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A primeira crise das startups brasileiras

Pandemia impõe retração de receita e demissões a empresas acostumadas a crescer mesmo em tempos difíceis

20 mai 2020 - 05h10
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A pandemia do novo coronavírus afetou drasticamente as perspectivas da economia brasileira. O ano, que começou prometendo uma recuperação da atividade econômica, agora carrega previsões de queda de pelo menos 5% no PIB nacional. Habituadas a serem um oásis em meio às dificuldades enfrentadas pelo Brasil nos últimos anos, crescendo e gerando empregos enquanto outros setores sentiam os efeitos da recessão, as startups, dessa vez, não escaparam da crise. Com a covid-19 e as medidas de isolamento social, muitas empresas inovadoras estão vendo, pela primeira vez, o que é ter de reduzir planos e fazer demissões.

Para a maioria das empresas, os problemas começaram a aparecer no início de março. "Quem estava em expansão, como nós, foi mais afetado. É como você acelerar na pista e, de repente, a neblina surgir do nada", compara Vinicius Roveda, presidente executivo da catarinense Conta Azul. Dona de um software de contabilidade, a startup viu seus planos mudarem quando percebeu queda de 50% nas vendas e alta de 40% nos cancelamentos.

Assim, além de ter de colocar todos os funcionários em trabalho remoto, a empresa foi obrigada a cortar uma parte considerável de seu time. No início de abril, Roveda dispensou um terço da equipe, na época com 440 funcionários. A maior parte das demissões aconteceu nas áreas dedicadas a expansão e eventos.

"Conforme as semanas passavam, o cenário ficava mais nebuloso. Essa é uma crise ampla, de vários setores e não havia um cenário que mostrasse retorno à normalidade", diz Roveda. "Foi preciso agir rápido para preservar o caixa da companhia para seguir em frente. Temos responsabilidade com os clientes e com os 300 funcionários que ficaram. Como líder, preciso pensar que haverá próximos capítulos."

Adaptação

Contexto parecido viveu a Omiexperience, dona de um software de gestão para pequenas empresas, que também cortou um terço de seu time nas últimas semanas. "Hoje, 90% dos nossos 37 mil clientes faturam até R$ 10 milhões por ano. É um grupo que tem sofrido bastante. A nossa previsão, então, era de que muitos deles teriam problemas de inadimplência ou até fechariam as portas", diz Marcelo Lombardo, presidente executivo da startup.

No início de abril, quando anunciou as demissões, a empresa previa que sua receita iria cair até 40% e, por isso, fez os cortes. "Foi o momento mais duro da minha carreira", afirma o executivo. A previsão, porém, não se confirmou: a Omiexperience renegociou com clientes, liberou seu serviço gratuitamente para empresas que faturam menos e buscou uma nova camada no mercado, de empresas que faturam mais de R$ 20 milhões no ano.

"Não podia só ficar encolhido na caverna. Fomos atrás de clientes que não falavam conosco antes da crise. Agora, em busca de uma solução mais eficiente, acabaram assinando conosco", diz Lombardo.

Assim, a empresa conseguiu manter sua receita estável - antes da crise, crescia 7% ao mês. Apesar dos bons números, o executivo não canta vitória. "Não sabemos o que vem por aí. Pode vir uma segunda onda da pandemia, é complicado prever."

A velocidade na tomada de decisões pelas startups pode surpreender. Para Raphael Augusto, responsável pela área de estudos da aceleradora Liga Ventures, as startups têm maior facilidade para fazer alterações - algo que pode ser visto, à primeira vista, como inconsistência ou como agilidade frente ao negócio. "São empresas acostumadas a acompanhar números em tempo real. Se há uma queda brusca na atividade, é possível que elas façam mudanças velozes - movimento necessário, por exemplo, quando a quarentena é prolongada por um mês", diz.

Para Guilherme Fowler, professor de empreendedorismo do Insper, alterar os planos é uma característica do DNA dessas empresas. "Elas fazem protótipos e testes a toda hora. Se uma startup não consegue ser ágil, talvez ela nem seja uma startup."

Imprevisibilidade

Os efeitos da pandemia, claro, são diferentes nos muitos setores que as startups ocupam. Quem atende pequenas empresas, como a Conta Azul e a Omiexperience, ficou mais sensível à crise. Outras, em áreas como e-commerce e logística, estão indo bem, obrigado. E há aquelas que têm uma previsão muito distante de retornar ao ritmo normal - como a MaxMilhas, que atua no setor de passagens aéreas.

"Não podíamos simplesmente hibernar. Além de uma queda de 90% no setor de turismo, havia ainda muitos cancelamentos. Foram semanas caóticas", conta Max Oliveira, presidente executivo da MaxMilhas. "Nossa receita caiu um pouco menos que a média do setor, mas ainda assim percebemos rápido que não íamos ter como honrar a folha de pagamento", conta ele, que, em abril, cortou 42% dos 400 funcionários pré-crise.

De lá para cá, a empresa apresentou sinais de recuperação. "Maio já está sendo de 15% a 20% melhor que abril. Talvez a gente possa ter errado a mão nas demissões, mas preferi fazer isso do que correr o risco de cortar e ter de repetir a dose depois, o que gera insegurança", afirma Oliveira. Para ele, a MaxMilhas só retornará ao nível de atividade pré-crise em 2021.

Guerra

Para Daniel Salles, diretor da Liga Ventures, o cenário atual pode ser o surgimento de um novo tipo de liderança nas startups brasileiras: o CEO dos tempos de guerra - conceito definido pelo veterano investidor Ben Horowitz. "Muitos líderes vão ter de virar a chave e até ceder espaço para outros executivos. Por um lado, isso vai ajudar as empresas locais a ganharem uma nova casca. Por outro, algumas empresas vão ficar pelo caminho", diz ele.

Apesar do cenário ruim, os executivos ouvidos pelo Estadão não perdem o otimismo - o termo, junto de palavras como "resiliência", "adaptação" e "mudança", foi muito usado por Roveda, Lombardo e Oliveira.

Para especialistas, a crise pode ser inédita para as startups, mas elas também têm condições de ver o sol se levantar depois de a neblina ir embora. "A mudança de chave é feita de forma quase inconsciente nas startups, é um aspecto intrínseco a elas", diz Fowler, do Insper. Mas ele pondera. "É preciso tomar cuidado para que a resiliência não vire teimosia ou otimismo fora da realidade. Se a crise ensina algo, é que as empresas estão todas suscetíveis, startups ou não."

Estadão
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