Óleo de melaleuca na calcinha não é recomendado para tratar candidíase e pode causar reação alérgica

ESPECIALISTAS ALERTAM QUE NÃO EXISTE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA QUE RESPALDE O USO DOMÉSTICO DA SUBSTÂNCIA EM CASO DE CORRIMENTO, COCEIRA E MAU ODOR

5 nov 2025 - 16h20

O que estão compartilhando: vídeo alegando que quem sofre com candidíase de repetição, coceira, corrimento e mau cheiro deve pingar uma gota de óleo de melaleuca na calcinha. O post afirma que a substância é antifúngica, antibacteriana e anti-inflamatória.

A melaleuca tem propriedades antifúgicas, mas o óléo não deve ser usado diretamente em contato com a vulva.
A melaleuca tem propriedades antifúgicas, mas o óléo não deve ser usado diretamente em contato com a vulva.
Foto: Reprodução/Facebook / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Sabe-se que o óleo de tea tree, também conhecido como óleo de melaleuca, tem propriedades antibacterianas, antifúngicas e antivirais. No entanto, a literatura clínica é limitada em relação ao uso da substância no combate à candidíase vaginal, provocada principalmente pelo fungo Candida albicans.

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Especialistas disseram ao Verifica que a substância está presente em alguns sabonetes líquidos, mas que são formulados para respeitar caraterística da região íntima. Elas alertam para possíveis efeitos danosos se a substância for usada incorretamente em áreas sensíveis do corpo.

Saiba mais: o óleo da Melaleuca alternifolia, árvore originária da Austrália, tem princípios medicinais comprovados, incluindo antifúngicos. Porém, faltam estudos clínicos que envolvam um grande número de participantes para confirmar a eficácia e monitorar possíveis reações adversas do tratamento com a substância em pessoas com candidíase.

Essa limitação é mencionada em diferentes estudos. Um deles, feito em 2023, analisou a atividade do óleo in vitro contra diferentes espécies de Candida. Nesse modelo de pesquisa, o experimento é realizado em um ambiente controlado de laboratório, fora de um organismo vivo.

Os pesquisadores chegaram a resultados positivos, mas utilizando uma composição química da substância definida. O mesmo trabalho também testou o óleo em ratas infectadas experimentalmente, com resultados positivos. Os testes não foram conduzidos em humanos.

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Outra pesquisa, publicada em 2023, concluiu que o óleo demonstrou atividade antifúngica contra candidíase vulvovaginal na gravidez. Aqui, a pesquisa também foi realizada in vitro. Estudos adicionais são necessários para investigar as concentrações ideais do óleo como tratamento para candidíase vulvovaginal.

Em 2016, pesquisadores estudaram preliminarmente um tratamento com probióticos e a melaleuca em nove mulheres. Os resultados foram positivos, mas os pesquisadores ressaltaram que o pequeno número de pacientes estudadas era uma limitação.

Médicos não recomendam o óleo essencial para candidíase

A doutora em Medicina Adriana Campaner, presidente da Comissão Nacional Especializada em Trato Genital da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), afirma não existir recomendação para se usar o óleo diretamente na calcinha como forma de tratar problemas ginecológicos.

Ela diz que alguns sabonetes íntimos até possuem a substância em sua composição, mas são formulados para respeitar as características da região íntima feminina. Como exemplo, ela cita uma formulação compatível com o pH da vulva e a ausência de bactericidas para não mudar a microbiota da região.

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"Colocar gotinha do óleo na calcinha não tem nenhuma evidência científica", disse Adriana.

A candidíase é uma infecção que pode acontecer na vagina e na vulva e normalmente aparece quando redução do sistema imunológico. Os sintomas incluem corrimento branco granuloso que pode ser acompanhado de coceira.

A infecção pode ser provocada, por exemplo, por uso de antibiótico e em pessoas imunossuprimidas, além do uso de roupa justa e de absorvente diário porque abafam a área. A candidíase de repetição ocorre quando esses episódios se repetem por três vezes ou mais em um ano.

Como pode ser desencadeada por diferentes fatores, cada caso deve ser avaliado individualmente. A recomendação inicial é tirar os fatores de risco, evitar comer muito carboidrato e açúcar, fazer uma higiene genital adequada, evitar fazer ducha vaginal e usar sabonetes adaptados para a região vulvar.

Conforme a especialista, caso o quadro não melhore com esses passos, o tratamento seguinte seria com um medicamento antifúngico, que pode ser oral ou com aplicação local.

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Sintomas podem esconder problemas mais graves

A médica destaca a importância de consultar um especialista quando notar algo diferente com a saúde íntima. Os sintomas citados no vídeo podem ser oriundos de outros problemas, até mais graves que a candidíase.

Adriana explica que muitos pacientes apresentam a condição porque têm outra infecção conjunta. "Se o paciente tem clamídia, por exemplo, ou seja, se tem bactérias e elas diminuem a resistência, a candidíase pode aparecer. Então, primeiro é preciso ter certeza que é candidíase e se tem outras infecções associadas."

O ideal, diz, é procurar um profissional que seja ginecologista geral ou especializado em patologia genital inferior, que vai fazer uma avaliação para identificar o problema e indicar o tratamento adequado.

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Outro detalhe é que o mau cheiro, citado no post, sequer está normalmente associado à candidíase. "Aparece mais em outra infecção, a Vaginose Bacteriana, e são quadros diferentes. A candidíase pode dar um cheiro mais ácido, mas o que incomoda é a coceira, a ardência e o corrimento. Na vaginose o que incomoda é o corrimento e o cheiro ruim. Os tratamentos são para 'bichos' diferentes".

Esses sintomas podem estar associados, ainda, a outras doenças. A especialista exemplifica que um paciente com incontinência urinária pode apresentar coceira, assim como casos de infecções transmissíveis. "Pode haver pequenas verrugas na vulva que coçam e a pessoa não as ver, um sinal de HPV. Tem várias coisas que dão coceira e que não necessariamente é a candida".

Óleo em contado com a pele pode causar alergias e irritações

Adriana observa que aplicar o óleo diretamente na vulva ou na calcinha pode causar reações, como um quadro de vulvite alérgica. Segundo ela, é comum receber em seu consultório pessoas que seguem fórmulas populares e acabam desenvolvendo dermatites alérgicas.

A dermatologista Claudia Marçal, associada à Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), afirma que a região íntima tem alto poder de absorção, o que aumenta o risco de toxicidade sistêmica e inflamação local.

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Além disso, é desaconselhável utilizar óleos essenciais concentrados diretamente na pele em qualquer circunstância.

Conforme a dermatologista, embora alguns estudos científicos demonstrem benefícios da melaleuca em problemas dermatológicos leves, como acne, micose e dermatite seborreica, mesmo nesses casos o uso é tópico e sempre diluído. "Geralmente em concentrações de 5% ou menos, dentro de veículos cosméticos apropriados, como cremes, géis ou óleos carreadores".

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