Bolsonaro réu, indiciado e em prisão domiciliar: relembre a cronologia por trás da situação do ex-presidente
Processos que envolvem Bolsonaro se interligam, permeando o julgamento pela trama golpista, articulações com o governo Trump, sanções e mais
A situação de Jair Bolsonaro é complexa. Em prisão domiciliar, o ex-presidente é réu e será julgado no início de setembro na ação penal que apura a trama golpista. Em paralelo, nesta quarta-feira, 20, ele e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, foram indiciados pela Polícia Federal por suspeita de tentar interferir no julgamento em questão em uma articulação com o governo Trump, dos Estados Unidos. E todo esse cenário ainda contou com aplicação da Lei Magnitsky a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e sanções econômicas ao Brasil. Há muita coisa em jogo. Relembre a cronologia desses acontecimentos, o que motivou o que, e entenda o que ainda está por vir.
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Trama golpista: Bolsonaro réu
Jair Bolsonaro é réu na Ação Penal 2668, que apura a trama golpista, na qual teria ocorrido uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, tendo como destaque o ato de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Ele é apontado como o líder da organização criminosa, principal articulador e o maior beneficiário do plano, que teria como intuito mantê-lo no poder. É a primeira vez que um ex-presidente se torna réu no Supremo por crimes contra a ordem democrática.
Ao todo, a ação conta com 31 réus que foram divididos em quatro núcleos. A Primeira Turma do STF decidiu, por unanimidade, tornar Jair Bolsonaro réu em março. Ele faz parte do primeiro núcleo, tido como o “núcleo crucial” da trama golpista, junto a outros sete réus.
Bolsonaro foi interrogado em junho por Alexandre de Moraes, o relator do caso. Em seu depoimento, com a garganta seca, respiração ofegante e diversos papéis sobre sua mesa – assim como um exemplar da Constituição Federal –, ele alegou ter jogado “dentro das quatro linhas”. Na ocasião ele também chamou apoiadores de AI5 de 'malucos', se referiu a 8 de janeiro como 'baderna' e pediu desculpas a Moraes por ter acusado ministros da Corte de receber “milhões de dólares” para fraudar as eleições.
As defesas dos oito réus do núcleo central entregaram suas alegações finais neste mês e todos negam as acusações. Agora, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) vai começar a julgar esse grupo no dia 2 de setembro.
Eles podem ser condenados, conforme pede a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado por violência ou grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Confira quem são os réus do núcleo crucial:
- Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil no governo de Bolsonaro, candidato a vice-presidente em 2022;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente;
- Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência);
- Almir Garnier, almirante de esquadra que comandou a Marinha no governo de Bolsonaro;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro;
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) de Bolsonaro; e
- Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro.
Coação: Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos
Bolsonaro se tornou réu pela ação penal da trama golpista em março. Cerca de dois meses depois, no dia 26 de maio, a pedido da Procuradoria-Geral da República, o STF abriu o Inquérito 4995 para investigar o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
E o que isso significa, exatamente? Eduardo Bolsonaro está nos Estados Unidos desde fevereiro. Lá, ele começou uma articulação para que o governo norte-americano, de Donald Trump, impusesse sanções a autoridades brasileiras – como ministros do STF, integrantes da PGR e da Polícia Federal – por considerar que seu pai se tornou alvo de perseguição política.
Como aponta o inquérito, as ações de Eduardo Bolsonaro tinham como objetivo atrapalhar o andamento da ação penal contra Jair Bolsonaro, que será julgado pela suspeita de golpe de Estado. Além disso, sua atuação foi caracterizada como um atentado à soberania nacional.
Tarifaço: Donald Trump entra no jogo
Enquanto seguiam os ritos da ação penal da trama golpista e, em paralelo, o inquérito contra Eduardo Bolsonaro, o republicano Donald Trump entrou no jogo. No dia 9 de julho ele anunciou a imposição de uma tarifa de 50% sobre as importações brasileiras em troca do fim da “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro.
A medida foi anunciada em carta direcionada ao presidente Lula publicada nas redes sociais do norte-americano, para passar a valer, conforme dito inicialmente, no dia 1º de agosto. O governo Lula não cedeu, defendeu a soberania do Brasil e seguiu articulando para reverter o que chamou de “chantagem inaceitável”.
O Supremo Tribunal Federal também foi atacado por Trump, acusado de ter emitido “centenas de ordens de censura secretas e ilegais às plataformas de mídia social dos EUA”, o que seria “um ataque aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos”.
A Corte, por sua vez, manteve a postura firme de que não aceitaria qualquer tipo de intervenção externa. Além de seguir normalmente com os ritos dos processos que envolvem diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, também não retrocedeu a discussão em torno da regulamentação das plataformas digitais na direção de uma maior responsabilização das empresas – impactando nas big techs, empresas importantes para o governo trumpista.
Aposta dobrada: Bolsonaro é alvo da PF e respostas do governo Trump
Donald Trump pressionou o Brasil, e as autoridades brasileiras dobraram a aposta. Se no dia 9 o republicano divulgou a carta anunciando a taxação ao Brasil, menos de duas semanas depois, no dia 18 de julho, Jair Bolsonaro foi alvo de uma operação da Polícia Federal – em torno do inquérito 4995, que investiga Eduardo Bolsonaro por coação.
Foi aí que Jair Bolsonaro se tornou parte ativa nesse processo, sendo visto como participante das movimentações de Eduardo Bolsonaro. Para o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, o ex-presidente confessou sua “consciente e voluntária atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira" ao condicionar o fim da taxação de 50% imposta por Trump ao Brasil à sua própria anistia. Também pesou o fato de Bolsonaro ter repassado R$ 2 milhões, como ele mesmo declarou, ao seu filho, nos EUA, para auxiliar em sua permanência por lá.
Na decisão de Moraes, Jair Bolsonaro passou a estar sob medidas restritivas. Ele começou a usar tornozeleira eletrônica, ficou proibido de acessar redes sociais, passou a ter que ficar em recolhimento domiciliar das 19 horas às 6 horas de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriado, e esteve proibido de se comunicar com embaixadores e autoridades estrangeiras e de aproximar de sedes de embaixadas e consulados.
Além disso, ele foi alvo de dois mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal – quando apreenderam seu celular. Na ocasião, a defesa de Bolsonaro afirmou ter recebido “com surpresa e indignação a imposição de medidas cautelares severas contra ele", que estaria cumprindo "todas as determinações do Poder Judiciário”.
No mesmo dia em que Bolsonaro se tornou alvo da ação da Polícia Federal, o governo Trump determinou a revogação dos vistos americanos do ministro Alexandre de Moraes, de seus familiares e de seus "aliados na corte". Em paralelo, seguiu emergente o apelo de bolsonaristas pela aplicação da Lei Magnitsky – a “morte financeira” – a Moraes, o que veio a se concretizar dias depois.
Moraes chegou a avaliar que o ex-presidente descumpriu as medidas ao ter concedido entrevistas que foram veiculadas nas redes sociais de terceiro e pediu explicações à sua defesa. A defesa negou o cumprimento. No fim, no dia 23 de julho, o ministro se posicionou dizendo não ter dúvidas da violação, mas decidiu não pedir pela prisão preventiva de Bolsonaro por ter sido um episódio pontual.
Em paralelo, no dia 30 de julho, os Estados Unidos sancionaram Alexandre de Moraes com a Lei Magnitsky – medida que permite que os EUA imponham uma série de sanções econômicas e proibição de entrada no país a acusados de grave corrupção ou violações de Direitos Humanos. No mesmo dia, Donald Trump assinou uma Ordem Executiva implementando a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, com uma lista de exceções com 694 itens, e definindo que a medida passaria a valer a partir de 6 de agosto – como ocorreu.
Desde então, a aplicação da sanção contra Moraes tem sido alvo de articulações no Brasil em busca de blindar o ministro. O ministro Flávio Dino, por exemplo, decidiu nesta segunda-feira, 18, que decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante homologação ou por meio de mecanismos de cooperação internacional.
‘Justiça é cega mas não é tola’: Bolsonaro em prisão domiciliar
A situação de Jair Bolsonaro se agravou no dia 4 de agosto, quando Moraes decretou sua prisão domiciliar após um segundo descumprimento das medidas cautelares. No caso, o ex-presidente estava – e segue estando – proibido de ter acesso às redes sociais, mesmo que por meio de terceiros. E um dia antes, no dia 3 de agosto, ele apareceu em vídeo publicado nas redes sociais do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), seu filho, durante manifestações bolsonaristas pelo Brasil. Flávio postou e apagou o conteúdo em seguida.
Na decisão pela prisão, com letras maiúsculas, Moraes repetiu o bordão adotado em decisões relativas ao ex-presidente: "Como diversas vezes salientei na presidência do TSE, a JUSTIÇA É CEGA MAIS (sic) NÃO É TOLA". Segundo o ministro, a "Justiça não permitirá que um réu a faça de tola, achando que ficará impune por ter poder político e econômico."
Bolsonaro segue em prisão domiciliar desde então, ainda com o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição do uso de aparelhos celulares. Nas últimas semanas, familiares e alguns aliados do ex-presidente foram autorizados a visitá-lo. Além disso, ele teve crises de soluço e passou por atendimento médico.
Conclusão do inquérito: PF indicia Jair Bolsonaro e Eduardo
A última movimentação foi a conclusão das investigações da Polícia Federal em torno do inquérito 4995 nesta quarta-feira, 20, que apontou que as ações do deputado Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, com o apoio do ex-presidente, tiveram como objetivo pressionar o Supremo a desistir da ação penal da trama golpista.
Ambos foram indiciados pelos crimes de coação no curso do processo e abolição do Estado Democrático de Direito – por as articulações terem como alvo instituições democráticas brasileiras.
O pastor Silas Malafaia, dono da igreja evangélica Assembleia de Deus Vitória em Cristo (Advec), foi destacado como participante dos crimes neste relatório. Por esse envolvimento, ele foi alvo de mandado de busca e apreensão na mesma quarta-feira, e teve aparelhos celulares apreendidos. Também foram executadas medidas cautelares, como a proibição de deixar o país e manter contato com outros investigados.
Segundo Moraes, Malafaia atuou na construção de uma “campanha criminosa orquestrada, destinada à criação, produção e divulgação de ataques a Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no contexto de milícias digitais”.
O relatório final da PF expôs uma série de troca de mensagens contidas no celular do ex-presidente, revelando uma série de conflitos e articulações entre os envolvidos. Como foi o caso de uma discussão acalorada de Eduardo Bolsonaro com o pai por conta do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas e xingamentos de Malafaia a Eduardo.
Por conta do que foi levantado, Moraes deu até a noite de sexta-feira, 22, para que Bolsonaro preste esclarecimentos para a PF sobre: “reiterados descumprimentos das medidas cautelares impostas; da reiteração das condutas ilícitas; e da existência de comprovado risco de fuga". Nos arquivos do ex-presidente também foi encontrado um documento escrito em primeira pessoa de pedido de asilo político, em regime de urgência, ao atual presidente argentino Javier Milei.
Após o depoimento de Bolsonaro, a PGR deve se manifestar, podendo oferecer denúncia, pedir novas diligências ou arquivar o caso. O julgamento cabe ao Supremo – e caso a denúncia seja aceita, Jair Bolsonaro e Eduardo podem se tornar réus. Se esse for o caso, essa se tornaria uma nova ação penal para o ex-presidente.


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