Minuta golpista foi mudada para atender vontades de Bolsonaro, diz Moraes ao elevar tom

Relator do caso da trama golpista, que está sendo julgada no STF, manifesta seu voto nesta terça-feira, 9

9 set 2025 - 14h21
(atualizado às 16h43)

A minuta golpista foi mudada para atender as vontades de Jair Bolsonaro, é o que afirma o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, durante apresentação de seu voto nesta terça-feira, 9, no julgamento que pode condenar o ex-presidente e outros sete réus aliados por golpe de Estado. Para Moraes, isso é “óbvio”, considerando que Bolsonaro seria o líder da organização criminosa e quem se perpetuaria no poder se o plano desse certo.

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O voto de Moraes durou cerca de 5 horas e parte de sua fala foi voltada à minuta do golpe. Ele explicou que o general de Exército Freire Gomes, que foi ouvido como testemunha nas investigações, disse se recordar de diversas reuniões após o segundo turno das eleições de 2022 onde Bolsonaro apresentou, inicialmente, a "hipótese da utilização da garantia da lei e da ordem, ou outros institutos jurídicos mais complexos" para solucionar uma "possível crise institucional". Nisso, a testemunha alegou sempre ter deixado evidente que "o exército não participaria da implementação desses institutos jurídicos buscando reverter o processo eleitoral".

"Tentando dar nomes a algo que já tem nome: golpe de Estado", afirma Moraes. Para o ministro, crise institucional "na cabeça da organização criminosa era o fato de perderem o poder". Esse já seria um início do que veio a ser compreendido posteriormente como a minuta golpista, aponta. 

Em uma outra reunião na biblioteca do Palácio do Alvorada -- fato que foi confirmado também pelas declarações de Mauro Cid, réu colaborador -- já foram apresentados "fundamentos jurídicos" da ideia. Nessa reunião estariam os réus Paulo Sérgio Nogueira (general e ex-ministro da Defesa), Almir Garnier (almirante de esquadra que comandou a Marinha) e Felipe Martins (ex-assessor de Bolsonaro). Na ocasião Bolsonaro teria dito que o documento estava em estudo, e que depois reportaria a evolução aos comandantes.

Depois, em mais um encontro, o ex-presidente teria então apresentado uma versão do documento com a decretação do Estado de Defesa e a criação de uma comissão de regularidade eleitoral para "apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral". Nessa reunião, além da testemunha citada, estariam Almeida Baptista Junior, o ex-chefe da Força Aérea Brasileira, e novamente os réus Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier.

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Foi aí que tanto Almeida Baptista Junior quanto Freire Gomes afirmaram ter se oposto ao plano -- que era um conteúdo golpista. Em paralelo, nessa mesma reunião, testemunhas confirmaram que o almirante Almir Garnier se "colocou à disposição" do então presidente Jair Bolsonaro. 

Nesse momento, conforme avalia o ministro, a consumação do golpe começou a diminuir -- o que não diminui o ato criminoso.

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"Não confundamos consumação do golpe com consumação do crime de golpe de Estado. São coisas diversas. O crime de golpe de Estado e o crime de abolição do estado democrático de direito tem como elementares do tipo 'tentar'. A mera tentativa -- até porque a consumação não vai possibilitar a responsabilização de ninguém -- já consuma o crime", alerta Moraes.

Nisso, o relator aponta que todos atos executórios elencados ao longo de seu voto, desde junho de 2021, até o 8 de Janeiro, foram atos que consumaram os crimes citados. "Não consumaram o golpe, mas não há necessidade de consumação do golpe [para ser crime]".

Tudo isso, como avaliado por Moraes, comprova que houve envolvimento de Jair Bolsonaro na minuta golpista, e que ele realmente mexeu no decreto.

"Óbvio. Se ele é o líder da organização criminosa, se ele que iria se perpetuar no poder, se ele chama os comandantes das Forças e o ministro da Defesa para apresentação [da minuta] e se ele diz que há necessidade de algumas alterações -- e ele próprio diz que discutiu isso --, é óbvio que os decretos, as minutas, foram mudando por vontade predominantemente de quem? Do líder da organização criminosa", disse Moraes, elevando o tom durante a fala.

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Alexandre de Moraes, ministro do STF, durante o julgamento da Ação Penal 2.669
Alexandre de Moraes, ministro do STF, durante o julgamento da Ação Penal 2.669
Foto: Divulgação/Rosinei Coutinho/STF

Mais sobre o julgamento

O julgamento teve início na terça-feira passada e já contou com a leitura do relatório geral por parte de Alexandre de Moraes, relator do caso; a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que reforçou a denúncia; e o pronunciamento final da defesa dos oito réus. Agora, nesta semana, é a vez dos ministros votarem pela condenação, ou não, dos envolvidos tidos como "núcleo crucial" do plano de golpe de Estado. No total, a contar desta terça-feira, 9, o julgamento terá mais 27 horas divididas entre as sessões. 

Alexandre de Moraes (relator do caso) começou, votando pela condenação de todos os acusados.

Em sua fala, Moraes elencou 13 atos para explicar a trama golpista em julgamento e traçou uma linha do tempo do "golpismo", que interligaria os réus e os crimes em questão. Para ele, a organização criminosa -- liderada por Bolsonaro --, mostrou que "não sabe que é um princípio democrático republicano a alternância de poder".

"Quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições. Quem ganha assume e tenta se manter [no poder], mas pelo voto popular. Não tenta se manter utilizando órgãos do Estado. Não tenta se manter coagindo, ameaçando gravemente, deslegitimando o poder judiciário de seu País, a justiça eleitoral", declarou, em trecho de seu voto.

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Na sequência, votarão: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin (presidente da Turma).

A condenação ou a absolvição dos réus será decidida pelo voto da maioria. Não há limite de tempo pré-definido para os votos de cada ministro -- mas se espera que o voto mais longo seja o de Moraes. 

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São réus no processo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Walter Braga Netto; ex-ajudante de ordens Mauro Cid; almirante de esquadra que comandou a Marinha, Almir Garnier; ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno; o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; e o deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Em relatório final, emitido em julho, a Procuradoria-Geral da República pediu a condenação dos réus (com exceção de Ramagem) pelos crimes:

  • Organização criminosa armada – pena de 3 a 8 anos de prisão, podendo chegar a 17 anos se houver uso de arma de fogo ou participação de funcionário público;
  • Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito – pena de 4 a 8 anos de prisão;
  • Golpe de Estado – pena de 4 a 12 anos de prisão;
  • Dano qualificado pela violência ou grave ameaça – pena de seis meses a 3 anos de prisão;
  • Deterioração de patrimônio tombado – pena de 1 a 3 anos de prisão.

As penas máximas somadas podem chegar a 43 anos. Vale ressaltar especificidades que podem pesar em uma possível condenação dos réus: Bolsonaro, para além de denunciado pelos crimes, é apontado como líder da organização criminosa e Mauro Cid deve ter a pena reduzida devido a seu acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal.

Já Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que também é réu, é o único acusado por apenas três desses cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

A Primeira Turma votar pela condenação dos réus não significa que eles serão presos imediatamente. Isso porque eles ainda podem apresentar recursos --que podem pesar mais ou menos, a depender do placar do júri. A execução de uma eventual pena só pode acontecer após ser dado “trânsito em julgado”, ou seja, quando são esgotados todas as possibilidades de recursos. 

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Jair Bolsonaro está em prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto, mas devido um processo que corre paralelamente no STF. No caso, se trata do inquérito que aponta que as ações do deputado Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, com o apoio do ex-presidente, tiveram como objetivo pressionar o Supremo a desistir da ação penal da trama golpista. Nisso, ambos foram indiciados pelos crimes de coação no curso do processo e abolição do Estado Democrático de Direito.

Como acompanhar o julgamento

Nesta terça-feira serão duas sessões. Inicialmente, a primeira seria das 9h às 12h, e a segunda das 14h às 19h. No entanto, o voto de Moraes invadiu o período do intervalo. Ele concluíu seu voto por volta de 14h20. A expectativa é que a sessão retome na parte da tarde. 

Nos próximos dias, o julgamento segue:

É possível acompanhar a transmissão pelos canais oficiais do STF --TV Justiça, Rádio Justiça, aplicativo Justiça+ e o canal do Supremo no YouTube. O Terra também transmite as sessões e traz detalhes do julgamento e de seus bastidores.

Fonte: Redação Terra
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