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No trem do Lollapalooza, show é de quem trabalha no evento

Ambulantes, guardas, faxineiras, garis, promotoras e até tradutor de língua de sinais garantem a diversão do público

23 mar 2024 - 12h47
(atualizado em 31/3/2024 às 07h52)
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Resumo
O trem que leva e traz do Lollapalooza, da linha 9 Esmeralda, em São Paulo, é palco da atuação de trabalhadoras e trabalhadores do evento. Eles usam os trilhos para ir e voltar, enquanto agentes e faxineiras atuam nas plataformas. Do lado de fora da estação Autódromo, mais trabalho: garis, vendedores ambulantes, fiscais e guardas fazem o corre até de madrugada.
Irmãs Carla e Camilla estão acostumadas a trabalhar em eventos e gostam, apesar de levarem mais duas horas para chegarem ao Lollapalooza
Irmãs Carla e Camilla estão acostumadas a trabalhar em eventos e gostam, apesar de levarem mais duas horas para chegarem ao Lollapalooza
Foto: Marcos Zibordi

São 9h30 e as irmãs Carla e Camilla Leite Alves chegam esbaforidas à estação Osasco do trem. Estão vindo da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Pegaram dois ônibus, dois metrôs e agora confirmam que a linha 9 Esmeralda leva à estação Autódromo, a mais próxima do Lollapalooza.

No vagão, que não está lotado, conseguem sentar. Trabalharão até o final da noite em estandes de bebidas. Estão acostumadas e gostam do serviço, que fazem há uns dois anos. Estiveram em vários festivais.

Nas dezesseis estações até o desembarque, pouca coisa indica que o Lollapalooza está acontecendo. A maioria dos passageiros são trabalhadores indo e vindo em uma sexta-feira chuvosa. As irmãs conversam sobre a programação.

“Gente, o que o Supla está fazendo aqui?”. Depois do trabalho, ou durante, se o local onde ficarem permitir, querem ver Luiza Sonza, Maneva, Kevin o Chris e Xamã.

Capa de chuva a dez reais

Um vendedor entra no vagão. “Se você está indo pro Lolla, esta é a sua melhor amiga”. Ele mostra a capa de chuva, dez reais. Na porta do show, vai custar quanto? “Aí é trinta, mano”, responde o marreteiro que prefere não dar nome, nem ser fotografado.

As irmãs Carla e Camila chegam à Estação Autódromo e encontram a amiga Andressa Vieira. As três atuarão juntas. São 11 horas. Durante a tarde, trabalhadoras e trabalhadores assumirão seus postos, dentro do show, na plataforma do trem e na rua. A chuva forte atrapalha, nem capa de chuva resolve.

O trio de amigas prontas para começar o dia de trabalho. Elas fazem parte de uma equipe de 600 pessoas, somente para venda de bebidas
O trio de amigas prontas para começar o dia de trabalho. Elas fazem parte de uma equipe de 600 pessoas, somente para venda de bebidas
Foto: Marcos Zibordi

Porém, o caos acontece mesmo no final da noite, entre 22 horas e 1 da manhã, na estação Autódromo, quando fãs querem voltar para casa de trem. Então entra em ação quem realmente fecha a primeira noite de espetáculos do Lollapalooza.

Com megafone, incansável agente repete orientações

A multidão toma a rua, a entrada, as escadas e a plataforma da estação Autódromo. Incansáveis agentes, homens e mulheres, repetem no megafone: “Santo Amaro, Pinheiros, Osasco. Melhor embarque no final da plataforma. Não parem nas escadas, não parem nas escadas”.

Cada agente pronuncia a frase umas 20 vezes por minuto no megafone. Em três horas de trabalho, repetirão a orientação, no mínimo, três mil vezes. Isso só acontece em dia de shows em Interlagos. A estação não fecha.

A resistência e paciência dos agentes da estação são impressionantes. Quando não estão repetindo orientações no megafone, evitam que alguém caia nos trilhos
A resistência e paciência dos agentes da estação são impressionantes. Quando não estão repetindo orientações no megafone, evitam que alguém caia nos trilhos
Foto: Marcos Zibordi

Os trens chegam e partem rápido, arrastando oito vagões. São mais de duas mil pessoas dentro. Na plataforma, gente bem louca cai e só não esborracha nos trilhos porque bate a cabeça no trem, que, por sorte, está parado.

O intérprete de Libras Gustavo Araújo Ferreira, sobreo e feliz, pergunta ao agente da estação sobre o itinerário da volta para casa. Ele gosta de trabalhar em shows, “acho bem da hora”. Seu dia de trabalho foi tranquilo, não precisou orientar nenhum surdo, pouco prováveis em um show de música.

Ele ganhará quase mil reais nos três dias do Lollapalooza. “Vale a pena, quero fazer outros”, diz, antes de sair correndo, sem saber se conseguirá chegar em casa de transporte público. Passa da meia-noite e ele mora em Guarulhos.

O gesto que o tradutor Gustavo Araújo Ferreira está fazendo com a mão esquerda significa “eu te amo”, em língua de sinais
O gesto que o tradutor Gustavo Araújo Ferreira está fazendo com a mão esquerda significa “eu te amo”, em língua de sinais
Foto: Marcos Zibordi

Madrugada sem novidades para as faxineiras da estação

O trabalho na madrugada não é novidade para as faxineiras da estação Autódromo. Elas entram às 22 horas e saem às 6 da manhã, independente do funcionamento ininterrupto dos trens.

Uma dessas guerreiras é Edilene Ribeiro, 38 anos. Ela não acha que o serviço aumentou muito com o Lollapalooza. “No The Town tinha mais gente”. Após o trabalho, emenda um curso de enfermagem pela manhã e só consegue dormir de tarde.

Nas catracas da estação, agentes repetem milhares de vezes orientações como “esta fila é para quem vai comprar passagem; quem tem bilhete, pode ir direto”. Do lado de fora, garis, policiais, marreteiros, guardas-civis, policiais militares e pequenos comerciantes ainda trabalham intensamente.

O final de semana com trens ininterruptos na estação Autódromo não muda a rotina de trabalho de Edilene Ribeiro
O final de semana com trens ininterruptos na estação Autódromo não muda a rotina de trabalho de Edilene Ribeiro
Foto: Marcos Zibordi

Fiscais sentem remorso ao tomar mercadorias

Em frente à estação, quatro jovens fiscais da prefeitura terminaram o trabalho. Eles ficam de olho em vendedores ambulantes. Quando localizam, acionam a Guarda-Civil, que confisca as mercadorias.

Começaram a fiscalizar no final da tarde. Na primeira hora da madrugada, esperam a van que os levará para casa, fora de São Paulo. Não apreenderam muita coisa. “Mas, mano, tem gente que pede pra rodar: param na nossa frente e ficam vendendo”, conta um deles.

Agentes de fiscalização preferem não se identificar. “Ficam vendendo na nossa frente, aí não dá”, diz um deles
Agentes de fiscalização preferem não se identificar. “Ficam vendendo na nossa frente, aí não dá”, diz um deles
Foto: Marcos Zibordi

Outro responde, antes do repórter perguntar: “Se dá remorso? Mano, dá remorso. Mas a pessoa pode recuperar as mercadorias depois. Tem gente que xinga, ofende, mas outros entendem que, se é o trampo deles é vender, o nosso é fiscalizar”.

Nesse momento, João Vitor, 24 anos, de Carapicuíba, chega à porta da estação Autódromo. Passa da meia-noite, mas ele não chegou neste horário para fugir da fiscalização.

Ficou sabendo do Lallapalooza durante a tarde, vendendo água, pirulitos e chicletes no trem. Veio tentar a sorte. Não vendeu muito, mas pretende voltar mais cedo nos outros dias do festival.

Vendedor de água e doces, João Vitor veio tentar a sorte no final da primeira noite do Lollapalooza. Chegou tarde, mas pretende voltar mais cedo sábado e domingo
Vendedor de água e doces, João Vitor veio tentar a sorte no final da primeira noite do Lollapalooza. Chegou tarde, mas pretende voltar mais cedo sábado e domingo
Foto: Marcos Zibordi

Últimos trabalhadores da madrugada

Garis varrem rapidamente, pegada monstra, parece que acabaram de acordar. Passa de uma hora da manhã e não há mais lixo na rua. Mesmo assim, o turno durará mais duas horas. O movimento diminuiu muito.

Dona Regina Gomes dos Santos, 71 anos, aposentada, está fechando a lanchonete que abriu na garagem de casa, em frente à estação. Natural de Salvador, é uma das fundadoras do bairro.

O Cantinho da Regina Lanchonete e Bomboniere existe há dez anos. “Não dá muito, pago para trabalhar, mas nos shows, dá uma erguida. Tem que aproveitar a oportunidade. Por mim, tinha um evento por mês”.

Uma das pioneiras do bairro, dona Regina Gomes dos Santos gostaria que houvesse mais eventos, para aumentar o faturamento da lanchonete
Uma das pioneiras do bairro, dona Regina Gomes dos Santos gostaria que houvesse mais eventos, para aumentar o faturamento da lanchonete
Foto: Marcos Zibordi

Ela pretende trabalhar “até quando Jesus me levar”. Nesta hora, coincidentemente, as irmãs Carla e Camilla, que encontramos no início da reportagem, chegam à estação.

A coincidência é tanta que o repórter registra o momento. Antes da foto, num gesto de trabalhadoras compromissadas, puxam os crachás para fora da blusa, para que saiam identificadas na foto.

Fonte: Visão do Corre
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