No início de setembro, Jacareí inovou ao apresentar um plano de mobilidade aérea urbano voltado para o uso de drones e veículos elétricos de pouso e decolagem vertical (eVTOLs). Um planejamento do tipo é inédito na América Latina e reflete uma preocupação que começa a despertar a atenção de administradores municipais: como se preparar para regular e organizar esses veículos para logística e transporte no contexto urbano.
Se os eVTOLs, os carros voadores, ainda parecem uma realidade distante, os drones já estão aqui. Durante o painel 'Entrega aérea: drones como solução logística nas cidades' noCidade CSC, maior evento de cidades inteligentes da América Latina, o fundador da SpeedBird Samuel Salomão contou que os drones da startup já são utilizados para transporte de documentos, alimentos, remédios e amostras de exames do Nordeste do Brasil à Singapura.
No caso de Jacareí, a proximidade com São José dos Campos, polo de engenharia aeroespacial no Brasil, facilita o planejamento para o futuro que já bate à porta. A cidade trabalhou em parceria com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) para criar o planejamento num contexto onde o número crescente de uso de aplicativos de transporte piorou o trânsito e resultou num aumento de acidentes de trânsito envolvendo motos.
"Nós mapeamos corredores de drones, onde podem ficar os vertiports para pouso e decolagens de eVTOLs, áreas de exclusão, problemas com ruídos e impactos na privacidade, tudo foi dimensionado", contou Edinho Guedes, secretário de Mobilidade Urbana da cidade.
De cara, um problema: enquanto se discutem soluções e planejamento, os problemas já apareceram. Em primeiro lugar, toda a lógica da segurança é pensada a partir do solo e há uma grande vulnerabilidade pelo ar. Além disso, foram identificados inúmeros relatos de quase colisões entre drones e também com helicópteros. Os próprios drones utilizados pela prefeitura, confessou Edinho, não eram operados segundo as regras do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA).
"Nós corremos o risco de acontecer algo semelhante ao que fizemos com os carros, que passamos um século ovacionando enquanto substituímos o espaço do ser humano, com calçadas minúsculas e ruas largas", comparou Edinho. O resultado é um modal de transporte com impacto gigantesco nas mudanças climáticas e um volume grande de acidentes e mortes.
Segundo Edinho, o planejamento adequado pode evitar que se siga nesse caminho ao mesmo tempo em que é possível aproveitar os benefícios oferecidos por esses veículos.
Em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, há uma expectativa semelhante. Atualmente, a cidade prepara um estudo para abrir uma licitação para explorar a logística aérea, o que deve acontecer em 2026.
Um dos focos do projeto é atender as 365 ilhas do município, "uma para cada dia do ano", brinca André Luís Pimenta, Secretário de Planejamento e Gestão de Angra. A cidade tem a maior frota de embarcações de lazer do país e uma economia em que um dos pontos altos é o turismo.
"Imagina que uma dessas lanchas esqueça alguma coisa no território. É um esforço grande voltar para buscar, algo que poderia ser feito com ajuda de um drone de forma muito mais simples", disse André.
Assim como em Jacareí, o desafio é definir de que forma isso será feito em segurança. Hoje, André compara a situação dos drones ao que acontece com motos e bicicletas elétricas: um limbo jurídico.
Rápido e fácil
Criada há seis anos em Franca, no interior de São Paulo, a Speedbird é uma startup que traduz em realidade o potencial dos drones para operações logísticas. No Brasil, a empresa já opera ou operou em nove cidades.
Em Aracajú, a Speedbird fez uma parceria com o iFood para atender uma demanda específica: atender aos moradores de condomínios localizados na margem oposta do Rio Sergipe. "Antes essas pessoas precisavam dirigir mais de meia hora para pegar os pedidos", contou Samuel, fundador da empresa. "Agora, os drones retiram os pedidos nos Shoppings e entregam em um hub nosso próximo aos condomínios, de onde temos uma equipe que faz a perna final."
Entregar hambúrguer é legal. Ajudar na saúde é melhor ainda. Em Salvador, a operação da Speedbird envolve o transporte de amostras de exames por uma rota de 40 km que aproveita as áreas marítimas, onde o voo é mais fácil. No tempo que seria possível fazer um transporte via terrestre, os drones conseguem fazer vinte viagens.
"Nós estamos falando de saúde, e a rapidez na entrega do resultado pode fazer diferença entre vida e morte", afirmou Samuel, que também destacou o impacto positivo na pegada de carbono. Em Salvador, são cerca de seis voos diários. Em Aracajú, a SpeedBird já chegou a fazer sessenta entregas em um dia.
Além disso, também há operações em outros locais do mundo, como o Porto de Singapura, onde a empresa facilita o trânsito obrigatório de documentos com navios prestes a atracar, uma operação que custa milhares de dólares quando feita com lanchas.
Para Samuel, para escalar esse mercado é necessário que diversas questões jurídicas e administrativas sejam resolvidas, como têm se esforçado para fazer as prefeituras de Jacareí e Angra dos Reis. Atualmente, o DECEA também tem um plano de quatro anos para ampliar a regulação de drones e eVTOLs.
Até lá, a expectativa é que ocorra no Brasil o mesmo que aconteceu em Aracajú. Quando as entregas da Speedbird começaram a acontecer, crianças e alguns adultos corriam para assistir. Hoje, ninguém liga. "Virou normal", disse Samuel.