Negras para a cama e brancas para casar: homem mata mulher por não querer filho negro
Gostar, hiperssexualizar e fetichizar pessoas negras não faz de você menos racista
O caso ocorreu em 26 de maio de 2022 em Manaus (AM). O acusado, identificado como Victor de Souza Rocha, de 21 anos, matou a jovem negra Karine Sevalho Lima, de 19 anos. Antes de assassinar a vítima de forma cruel, o suspeito tentou convencê-la a fazer um aborto e a justificativa dele para querer a interrupção da gravidez, e também para matá-la, era a de que ele não gostaria de ter uma criança negra como filho(a). Rocha foi preso e irá responder por homicídio qualificado, e deve ser indiciado pelo crime de racismo.
Gilberto Freyre, há muitos anos, já falava sobre a frase “Mulheres brancas são para casar; mulatas, para fornicar e negras pra trabalhar”. Ele escreveu isso em um contexto onde a escravidão no Brasil ainda ocorria de maneira legal. Contudo, notícias como esta mostram que esse modo operante segue vivo no imaginário coletivo da nossa sociedade. Nem sempre chegando ao extremo de matar a mulher, mas se negando a colocar seu nome na certidão de nascimento da criança, sendo um pai totalmente ausente na vida do filho, insistindo para a mulher abortar, entre outras posturas que, talvez, caso a mãe da criança fosse uma mulher branca a história fosse diferente.
Dificilmente um homem irá verbalizar dessa forma aos quatro cantos tal qual esse criminoso, porém é muito fácil compreender de onde vem esse tipo de pensamento. Ser negro no Brasil sempre foi algo pejorativo. Quantas pessoas vocês não conhecem que chamam uma pessoa negra de 'morena' para não ofender? Quantas vezes pessoas pretas foram chamadas de 'cor de jambo' por pessoas que gostam dela porque no consenso social ser preto é algo ruim? Quantos de nós foram ensinados a odiar nosso cabelo, traços e nossa cultura? Não estou querendo isentar o assassino de culpa não, viu? Estou mostrando que o negro é odiado dentro de uma sociedade racista e esse ódio fomenta diversos tipos de agressão.
Algumas agressões são até mesmo imperceptíveis para muitos, como por exemplo a hiperssexualização sobre o tamanho do falo de pessoas negras ou achar que mulheres negras são mais sensuais e que toda pessoa negra tem muito "fogo". Convido vocês a refletirem de onde vem a expressão "da cor do pecado". Dentro de um país historicamente cristão como o nosso, onde sabemos que mulheres negras eram violentadas por seus donos, seria estranho imaginar que ao confessar seus pecados aos padres era dessa maneira que eles se referiam às mulheres?
Digo isso sobretudo para evidenciar que ter desejo por pessoas negras não faz de ninguém menos racista. Saindo do campo de sexualidade, amar uma pessoa negra não impede que você seja racista com ela e ainda que você não seja racista com essa pessoa negra que te ama, não é um fator determinante para dizer que não é racista, já que ser racista não corresponde a como você age com uma pessoa, mas, sim, com o todo. Com isso quero dizer que não ser racista com quem você ama, não te impede de ser racista com as outras pessoas negras.
É interessante analisar como o racismo traz requintes de crueldade para violência de gênero. O feminicídio em questão ocorreu pelo atravessamento racial e ainda há quem mitigue a questão de raça e ache que existe opressão mais urgente do que outra. Fato é que, muito provavelmente, esse crime em específico não teria ocorrido caso a cor de pele da vítima fosse outra. Não à toa que, segundo a Anistia Internacional, mais de 60% dos feminicídios no Brasil tiveram como alvo mulheres negras. Enquanto a sociedade não se esforçar para compreender que a cor da pele potencializa violências sofridas por pessoas negras, como esta, ainda que não virem notícia, continuarão ocorrendo.