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Descoberta arqueológica aponta que humanos dominaram fogo 350 mil anos antes do que se pensava

Em um sítio arqueológico no leste da Inglaterra, cientistas encontraram evidências de que seres humanos já sabiam acender fogueiras há 400 mil anos, muito antes do que se acreditava até agora.

11 dez 2025 - 15h56
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Duas mãos fazendo fogo com uma pedra
Duas mãos fazendo fogo com uma pedra
Foto: BBC News Brasil

Uma descoberta surpreendente em um sítio arqueológico no Reino Unido está redefinindo a época em que os seres humanos aprenderam a fazer fogo.

Pesquisadores encontraram o primeiro caso conhecido de fogo criado por humanos, no leste da Inglaterra, 400 mil anos atrás.

A nova descoberta, onde hoje fica a aldeia de Barnham, antecipa a época de origem do fogo humano em mais de 350 mil anos, muito antes do que se pensava até então.

A capacidade de criar fogo mudou tudo na evolução humana. Nossos ancestrais passaram a ter calor à vontade, permitindo que eles cozinhassem e comessem carne, o que aumentou o tamanho do nosso cérebro.

Com isso, os humanos deixaram de ser um grupo de animais lutando apenas para sobreviver. Passamos a ter tempo de pensar e inventar, o que fez de nós a espécie avançada que somos hoje.

A equipe de arqueólogos afirma ter encontrado terra cozida ao lado do primeiro isqueiro da Idade da Pedra. Ele consiste de uma pedra de sílex que era esfregada contra uma rocha chamada pirita, também conhecida como "ouro dos tolos" para criar faíscas.

A BBC News teve acesso exclusivo ao sítio pré-histórico.

A descoberta ocorreu no sítio arqueológico de Barnham, no leste da Inglaterra
A descoberta ocorreu no sítio arqueológico de Barnham, no leste da Inglaterra
Foto: Museu Britânico / BBC News Brasil

Sob a copa das árvores da floresta de Barnham, fica um tesouro arqueológico, enterrado a poucos metros de profundidade. Ele data do início da pré-história humana.

Em volta da clareira, os galhos verdes emaranhados das árvores emolduram a cena como se fosse uma cortina. A própria floresta parece estar revelando lentamente um capítulo do seu passado, enterrado há muito tempo.

O professor Nick Ashton, do Museu Britânico, nos conduz pelas árvores e começamos a observar sua história impressionante.

"Foi aqui que aconteceu", ele conta, em tom de reverência.

Descemos até um chão empoeirado, escavado em degraus de terra batida e areia clara.

Aquele era o local de uma antiga fogueira, no coração de uma "prefeitura" pré-histórica. Em torno dela, pessoas do início da Idade da Pedra se reuniam, centenas de milhares de anos atrás.

Foram encontrados artefatos espalhados pelo sítio arqueológico
Foram encontrados artefatos espalhados pelo sítio arqueológico
Foto: Museu Britânico / BBC News Brasil

"É possível imaginar os primeiros humanos se reunindo em volta do braseiro central, dando início ao desenvolvimento do início da linguagem", ele conta.

Impressionado pela enormidade do que teria sido um momento fundamental da evolução humana, ocorrido naquele mesmo local, sussurro para mim mesmo e para o professor Ashton: "Este lugar é incrível... incrível."

"Sim", responde o professor.

Olho para ele e vejo que é a sua vez de ficar com os olhos vidrados e se perder nos seus pensamentos, revivendo sua primeira percepção da enorme importância arqueológica da descoberta.

"Realmente extraordinário... muito especial."

Os arqueólogos retiram lentamente as camadas de terra com ferramentas manuais
Os arqueólogos retiram lentamente as camadas de terra com ferramentas manuais
Foto: Museu Britânico / BBC News Brasil

O sítio paleolítico de East Farm Barnham fica em uma fossa de argila abandonada, oculta em uma área florestal de Suffolk, no leste da Inglaterra.

Escavações anteriores revelaram que antigos humanos visitaram o local, deixando para trás inúmeros artefatos de pedra.

Ashton me mostra um desses artefatos. "Você pode ver onde pequenos pedaços de rocha se soltaram, devido ao calor", mostra ele.

Sua equipe vem escavando depósitos de um período de clima mais quente, no final da última e mais severa era do gelo das ilhas britânicas. Eles estão enterrados em um campo de argila, que fica em um canal cortado por uma geleira no leito calcário, centenas de milhares de anos atrás.

O arqueólogo Rob Davis, também do Museu Britânico e colega do professor Ashton, se aproxima e mostra a descoberta que definiu a questão: fragmentos de um mineral que mudou o mundo para sempre.

A pirita, também conhecida como ouro dos tolos, provocou, literal e figurativamente, a faísca que deu origem a uma nova era de ouro da iluminação humana.

Pedaço de pirita encontrado no sítio arqueológico
Pedaço de pirita encontrado no sítio arqueológico
Foto: Museu Britânico / BBC News Brasil

O 'momento fundamental' da descoberta

Davis mostra como surgem as faíscas quando a pirita é atingida por um machado de pedra. É o suficiente para criar fogo, quando atinge combustível seco.

Aquele é o primeiro isqueiro conhecido. A tecnologia é simples, mas transformou completamente o curso da humanidade.

"Aquele realmente foi um momento fundamental", explica David. "Foi ali que começamos a juntar as peças."

A equipe realizou estudos geológicos, que revelaram como a pirita é rara neste terreno. Os antigos humanos percorreram grandes distâncias para encontrar o ouro dos tolos, que, para eles, era o mineral mais precioso do mundo.

"A relação entre a pirita e aquele braseiro, os artefatos queimados. Foi ali que tudo se encaixou", conta Davis, alegremente. Nada de ficar com os olhos marejados por ele, apenas pura alegria.

A equipe do Museu Britânico encontrou três indicações fundamentais nesta história de detetive científica, todas no mesmo lugar: o fogo, machados manuais aquecidos e pirita que não pertencia àquele lugar.

Esta foi a primeira evidência convincente de que o fogo foi criado deliberadamente tanto tempo atrás, segundo Davis.

"Isso é importante. Isso muda tudo." Seu enorme sorriso fica ainda maior.

O isqueiro de pedra e pirita foi uma invenção revolucionária para os nossos ancestrais. Ele gerou uma série de avanços físicos e sociais, permitindo que eles se aquecessem e passassem a cozinhar como parte da sua rotina diária.
O isqueiro de pedra e pirita foi uma invenção revolucionária para os nossos ancestrais. Ele gerou uma série de avanços físicos e sociais, permitindo que eles se aquecessem e passassem a cozinhar como parte da sua rotina diária.
Foto: Jodi Lai / BBC News Brasil

Foram encontrados outros artefatos de pedra no local. E alguns deles são de grande interesse.

Cerca de 75% dos artefatos em uma região do sítio arqueológico mostram sinais de intenso aquecimento, como rachaduras, coloração vermelha e formato espiralado. São indícios de exposição repetida ao fogo.

Muitas das pedras moldadas encontradas no sítio arqueológico foram danificadas pelo calor e destruídas.

Os arqueólogos passaram dias montando os diferentes fragmentos. Cada um deles recebeu um número de catalogação.

Mas a descoberta de machados manuais danificados pelo calor ao lado de pirita, por si só, não seria suficiente para comprovar que os seres humanos faziam fogo naquele local.

Os arqueólogos precisavam de evidências de uma fogueira que tenha queimado por horas e se apagado centenas de milhares de anos atrás.

E o incrível é que, em um canto de uma cova do local, o professor Ashton encontrou exatamente o que procurava, enquanto se afastava da fossa principal para se sentar à sombra de uma árvore.

Arqueólogos escavam em um sítio arqueológico na Inglaterra
Arqueólogos escavam em um sítio arqueológico na Inglaterra
Foto: BBC News Brasil

"Esta é a região onde descobrimos o sedimento aquecido", explica ele. "Podemos dizer que é aquecido porque, normalmente, a argila é amarela-alaranjada e esta é claramente vermelha."

Ashton aponta para a evidência fundamental: uma fina camada de argila, uma única camada entre muitas, na parede de uma das covas.

Estas são camadas antigas de argila. Quanto mais fundas, mais antigas elas são.
Estas são camadas antigas de argila. Quanto mais fundas, mais antigas elas são.
Foto: BBC News Brasil
Esta camada veda o lodo arenoso amarelo em relação aos sedimentos do tanque abaixo, que contêm os restos de moluscos, pequenos vertebrados e pólen.
Esta camada veda o lodo arenoso amarelo em relação aos sedimentos do tanque abaixo, que contêm os restos de moluscos, pequenos vertebrados e pólen.
Foto: BBC News Brasil
Mas esta é a camada importante. É a mesma argila marrom-amarelada de baixo, mas com coloração um pouco mais avermelhada
Mas esta é a camada importante. É a mesma argila marrom-amarelada de baixo, mas com coloração um pouco mais avermelhada
Foto: BBC News Brasil

A cor vermelha vem da hematita, um mineral que se forma com o aquecimento de sedimentos ricos em ferro.

A análise demonstra que a camada foi exposta a vários surtos de calor intenso, de pouca duração. Eles são consistentes com pequenas fogueiras acendidas repetidamente no mesmo ponto, não com incêndios florestais naturais.

Por isso, ela parece um sulco escavado no calcário por uma geleira, cheio de água, que se tornou um tanque.

Ao longo do tempo, o tanque foi lentamente preenchido com sedimentos e, talvez milhares de anos depois, quando o tanque estava secando, o solo antigo que permaneceu no seu lugar se tornou o chão onde os seres humanos prepararam e acenderam suas fogueiras.

Por que é importante?

O fogo existe na Terra desde que o oxigênio surgiu na atmosfera do planeta, há mais de 400 milhões de anos.

Existem evidências de que os primeiros humanos aprenderam a capturar, manter e usar fogueiras naturais até dois milhões de anos atrás. Mas a capacidade de criar fogo foi o desenvolvimento fundamental para acelerar nossa evolução, segundo o professor Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres.

"Ter algo que pudesse fornecer fogo instantaneamente quando e onde fosse necessário era fundamental para as pessoas que se mudaram para locais como as ilhas britânicas 400 mil anos atrás", explica ele.

"O fogo os tornou mais adaptáveis, multiplicou a quantidade de ambientes onde eles poderiam sobreviver e ajudou a catalisar a evolução da complexidade social, o crescimento do cérebro e, provavelmente, a própria linguagem."

Stringer destaca ainda que a criação de fogo foi um dos principais fatores que levaram a um ciclo evolutivo virtuoso em aceleração.

"Com o uso do fogo, todo um conjunto de mudanças evolucionárias ficou interligado", segundo o professor.

A capacidade de cozinhar ampliou a dieta humana, que passou a incluir mais raízes e legumes, além de possibilitar o consumo de carne de forma mais segura
A capacidade de cozinhar ampliou a dieta humana, que passou a incluir mais raízes e legumes, além de possibilitar o consumo de carne de forma mais segura
Foto: Jodi Lai / BBC News Brasil

Os alimentos cozidos são de mais fácil digestão e aumentam a ingestão de proteína, o que, por sua vez, ajudou a aumentar o tamanho do cérebro humano.

Com cérebros maiores, os seres humanos puderam se dedicar a pensamentos mais avançados e desenvolver relacionamentos sociais cada vez mais complexos.

Esses grupos maiores e mais complexos puderam, então cooperar de forma mais eficiente em atividades como a caça. E essa maior cooperação, combinada com a expansão da capacidade cerebral, provavelmente levou ao desenvolvimento de uma linguagem mais elaborada.

Mas quem eram essas pessoas?

O crânio de uma das pessoas que moravam nas ilhas britânicas naquela época mostra que elas não eram da nossa espécie, mas de um tipo diferente de ser humano.

"O formato do crânio e pequenos detalhes indicam que ela provavelmente era uma neandertal do início da espécie. Mesmo 400 mil anos atrás, os neandertais estavam começando sua evolução. Por isso, achamos que as fogueiras de Barnham foram feitas pelos primeiros neandertais."

A equipe de pesquisa acredita que o braseiro de Barnham é um dentre muitos que surgiram em toda a Europa, na mesma época. Mas, até agora, este é o primeiro local em que se pode demonstrar que as pessoas realmente fizeram fogo, sem simplesmente aproveitar as chamas naturais.

Stringer acredita que provavelmente já existisse tecnologia similar em outros locais e que os grupos que atravessavam a ponte de terra que existia entre as ilhas britânicas e o restante do continente europeu tenham trazido este conhecimento com eles.

"Estas pessoas provavelmente trouxeram o conhecimento da produção de fogo com elas", explica ele.

"Ter fogo instantâneo quando e onde você precisasse teria sido muito importante para auxiliar a adaptação dessas pessoas ao ambiente britânico."

Nossa espécie, o Homo sapiens, só chegou a Barnham 350 mil anos depois dessas fogueiras.

O momento exato em que a nossa espécie produziu suas primeiras faíscas ainda é desconhecido. Mas especialistas acreditam que, quando alguma espécie humana desenvolveu a tecnologia, a ideia tenha se espalhado... como fogo, por assim dizer.

A atual descoberta foi publicada na revista Nature. Ela dá início a uma nova busca para encontrar outros lugares onde diferentes grupos de seres humanos, incluindo a nossa própria espécie, aprenderam a usar esta tecnologia, que fez de nós o povo criativo e inovador que somos hoje em dia.

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