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Calote da VirtusPay: CEO conta erros e lições aprendidas após quase quebrar

Segundo Gustavo Câmara, empresa volta a operar em quatro semanas, mas agora sem contar com o limite do cartão de crédito de pessoas físicas

4 ago 2022 - 06h07
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"O povo brasileiro é bom pagador… e do bem", disse Gustavo Câmara, sócio e presidente da VirtusPay, já no fim da entrevista realizada na sexta-feira, no Urbanity Coffee, um café discreto na Chácara Santo Antônio, em São Paulo. Ele referia-se à parte dos clientes da fintech, consumidores de classes C e D sem histórico, nem limite para compras no cartão de crédito. A VirtusPay basicamente financia os boletos dessas pessoas e tem uma grande ambição de continuar avançando no que chama de "democratização do crédito". Por isso, sua análise sobre o consumidor mais impactado pelo cenário econômico difícil.

O problema é que a outra perna de sua clientela, pessoas que "emprestavam" limites de cartões de crédito para a empresa financiar os sem crédito, acreditaram por quase um mês que a VirtusPay não era boa pagadora… e nem do bem.

Isso porque a empresa, que quitava os empréstimos dos limites dos cartões um dia antes do vencimento, deixou de fazê-lo no fim de junho, como mostrou o Estadão/Broadcast em primeira mão. Também não cumpriu o prazo no qual prometera fazer esses pagamentos. Alguns clientes tinham cedido mais de R$ 600 mil em limites e pelo menos um usara 28 cartões de crédito, apesar de só ser permitido o cadastramento de quatro cartões.

Gustavo Câmara, um dos fundadores da 99, comanda a VirtusPay Foto: VirtusPay/Divulgação

Com o calote, cerca de 5 mil clientes da VirtusPay começaram a correr atrás de bancos, advogados e cartões, tentando suspender as transações e conseguir indenizações. Foram noites sem dormir e milhares de mensagens em grupos de WhatsApp e Telegram. Algumas delas, bastante ameaçadoras a Câmara, seus sócios e familiares.

Até que, na noite de 24 de julho, como mostrou o Estadão/Broadcast, as contas começaram a ser pagas e as parcelas a vencer, suspensas. Câmara e seus sócios, conhecidos no mercado por outros empreendimentos e trajetórias profissionais respeitadas, mostraram que também eram bons pagadores, apesar do percalço.

Hoje, a maior parte das pendências foi acertada. "É claro que não ficamos felizes, nem tivemos a intenção (de atrasar os pagamentos)", afirmou. "Mas, por outro lado, passar pelo que a gente passou, sem nos esconder e assumindo as falhas, significa que saímos com mais maturidade para levar adiante o que construímos e que mantém seu valor."

As várias causas da quase quebra

Como seus clientes, Câmara e os sócios passaram noites em claro - só que por muito mais tempo. No fim do ano passado, o time começou a perceber que a busca pelo investidor que daria suporte ao crescimento rápido da operação seria muito mais difícil do que pensavam, inclusive o banco de investimentos que os procurara.

"Falávamos de uma rodada (de captação) de US$ 50 milhões, que passou para US$ 25 milhões, depois US$ 20 milhões, depois US$ 10 milhões", afirmou Câmara, se encolhendo na cadeira do café, enquanto sorria triste, frente ao inevitável.

O problema não era com a fintech, mas com a economia global: com a inflação subindo em todo o mundo, os investidores calcularam que os bancos centrais aumentariam os juros e haveria oportunidades mais atraentes e menos arriscadas para colocar o dinheiro. De maneira geral, as startups despencaram em termos de valor de mercado e as fontes de recurso secaram totalmente.

Até então, a VirtusPay rodava com um aporte de R$ 6 milhões feito pela Vox Capital e pela Kviv, da família Klein, em 2019. Saíram de R$ 1 milhão de empréstimos para R$ 10 milhões, entre 2019 e 2020. Poderia partir para uma segunda rodada de captação, mas os sócios entenderam que, como cresciam forte, se conseguissem ter um histórico mais longo, o valor da empresa - e seus ganhos - seriam bem maiores.

Resolveram então emitir R$ 100 milhões em debêntures (títulos de dívida), como uma espécie de garantia para os limites de cartões "comprados" das pessoas físicas. Conforme o crédito dos cartões entrava na empresa e era transformado em certificados de depósito bancário, os investidores das debêntures liberavam recursos equivalentes. "A VirtusPay trocava o passivo do cartão, de curto prazo, por uma debênture que só teria de começar a pagar em dois ou três anos", disse Câmara.

O problema é que, com a piora das condições econômicas e das perspectivas para startups, alguns investidores das debêntures começaram a segurar os repasses. Sem a alternativa, a empresa anteviu que ficaria sem dinheiro e partiu para negociar uma suspensão do uso dos créditos dos cartões com a cadeia de pagamentos.

Só que a missão não era simples. O sistema de cartões de crédito envolve os bancos emissores (que dão o crédito ao portador e que corre o risco em caso de inadimplência), as bandeiras dos cartões, os adquirentes (donos das maquininhas e que fazem a liquidação financeira), os subadquirentes (que ajudam a atender um mercado altamente pulverizado), além dos donos dos cartões. Câmara e seus sócios foram atrás de cada um deles para suspender as parcelas futuras, mas evitar que as já pagas não fossem também estornadas. Só que todo o processo levou mais tempo do que o previsto e as operações da empresa tiveram de ser praticamente suspensas.

"Poderíamos ter rodado por mais um tempo, mas precisávamos parar", disse. "O difícil na decisão sobre a hora de tirar a operação da tomada é ter maturidade para entender que talvez a rodada de equity (com a entrada de recursos de novos acionistas) ou de troca de debenturista talvez não saia e é preciso agir", afirmou.

A decisão foi tomada com gestão de controles e riscos. "A empresa sempre teve contabilidade, é auditada e tem dimensionamento de risco mas, como toda startup, estava mais voltada ao crescimento do que à rentabilidade", disse ele. "A situação poderia ter dado certo ou poderia acontecer o que aconteceu, de uma dificuldade de liquidez que foi resolvida."

Plano de crescer continua

Um dos cofundadores da 99, vendida à chinesa Didi, Câmara tem 40 anos de idade e veia empreendedora desde que era criança e vendia aos colegas gibis doados. Para ele e os sócios, a VirtusPay continuará sendo uma das melhores alternativas disponíveis no mercado brasileiro para o chamado "buy now, pay later", o BNPL, uma tendência que cresce forte no exterior.

"Construímos uma baita máquina para atender à população de menor renda", afirmou. "Por cinco anos, desenvolvemos capacidade preditiva para risco de crédito (já que esse consumidor não é conhecido pelos birôs), temos uma base grande de clientes, todo o relacionamento com a indústria de pagamentos e passamos por uma readequação de tamanho que nos coloca numa nova página."

São 100 mil clientes ativos, o aplicativo foi baixado 5 milhões de vezes e, este ano, foram feitos R$ 75 milhões em parcelamentos de crédito. No período em que ficou sem operar, diz ele, a VirtusPay poderia ter originado R$ 7 milhões em empréstimos a investimento zero.

Segundo Câmara, em cerca de quatro semanas a empresa voltará a operar. A principal novidade é que os recursos usados para os parcelamentos não virão mais dos limites de cartões de crédito de pessoas físicas, mas sim por tradicionais fundos de direito creditório ou mesmo debêntures.

"Usamos a estrutura de funding com os cartões porque precisávamos de track record das operações, mas não conseguiríamos recursos de maneira tradicional no início", afirmou. "Agora que já temos cinco anos de operações e resultados, podemos apelar a estruturas menos heterodoxas."

Além dessa busca por investidores e das inovações tecnológicas, nos planos de Câmara está a ida ao varejo tradicional e a ampliação da oferta do produto no pequeno e médio comércio eletrônico. Bem como a tentativa de convencer um eventual investidor que cobrar 6% de juros ao mês das classes baixas é um bom negócio.

A capacidade de virar a página, mesmo logo após ter passado por uma situação tão difícil, é típica do comportamento empreendedor, segundo Rubens Massa, professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV. "O viés cognitivo mais comum do empreendedor é o excesso de otimismo, que tanto o ajuda a concretizar ideias que outras pessoas não realizam, quanto o prejudica quando ele se apaixona e não sabe a hora de parar", afirmou Massa, que tem PhD em comportamento do empreendedor.

Disruptivas, fintechs atuam no limite da lei

Apesar de Câmara dizer que contou com a colaboração de todos os envolvidos na hora de resolver as dificuldades da VirtusPay, o Estadão/Broadcast entrevistou e publicou algumas reportagens durante o período mais crítico da crise, que indicavam que a fintech e as pessoas físicas estariam sozinhas, no caso de uma quebra.

Segundo ele, o modelo de financiamento via limite de cartões passou por grandes escritórios de advocacia, inclusive em contestações na hora de desenhar o modelo de negócios. Porém, teria havido uma falha de regulação, caso a empresa não tivesse honrado os pagamentos? A quem recorreriam as pessoas físicas numa eventual quebra?

Para Tarsila Machado Alves, sócia do VRMA Advogados e especialista em fintechs, o Banco Central tem mecanismos e age de maneira ativa para que a inovação possa acontecer no setor, sem que haja o comprometimento do sistema financeiro. "As fintechs de meios de pagamento têm regras mais brandas, mas os volumes envolvidos são menores", disse ela. "Não se pode dizer que houve exatamente uma falha."

Luciano Buratto, sócio do Buratto Sociedade de Advogados, afirmou que como a natureza das startups é criar um novo modelo de negócios ou aprimorar um já existente, ela anda por vias não regulamentadas. "Se for necessário colocar a necessidade de regulamentação antes de cada modelo de negócios para proteger o interesse das pessoas e da sociedade, as inovações e modelos não validados serão paralisados", disse.

Estadão
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