Suplementação de vitaminas e ferro não é indicada para tratamento de depressão
ESPECIALISTAS EXPLICAM QUE DOENÇA TEM SINTOMAS DIFERENTES DE UMA SIMPLES FADIGA E NÃO É CAUSADA APENAS POR DEFICIÊNCIA NUTRICIONAL; TRATAMENTO DEVE SER FEITO COM ACOMPANHAMENTO MÉDICO
O que estão compartilhando: que muitas pessoas tratam depressão como algo "emocional", quando, na verdade, poderia ser consequência de alterações hormonais, inflamatórias e nutricionais. A postagem alega que vitaminas e ferro podem solucionar o problema, em vez de antidepressivos.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Especialistas consultados pelo Verifica indicam que a suplementação de vitamina e ferro não é adequada para tratar a depressão. Eles destacam que uma fadiga causada por eventuais complicações de saúde, como anemia, é diferente de um quadro depressivo, caracterizado, principalmente, pelo humor deprimido e pela perda de prazer.
De acordo com o Ministério da Saúde, a depressão é uma doença mental considerada um problema médico grave. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas ouvidos pela reportagem apontam que existem tratamentos eficazes para depressão, que incluem acompanhamento psicológico e uso de medicamentos.
O médico responsável pela publicação foi procurado, mas não respondeu até o encerramento desta checagem.
Saiba mais: em uma postagem no Instagram, um médico alega que, apesar de muita pessoas tratarem a depressão como algo "emocional", na verdade grande parte dos sintomas nasceria no próprio corpo a partir de alterações hormonais, inflamatórias e nutricionais.
No conteúdo verificado, ele afirma que o corpo dá sinais e que "exames simples" mostrariam isso. O médico diz que muitos pacientes seriam capazes de recuperar energia, foco e humor sem uso de antidepressivos, quando corrigem "vitaminas, hormônios e inflamação".
Especialistas consultados pelo Verifica, contudo, explicam que a depressão é um quadro clínico, e não é uma resposta a uma alteração hormonal ou nutricional.
Depressão é diferente de fadiga, explicam especialistas
De acordo com o médico Rodrigo Nicolato, presidente da Associação Mineira de Psiquiatria e professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para um paciente ser diagnosticado com depressão, é necessário que apresente humor deprimido e/ou um quadro de anedonia, caracterizada pela falta de prazer. "O paciente que tiver (apenas) cansaço, fadiga, ele não está necessariamente deprimido", explicou.
De forma semelhante, a médica Andrea Feijó de Mello, professora adjunta do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que a depressão é mais grave do que uma indisposição física ou um cansaço. Esses sintomas, sim, podem fazer com que o paciente procure um médico clínico geral.
Na depressão, os pacientes sentem uma tristeza constante sem um motivo específico, falta de prazer nas atividades que antes gostavam de fazer, dificuldade de raciocínio, dentre outros sintomas.
Essa distinção entre fadiga e depressão é reconhecida por órgãos internacionais, como a OMS. Segundo a organização, um episódio depressivo é "diferente das flutuações de humor regulares". Isso porque a depressão dura a maior parte do dia, quase todos os dias, por pelo menos duas semanas.
"Com esses sintomas muito mais intensos, você vai ter um diagnóstico de depressão e vai precisar de um tratamento mais dirigido", indicou Andrea.
"Depressões leves podem ser tratadas com psicoterapia, não especificamente precisa de medicação", explicou. "Mas de moderadas a graves vão precisar do medicamento. Em geral, a melhor resposta é o tratamento combinado, que é fazer psicoterapia e tomar a medicação".
Suplementação de ferro e vitaminas não trata depressão
Nicolato explica que não há como afirmar que a suplementação indicada na postagem melhore a depressão. O cenário é diferente, por exemplo, se um paciente estiver com anemia, condição caracterizada pela deficiência de ferro. É comum que, como consequência, a pessoa sinta desânimo e fadiga. Neste caso específico, a suplementação de ferro pode ocasionar uma melhora.
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"A depressão é um conjunto de sinais e sintomas que nós não temos a causa", disse o especialista. "Não podemos dizer que a causa da depressão está em questão hormonal ou nutricional", completou.
Segundo Andrea, existem casos em que, além de sintomas depressivos, o paciente pode ter outros fatores associados. Ela exemplifica alterações hormonais em mulheres, como as que passam pela fase gestacional, de puerpério e menopausa.
Andrea explica que são alterações mais significativas que, nesse momento, podem fazer com que a pessoa esteja predisposta a desencadear um episódio depressivo. Apesar disso, não há uma relação de causa e consequência.
"A gente estuda muito na medicina relações de coisas que acontecem simultaneamente, muito mais do que causam especificamente aquela doença. É diferente de você sofrer um acidente e quebrar um osso - aí a causa foi o acidente. Mas, na depressão, é muito mais complexo do que isso", informou.
Andrea explica, por exemplo, que não é possível afirmar que a deficiência em vitamina D cause depressão. "Você pode encontrar num indivíduo com depressão uma hipovitaminose (deficiência de vitamina), assim como você pode encontrar numa pessoa com câncer hipovitaminose. São coisas que estão associadas, mas não são relações causais", afirmou.
Médicos devem pedir exames de acordo com os sintomas do paciente
A postagem verificada indica que o paciente solicite variados exames médicos para avaliar vitaminas, ferro, hormônios e tireoide. Nicolato destaca, porém, que o rastreamento depende dos sintomas que o indivíduo apresenta. O médico afirma que "rastrear tudo seria inócuo".
Ele explica que, quando um paciente apresenta sintomas de um quadro depressivo, os profissionais devem observar se há doenças clínicas ou alterações no organismo que possam interferir.
Dessa forma, alterações relacionadas a outras condições, como anemia ou alterações de tireoide, devem ser levadas em conta em um eventual diagnóstico. Assim, é possível distinguir sintomas depressivos de uma fadiga, por exemplo, que pode ter outras causas.
Estigmatizar tratamento com antidepressivos atrapalha acesso a cuidados contra a depressão
A OMS afirma que um dos obstáculos que dificultam o acesso a cuidados eficazes à depressão é o estigma social associado aos transtornos mentais. Os médicos concordam que caracterizar o tratamento psiquiátrico medicamentoso como "vilão" é perigoso. Nicolato ressalta que os antidepressivos tratam sintomas por meio de "ferramentas comprovadas cientificamente".
Andrea avalia que falta uma compreensão de que a depressão é uma doença com componentes biológicos e alterações sistêmicas importantes. Ela afirma que a falta da medicação pode levar a um risco de perda de funcionalidade do indivíduo e, inclusive, agravar o quadro depressivo.
"Ninguém questiona que uma pessoa hipertensa precise tomar o anti-hipertensivo para não ter um AVC, mas todo mundo questiona que uma pessoa que esteja com depressão precise do antidepressivo", disse.
De acordo com o Ministério da Saúde, 90 a 95% dos pacientes apresentam remissão total com o tratamento antidepressivo. Segundo a pasta, a adesão ao tratamento é importante porque a interrupção ou uso inadequado do medicamento pode aumentar o risco de cronificação - ou seja, tornar a doença em algo persistente e de longa duração.