Alugar uma casa em Portugal tem se tornado uma verdadeira batalha - especialmente para imigrantes. A crise habitacional no país não só elevou os preços dos imóveis, como também impôs condições cada vez mais precárias para quem busca um lar digno. Essa dura realidade inspirou o cineasta brasileiro Danilo Godoy a transformar sua própria experiência em arte: nasceu o curta-metragem "Procuro T", exibido recentemente na Cinemateca de Lisboa.
Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa
Em Portugal, a designação dos imóveis segue uma classificação que utiliza a letra "T", seguida de um número (por exemplo, T0, T1, T2), indicando o número de quartos existentes. Um T0 corresponde a um espaço sem divisão de quarto - como um estúdio - enquanto um T1 tem um quarto, um T2 tem dois, e assim por diante.
O filme é difícil de rotular. Mistura cenas reais com atuação, levantando uma questão provocadora: onde termina a realidade e começa a ficção?
"Eu gravei em manifestações, em apartamentos nas mesmas condições que vivenciei. Os atores têm histórias muito semelhantes às do roteiro. É tudo misturado", explica Danilo.
Segundo ele, a proposta do filme vai além de denunciar. Trata-se de um grito coletivo pela mudança.
"Quando a realidade é dura demais, não basta só mostrar. É preciso transformar. Essa é a minha forma de lutar."
A crise habitacional em números
O cenário não é alentador. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), um em cada quatro inquilinos portugueses gasta pelo menos 40% do seu salário com despesas de habitação, incluindo aluguel, água, luz e gás. Nos últimos anos, os preços dos imóveis aumentaram 106%, enquanto os salários subiram apenas 35%.
O valor médio dos aluguéis subiu 7% (2024), o maior aumento dos últimos 30 anos, com destaque para Lisboa e o Norte.
Vida real: casas pequenas, contratos precários e pagamentos em dinheiro
Patrícia Breternitz Pereira e o marido, imigrantes brasileiros, estão no terceiro endereço em quatro anos. O atual é um T0 minúsculo, dividido com outras casas no mesmo prédio, com energia elétrica instável, um contrato irregular e fica 30 quilômetros de distância do Centro de Lisboa.
"Pagamos 700 euros por mês, mas nas finanças consta apenas 600, o equivalente a R$3.900,00. O dono quer o restante em dinheiro. Para entrar, tivemos que pagar 2.100 euros (R$13.650,00), entre caução e seguro", relata Patrícia.
Ela ainda conta que seu nome não foi incluído no contrato, dificultando sua regularização no país.
Outra imigrante, a psicóloga Fernanda, vive há três anos em Portugal e já passou por sete moradias diferentes. Atualmente paga 500 euros (R$2.550 reais), por um quarto, que divide com mais três pessoas.
"Já morei numa cozinha. Era desconfortável, sem sala, e com muito barulho. Nunca tive contrato de arrendamento formal. Sempre situações temporárias, improvisadas."
A habitação é hoje um dos principais componentes da inflação em Portugal. O reajuste dos aluguéis representa quase três vezes o aumento geral dos preços no país.
Danilo levou seu curta para o Short Film Corner do Festival de Cannes, ainda em versão não finalizada. A recepção foi positiva e, agora, ele quer que a obra ganhe o mundo.
"Quero que esse filme chegue ao Brasil, à Argentina, a toda a América Latina. Mas, acima de tudo, quero que os imigrantes aqui na Europa se unam. Temos histórias parecidas. Precisamos nos ouvir e agir. O cinema é a nossa arma", justifica.