Flip homenageia Paulo Leminski, cujo espírito baixa em terreiro de Curitiba
Incorporado em uma médium, poeta teria composto um ponto, ou seja, uma música de terreiro, em parceria com Raul Seixas
Mãe de santo recebe espírito de Paulo Leminski, ícone da poesia marginal, em um dos maiores templos de umbanda da capital paranaense, liderado pela filha do fundador, que foi amiga pessoal do poeta. Terreiro evita exposição midiática das histórias inéditas contadas nesta reportagem.
Homenageado pela Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o poeta Paulo Leminski é incorporado por uma mãe de santo do Terreiro de Umbanda Pai Maneco, um dos maiores de Curitiba (PR). As incorporações começaram, naturalmente, após sua morte, em 1989. Já foram mais frequentes, hoje são raras e discretas.
“Sou muito respeitosa ao Paulo e eu não quero normatizar a incorporação, não quero que seja uma pauta dentro dos nossos trabalhos. Ele chega quietinho, me pede um cigarro, me dá um abraço, eu peço para ele subir, não quero que fique se expondo”, conta Lucilia Guimarães, 65 anos, mãe de santo do terreiro fundado pelo pai, Fernando Guimarães, ou Fernando de Ogum.
No bairro Santa Cândida, a construção do terreiro é circular e imponente. São realizadas 14 giras por semana, que reúnem milhares de pessoas. A mãe de santo que incorpora Paulo Leminski é Maria Cristina Mendes, de 63 anos, com mais de quarenta dedicados à umbanda. Diferente de Lucilia, herdeira do terreiro e amiga de Leminski em vida, Cris apenas o conhecia de vista — e tinha medo do poeta.
“Ele incorpora em mim para falar com a Lucília e com o pai dela — foram amigos. Agora que está reconhecido, acho que sossegou um pouco.” Segundo Cris, Leminski passou a frequentar mais o terreiro após o fim do festival Perhappiness, realizado até 2005 em sua homenagem. Estaria preocupado.
Dois pontos compostos para o terreiro, um com Raul Seixas
A relação da mãe de santo com o poeta transcende o terreiro. Professora da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Cris fez mestrado e doutorado sobre o autor homenageado na Flip. “Ele gralhava no meu ouvido o tempo todo para eu pesquisá-lo". Incorporada, ela viveu histórias hilárias com Paulo Leminski.
Seu espírito compôs uma música em parceria com Raul Seixas, que também baixou na ocasião. O poeta e o músico nasceram com um ano de diferença e morreram em 1989. Lucília, a dirigente do terreiro, não só confirma a autoria do ponto — nome técnico para música de macumba — como informa que ele é cantado em todas as sessões.
Há um segundo ponto, este composto exclusivamente por Paulo Leminski — uma homenagem a Ogum, levada ao terreiro sete dias após a morte do poeta por uma pessoa próxima. É cantado em todas as giras, em um momento especial: quando a assistência — as pessoas que participam do ritual, a plateia — entra na parte central do terreiro para um passe coletivo.
O espírito de Paulo Leminski, homenageado na Flip
Lucilia e Cris, parceiras de umbanda há décadas, tecem possíveis interpretações sobre a relação espiritual de Paulo Leminski com o terreiro e suas mães de santo. “Se ele incorpora em mim, é porque tem autorização de espíritos mais iluminados. Acho que ele vinha mais porque estava preocupado com o legado poético”, diz Cris.
Segundo Lucília, “hoje em dia acho que o Paulo não precisa provar nada para ninguém, nem nós”. O álcool teria sido um desafio evolutivo enfrentado tanto na vida terrena quanto no plano astral, também por Raul Seixas, que cantou “eu li os símbolos sagrados de umbanda”. O apego aos prazeres terrenos é uma fase a ser superada por todo espírito em evolução — mesmo os geniais.
"Quando o Leminski vem, é numa linha neutra — não é preto-velho, nem caboclo, nem Exu. É uma mistura mais cotidiana, mais terrena. No terreiro, os amigos têm um espaço para serem ouvidos espiritualmente. Mas ele anda meio sumido", diz Lucilia. Para Cris, o significado do sumiço é que "ele pode ter transcendido de vez".