Equipe chinesa cria novos estados da matéria em busca de máquina quântica livre de erros

Simulação cria estado de matéria capaz de proteger informação quântica contra interferência

2 dez 2025 - 17h12
(atualizado às 17h52)

Pesquisadores chineses criaram um "bloco de Lego quântico" que não se desfaz nem quando o sistema é intencionalmente perturbado. O estudo, publicado na revista Science, busca uma forma de guardar informação quântica em partes do material que sejam naturalmente mais protegidas contra erros. Para isso, a equipe liderada pelo físico Pan Jianwei usou o processador quântico programável Zuchongzhi 2 para simular um novo estado de matéria onde os efeitos quânticos ficam presos nos "cantos" do sistema, regiões que funcionam como pequenas fortalezas contra interferência do ambiente.

Esses chamados "estados de canto" se comportam como uma espécie de armadura quântica. Em vez de deixar a informação exposta nas bordas ou superfícies, como acontece normalmente, esse novo tipo de fase topológica concentra tudo em pontos minúsculos que resistem melhor ao ruído. E isso é importante porque a computação quântica enfrenta hoje seu maior obstáculo justamente na fragilidade dos qubits, que perdem seus estados com qualquer perturbação.

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O experimento representa a primeira demonstração prática de fases topológicas de ordem superior fora do equilíbrio - ou seja, em condições em que o sistema está mudando o tempo todo, como se estivesse "vivo" e sendo empurrado por forças externas. Esse tipo de comportamento não existe na natureza e só pode ser criado artificialmente em processadores quânticos avançados. A novidade abre uma possibilidade: armazenar informação quântica de um jeito que não se desfaça tão facilmente.

Pan Jianwei, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC) e já descrito pela revista Nature como o "pai da quântica" do país, tem sido uma das figuras centrais da tentativa chinesa de construir computadores quânticos realmente úteis. No novo estudo, ele e sua equipe, que inclui pesquisadores da USTC e da Universidade de Shanxi, mostram como simular e detectar esses estados exóticos que concentram estabilidade em cantos e dobradiças de um material simulado, em vez de suas superfícies.

Esse tipo de matéria artificial poderia, no futuro, permitir que computadores quânticos funcionassem corretamente mesmo com erros inevitáveis no ambiente. Hoje, qualquer vibração, variação de temperatura ou interferência eletromagnética pode apagar a informação guardada em um qubit. Por isso, encontrar maneiras de protegê-los é considerado um passo crucial para que essas máquinas deixem de ser protótipos e passem a resolver problemas reais, como buscas complexas de medicamentos, inteligência artificial avançada e simulações climáticas.

Os autores explicam no artigo: "Neste estudo, implementamos fases topológicas de ordem superior em equilíbrio e fora do equilíbrio usando um processador quântico supercondutor bidimensional programável." O feito só é possível graças à flexibilidade do Zuchongzhi 2, que pode ser reconfigurado como um computador tradicional, mas no nível quântico.

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Para entender por que esses estados são tão estáveis, é preciso recorrer à topologia, uma área da matemática que estuda formas e como elas podem ser deformadas sem perder suas propriedades essenciais. Um exemplo famoso é o donut e a caneca: ambos têm um único "furo", então podem ser transformados um no outro sem serem rasgados. Esse tipo de raciocínio também vale para certos estados quânticos, que permanecem "inteiros" mesmo quando o sistema é esticado, dobrado ou perturbado.

A partir dos anos 1980, cientistas vêm estudando fases topológicas em materiais, mas sempre em condições estáveis. Só recentemente pesquisas começaram a explorar fases que surgem quando o sistema é constantemente modificado — algo muito mais difícil de observar. É justamente essa categoria que o grupo de Pan conseguiu simular usando parte dos 66 qubits do Zuchongzhi 2.

Por serem programáveis, processadores como o Zuchongzhi 2 podem realizar diferentes tarefas, funcionando como versões quânticas de um processador comum. Isso os torna mais versáteis que dispositivos quânticos fixos, uma característica importante para desenvolver computadores que resolvam diversos tipos de problema. Nesse caso, os cientistas configuraram uma grade de 6 por 6 qubits para gerar e examinar os estados protegidos.

A equipe também criou um método para detectar esses estados medindo como o sistema evolui no tempo. Isso é essencial porque fases fora do equilíbrio não podem ser caracterizadas apenas observando o sistema parado - elas dependem justamente do movimento, da mudança contínua.

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No estudo, os pesquisadores afirmam: "Nosso estudo também apresenta uma possibilidade intrigante de aproveitar processadores quânticos de escala intermediária ruidosos para explorar universalmente materiais topológicos feitos sob medida, tanto na presença quanto na ausência de interações e dentro e fora do equilíbrio." Em outras palavras, mesmo as máquinas quânticas atuais, imperfeitas e muito sensíveis, já podem servir como laboratórios para explorar novos tipos de matéria e novas formas de proteger informação.

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