Paraplégico desde os 2 anos, empresário trocou sonho de ser médico para criar grupo farmacêutico
Nascido no interior do Paraná, Evandro Tokarski viveu uma "odisseia", foi atleta paralímpico e fundou a Farmácia Artesanal
Evandro Tokarski aprendeu muito cedo que o corpo pode impor limites, mas não define o lugar de alguém no mundo. Aos dois anos e nove meses, em 1958, ele deixou de andar após contrair poliomielite, quando a vacina ainda não existia no Brasil. A paralisia atingiu os membros inferiores e mudou definitivamente sua relação com o movimento e o ensinou o poder do cuidado.
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Natural de Barbosa Ferraz, no interior do Paraná, Evandro cresceu em uma família grande, como o sexto entre onze irmãos. Dentro de casa, todos os filhos eram ensinados sobre a importância da educação. "Meus pais sempre desejaram que os seus filhos pudessem estudar. Eles não tiveram a oportunidade de fazê-lo". A mãe, dona Almerinda, com apenas o segundo ano primário, era firme e afetuosa: "Imagina uma mãe com 11 filhos. Ela era super enérgica e tratava de colocar todo mundo no caminho", contou entre risadas ao Terra.
Foi ela também quem ensinou Evandro que, independentemente das dificuldades de mobilidade, ele não era frágil. Almerinda, recusava qualquer tentativa de piedade. "Ele só não anda. Mas não é um coitadinho", repetia sempre que alguém se aproximava com compaixão excessiva. Carregado no colo para todos os lugares, ele cresceu com o senso de pertencimento. "Nunca me vi como menor ou maior, muito pelo contrário".
No Paraná, Evandro percorria quatro quilômetros a cavalo para estudar. "Chegava na escola, a professora me descia do cavalo. Me punha, eu andava com muletinha". Além da escola, dos passeios com a mãe e a rotina dentro de casa, Evandro teve logo cedo um contato frequente com enfermeiros, técnicos e médicos. O convívio plantou cedo um sonho.
"Já com 11, 12, 13 anos, eu tinha o desejo de ser um profissional da área de saúde. [...] Era aquilo que eles faziam por mim, e eu falei, nossa, se eu vou ser um profissional de saúde, eu vou fazer pelos outros".
Inicialmente, pensou em ser médico, mas a mobilidade o impediu. Então, redirecionou para a farmácia. Formou-se no curso na Universidade Federal de Goiás, para onde a família tinha se mudado. Depois de alguns estágios, encontrou na manipulação uma forma de cuidado individualizado. "O medicamento industrializado ele tem uma especificação infantil e outra adulta. Só que tem um detalhe, tem especificidades, o peso, a idade... São características que contribuem para um melhor ou não de um tratamento."
Em 1981, fundou em Goiânia a Farmácia Artesanal, então uma pequena empresa que cresceria com ética e atenção às pessoas. Hoje, são mais de 130 franquias em 11 Estados e cerca de 1.500 colaboradores diretos.
Mas o caminho até ali foi cheio de barreiras, especialmente as invisíveis. "Os obstáculos maiores que eu enfrentei, de fato, foi o ir e vir". Em segundo lugar, a visão de que, ao ter uma deficiência, deveria ser evitado pelos demais. "Uma pessoa que está numa cadeira de rodas não está doente. Não é uma pessoa doente."
Atleta paralímpico
Se já tinha construído seu senso de ser e viver com base em dois pilares, sua família e na saúde, foi no esporte que Evandro encontrou outra grande escola. Em 1981, ano internacional da pessoa com deficiência, entrou por acaso no basquete em cadeira de rodas.
"Na época, criou-se, aqui em Goiás, uma Associação das Deficiências. Foi aí que juntou um professor que foi técnico de basquete. Juntou quatro, cinco cadeirantes, colocou numa quadra e começou a dar alguns treinamentos. Eu nem sabia se a bola era retangular, se era redonda"
Vieram derrotas duras, jogos perdidos por 70 a 0, mas também a persistência. O time se tornou base da Seleção Brasileira e, em 1988, ele representou o País nas Paralimpíadas de Seul. "Foi uma medalha de ouro só a participação", diz.
Pela primeira vez, viajou para o exterior. Pela primeira vez, esteve dentro de uma vila olímpica e, pela primeira vez, se viu entre iguais --atletas de alto rendimento e, em segundo plano, com deficiência. A experiência não só abriu o mundo para Evandro, como também moldou seu estilo de liderança.
"Ninguém ganha jogo sozinho, ninguém faz nada sozinho". No esporte e na empresa, a lógica é a mesma: equipe, disciplina e harmonia. "Se hoje chegamos a cerca de 130 pontos, 11 Estados, mais de 1500 colaboradores, ninguém construiu isso sozinho". Essa visão se traduz também em números e escolhas. Hoje, 68% da diretoria do grupo é formada por mulheres, e cerca de 15% dos colaboradores são LGBTQIA+.
"Eu acho que isso é exemplo para outras empresas que fecham os olhos para um grupo de pessoas tão importantes e tão produtivas e que tem lá uma competência enorme e às vezes as portas se fecham por conta de uma questão A, B, C, ou Z. Isso é cuidar das pessoas."
Hoje, aos 70 anos, ele olha para trás e, impulsionado pelos filhos, transforma a história no livro Liderar é Cuidar -- a inspiradora história do homem que fundou um dos maiores grupos farmacêuticos do Brasil, lançado em 2025. Ele mesmo descreve os 70 anos de vida como uma "odisseia".