Tanto Sarkozy quanto Bolsonaro já recorreram publicamente — em momentos distintos — à simples "caneta Bic" como símbolo de estilo, poder ou "resistência" institucional. Bolsonaro, inúmeras vezes, evocou a Bic como sinal de austeridade: chegou a declarar que assinava decretos com ela, e até afirmou que "a caneta bic é minha", ao rejeitar ordens internas.
Já Sarkozy, em seu novo livro sobre sua prisão, que durou cerca de 20 dias, revela que escreveu todo o manuscrito "com uma caneta bic, em uma mesinha de compensado", durante sua breve estadia na prisão francesa.
"Eu entregava as folhas aos meus advogados, que as repassavam para minha secretária digitar. Escrevi tudo de uma só vez e, após minha libertação, numa segunda-feira, finalizei o livro nos dias seguintes", detalhou Sarkozy ao jornal Le Figaro, a quem liberou alguns trechos antes do lançamento do livro.
"Eu precisava responder a uma pergunta simples: 'Como cheguei a esse ponto?'. Precisava refletir sobre essa vida tão estranha que tive, que me levou a situações tão extremas", afirmou.
"Orações"
A poucos dias do lançamento de seu livro O diário de um prisioneiro, Nicolas Sarkozy, condenado no caso do financiamento líbio (que expôs sua relação dúbia com o ditador líbio Muamar Kadafi), revelou neste sábado (6) como foram suas três semanas na prisão, marcadas por orações, conversas com o capelão e uma alimentação bastante simples.
Condenado em primeira instância em 25 de setembro a cinco anos de prisão, com cumprimento imediato, por associação criminosa, o ex-chefe de Estado passou 20 dias detido no presídio da Santé, em Paris.
Dessa experiência de três semanas, Sarkozy, de 70 anos, produziu um diário de 216 páginas, O diário de um prisioneiro, publicado pela editora Fayard, controlada por Vincent Bolloré, acusado de apoiar a direita e seus extremos na França.
O livro será lançado em 10 de dezembro, quando Sarkozy iniciará, em uma livraria no 16º distrito de Paris, uma série de sessões de autógrafos pelo país.
Logo ao chegar à prisão, em 21 de outubro, Sarkozy "ficou impressionado com a ausência total de cores. O cinza dominava tudo, engolia tudo, cobria todas as superfícies", escreve ele no livro, do qual a rádio Europe 1 — também pertencente ao bilionário bretão — além do jornal Le Figaro e do canal LCI publicaram trechos neste sábado.
Confortado em sua primeira noite de detenção ao assistir a uma partida europeia do Paris Saint-Germain (PSG), seu "time do coração", o ex-presidente relata que também "se ajoelhou para rezar".
"Veio como algo natural", conta. "Fiquei assim por longos minutos. Rezava para ter força de carregar a cruz dessa injustiça."
Sarkozy também descreve na obra suas conversas de domingo com o capelão da prisão.
Número de prisioneiro 320535
Registrado com o número 320535, segundo o Figaro, Sarkozy descreve no livro sua rotina na prisão e sua dieta, composta de "laticínios, barra de cereais, água mineral, suco de maçã e alguns doces".
O ex-presidente, protegido por dois agentes de segurança durante todo o período, permaneceu trancado em sua cela 23 horas por dia, exceto durante as visitas.
"Eu daria muito para poder olhar pela janela, ter o prazer de ver os carros passando", afirma ele, que recebeu na prisão a visita do ministro da Justiça da França, Gérald Darmanin. Desde então, os dois estão proibidos de manter contato.
Alfinetadas
Sarkozy também dispara no livro algumas críticas ao mundo político. Ele cita Ségolène Royal, sua adversária socialista em 2007, e Emmanuel Macron, que, segundo o Figaro, teria "virado o rosto" diante da condenação e da prisão de seu antecessor.
Por outro lado, a radio Europe 1 mencionou no livro o apoio de Marine Le Pen e do vice-presidente da Assembleia Nacional de seu partido de extrema direita, Sébastien Chenu. Sarkozy também criticou a visita de dois deputados da França Insubmissa (esquerda radical) que foram ao presídio acompanhados de dois jornalistas.
"Havia pessoas que colocavam a disputa política acima do mínimo de dignidade, que teria sido respeitar a intimidade de um homem preso", reclama.
Sarkozy ainda não concluiu sua batalha judicial. Além do julgamento em segunda instância no caso do financiamento líbio, previsto para o primeiro trismestre de 2026, o ex-presidente é alvo de outras investigações — desde seus lucrativos contratos de consultoria na Rússia até a controversa escolha do Catar como sede da Copa do Mundo de 2022.
A Justiça francesa também investiga a retratação — possivelmente mediante pagamento — das acusações feitas pelo intermediário franco-libanês Ziad Takieddine (já falecido) no caso líbio.
Jair Bolsonaro foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada e ameaças à ordem democrática, decorrentes dos eventos pós-eleições de 2022. O cumprimento da pena deve se estender até 2052, com possibilidade de regime semiaberto em 2033 e livramento condicional a partir de 2037.
Em tempo: a caneta bic — mais precisamente a bic Cristal — foi inventada na França em 1950 por Marcel Bich, que adaptou a patente da caneta esferográfica do inventor húngaro László Bíró.
Com AFP