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Lixo e retalhos inspiram empreendedoras a criar roupas e acessórios para reduzir resíduos têxteis

Na economia circular, projetos brasileiros buscam a moda sustentável para amenizar impactos

17 nov 2025 - 05h00
Resumo
Empreendedoras e iniciativas no Brasil demonstram como a economia circular e a moda sustentável podem reduzir resíduos têxteis, promovendo reutilização criativa de materiais, capacitação profissional e modelos de negócio inovadores, destacando a importância de políticas públicas e conscientização ambiental para transformar a indústria têxtil.
Como empresa sustentável, a Alô Xique também aposta na economia circular
Como empresa sustentável, a Alô Xique também aposta na economia circular
Foto: Divulgação

Como alternativa sustentável para reduzir os resíduos têxteis, empreendedoras têm apostado na economia circular. É o caso de Flávia Souza, 54 anos, natural do Rio de Janeiro, uma das pioneiras na gestão de resíduos têxteis no Brasil. Há 18 anos, ela começou a trabalhar com os retalhos que sobraram da sua antiga marca de moda feminina, após o fechamento da empresa. Mas foi só em 2022 que o projeto Emendando Retalhos e a marca Alô Xique nasceu.

“Antes da pandemia, eu havia inaugurado uma loja em Copacabana só com produtos feitos de resíduos têxteis e, 18 dias, depois precisei fechar.” Durante o isolamento, ela encontrou uma nova forma de ensinar: “Passei quatro meses dentro de casa e, nesse período, montei meu primeiro curso online, ensinando a fabricar peças com retalhos.”

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Um levantamento da Rede One Planet, publicado neste mês, destaca a forte dependência de materiais sintéticos no mundo, com o poliéster respondendo por 59% da produção, e evidencia as limitações da reciclagem têxtil, apontando para a necessidade urgente de soluções mais sustentáveis e inovadoras no setor. Os dados mostram que a produção mundial de fibras cresceu de 125 milhões de toneladas em 2023 para 132 milhões em 2024, abrangendo desde roupas até itens têxteis para o lar.

A partir de maio deste ano, Flávia conquistou mais de 25 mil seguidores no Instagram ao criar conteúdo mostrando o descarte de tecidos no Brás e ensinar como abordar confecções.

“Só no Brás são descartadas cerca de 45 toneladas de resíduos têxteis por dia. Uma empresa consciente pode transformar esses resíduos em um novo negócio dentro da própria estrutura, fortalecendo a sustentabilidade na moda”, afirma.

Peças produzidas pela Chiclixous reaproveita materiais descartados
Foto: Divulgação / Divulgação

Retalhos e metais viram acessórios

Na produção de Bruna Sartini, 36, o reaproveitamento têxtil se junta à circularidade de metais abandonados na produção de novos acessórios. Em 2018, ela começou a recolher e ressignificar pedaços de placas, correntes e chaves encontrados nas ruas de São Paulo. Dessa prática, surgiu a Chiclixous, marca que nasceu do desejo de repensar o conceito de lixo e de refletir sobre como a moda pode atuar no debate urbano e ambiental.

A empreendedora acredita que criar sem considerar o impacto dos resíduos é um desperdício de potencial criativo.

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“A moda é uma via potente de comunicação e criatividade. Por que não usar esta capacidade para reinventar as coisas que já existem e não ao contrário?”, questiona.

Hoje, Bruna expõe acessórios como brincos, colares e pulseiras em feiras presenciais de São Paulo e em sua loja online. “As peças de metal já possuem um brilho e um peso interessante. Com o tempo, fui abrindo as possibilidades de uso do lixo plástico, borrachas e tecido com a aplicação de técnicas de costura, crochê e bordado”, conta.

Para ela, ser sustentável vai além de reaproveitar materiais. “Envolve a capacitação e remuneração justa aos que trabalham no processo, circularidade e estratégias que evitem o descarte dos resíduos gerados, pesquisa e trocas com pessoas engajadas na mesma causa", diz.

A Chiclixous é uma iniciativa de 2018 de Bruna Sartini
Foto: Divulgação

Mudança após tragédia

Durante uma pós-graduação sobre os impactos da indústria da moda, Julia Indig Teperman, 42 anos, de São Paulo, conheceu o caso do desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, tragédia que expôs condições de trabalho análogas à escravidão e matou mais de mil pessoas. O episódio marcou um antes e depois em sua trajetória e foi o ponto de partida para criar o Com.sentido, brechó localizado em Pinheiros, cuja proposta é gerar o mínimo de resíduos possível.

As embalagens dos acessórios são feitas com tecidos excedentes da indústria têxtil, e as sacolas são ecobags reutilizáveis. “Algumas peças são customizadas com botões antigos, o que as faz mais especiais e evita gerar resíduo”, conta Julia. Os mesmos materiais também ganham novos usos, transformando-se em colares, brincos e bolsas, e dando nova vida ao que seria descartado.

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De acordo com o Sebrae, o Brasil gera cerca de 170 mil toneladas de resíduos têxteis por ano, mas apenas 20% desse volume é reciclado. A consultoria S2F Partners estima que 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis sejam descartadas anualmente em todo o mundo, sendo aproximadamente 4,6 milhões provenientes do Brasil.

"Cenário futuro"

Cíntia Felix, especialista em moda sustentável e fundadora da marca AZ Marias, defende que o Brasil precisa de políticas públicas estruturadas para apoiar a moda circular, com incentivos financeiros, acesso a recursos e mercados, fortalecendo marcas e promovendo um ecossistema sustentável e inovador.

A especialista pontua que as pequenas empreendedoras se destacam na transformação da moda sustentável ao agir de forma ética e consciente, usando resíduos têxteis, treinando profissionais para combater práticas de exploração e considerando o impacto de longo prazo. “A sociedade também entende o papel e a beleza desse trabalho, que está falando de um cenário futuro”, afirma.

Cíntia Felix explica que, para o Brasil avançar rumo a uma indústria têxtil mais responsável, é preciso repensar toda a cadeia produtiva, desde a matéria-prima até a venda, com atenção especial aos pequenos produtores, que conseguem implementar mudanças mais rápidas e significativas.

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Ela também destaca a importância de políticas públicas e incentivos, e de aproveitar o potencial único do país.

“É aqui que está a maior floresta, que fornece carbono para o mundo. É aqui que estão as reservas ecológicas mais importantes. Temos, portanto, bastante substrato para nos transformar em uma indústria têxtil mais responsável, igualitária e sustentável”, diz.

Fonte: Futuro Vivo
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