada dos povos indígenas, que ignora suas realidades humanas, conflitos culturais e sociais.
Tecnologia: aliada e desafio
A tecnologia, para ele, é um desafio e uma ferramenta para os povos indígenas, assim como para toda a nossa geração e a futura. Ele celebra o uso de aparelhos telefônicos, computadores e drones por jovens lideranças da Amazônia para promover a cultura, cuidar da floresta e aproximar comunidades. No entanto, alerta para os riscos de distorção, dependência, depressão e desassociação cultural que a tecnologia pode gerar.
Já para o cotidiano, Kaká sugere duas práticas aparentemente simples, mas que considera fundamentais para qualquer cidadão: caminhar descalço na natureza e a contemplação. “O caminhar promove saúde física, emocional e mental, enquanto a contemplação atua na lapidação do nosso interior", conta.
Ele lamenta que a sociedade atual, apesar das facilidades tecnológicas, esteja em um estado de debilidade física e emocional por não se reconectar com essas práticas básicas.
O futuro desejável: cidades-jardins e equilíbrio entre colaboração e competição
Ao ser convidado a revelar o futuro que deseja, Werá descreve um cenário centrado em pequenas comunidades, e não em grandes metrópoles. “Haveria um equilíbrio entre edificações e jardins, algo próximo das "cidades-jardins" da antiga Amazônia. Nesse futuro, a competição não teria um caráter definitivo, havendo um equilíbrio entre ações colaborativas e competitivas. O foco do desenvolvimento dessas comunidades estaria na arte e no espírito”, imagina.
Encontro Futuro Vivo
No dia 26 de agosto, o Encontro Futuro Vivo reunirá no Teatro Vivo, em São Paulo, cientistas, ambientalistas, artistas e influenciadores para debaterem sobre o equilíbrio entre as novas tecnologias e a reconexão com a natureza e nossa humanidade, fazendo um chamamento de mobilização coletiva pelo futuro do planeta e da sociedade.
Entre os painelistas estará o renomado cientista sueco Johan Rockström, esperado para falar sobre os limites da saúde planetária, o papel da Amazônia no enfrentamento da emergência climática e o que se espera para o futuro da Terra. Rockström também fará um debate com Carlos Nobre, mediado por Loureço Bustani.