Credibilidade da UE será abalada se acordo com Mercosul não sair, analisa especialista
Ao chegar a uma cúpula decisiva da União Europeia, durante a qual os países do bloco esperam alcançar um consenso sobre a assinatura do acordo comercial com o Mercosul, o presidente francês, Emmanuel Macron, reiterou a oposição de Paris ao tratado. "Devemos ser respeitados", salientou, ao ser questionado sobre a possibilidade de a Comissão Europeia insistir em ratificar o pacto, apesar da rejeição francesa.
Milhares de agricultores da França, da Bélgica e de outros países protestam contra o acordo em Bruxelas, à margem da cúpula. Houve confrontos entre manifestantes e a polícia.
"Acreditamos que os termos são insuficientes e que este acordo não pode ser assinado", declarou Macron.
A Comissão Europeia e a maioria dos países europeus, liderados pela Alemanha, esperavam concluir as negociações e assinar a nova versão do texto neste sábado (20), na cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu.
"Se hoje houver um desejo de impor o acordo, quando não temos clareza [sobre as condições estabelecidas por Paris], digo-lhes muito claramente: a França se oporá", frisou o líder francês.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, por sua vez, lamentou que "seria muito frustrante se a Europa não conseguisse chegar a um acordo com o Mercosul".
Entrevistado pela RFI, o professor-associado de Relações Internacionais Patrick Martin-Genier avaliou que o impasse abala a credibilidade da União Europeia enquanto parceira dos latino-americanos - mas não apenas diante dos países do Mercosul.
"A UE será percebida como pouco confiável. Depois de ter dado um mandato à sua presidente, que negociou cláusulas de salvaguarda aceitas pelo Parlamento Europeu, hoje nos dizem que estas cláusulas não são suficientes, que não fazem sentido. Então, sim, isso pode afetar consideravelmente a credibilidade da União Europeia no cenário internacional, sugerindo que não se pode confiar na Europa para assinar contratos", ressaltou o autor de L'Europe a-t-elle un avenir ? ("A Europa tem futuro?", em tradução livre) e especialista em política europeia.
Cláusulas incluídas no texto não bastam
Para ele, o acordo seria positivo para os dois lados, ao reduzir significativamente as tarifas de importação do comércio. "A Europa não consegue falar a uma só voz, mesmo depois de ter dado um mandato muito claro à presidente da Comissão Europeia e aos sucessivos presidentes do executivo europeu durante anos", reiterou.
A França exigiu a inclusão de novas cláusulas de salvaguarda no acordo, como um mecanismo de "freio de emergência" das importações de produtos agrícolas na UE, em caso de "desestabilização" dos mercados devido à entrada da concorrência. A fiscalização sanitária nas fronteiras também será reforçada a partir de 1º de janeiro de 2026.
Mesmo assim, Paris exige ainda "cláusulas-espelho" para garantir a "reciprocidade" em termos de normas sanitárias e ambientais de produção. Bruxelas também trabalhou para promover melhorias neste aspecto, e novas reuniões estão marcadas para janeiro. "Ainda não estamos prontos", enfatizou Emmanuel Macron.
Minoria qualificada para barrar o tratado
Para bloquear a assinatura do tratado, é preciso que seja formada uma minoria qualificada de países europeus, representando pelo menos 35% da população da União Europeia. Na quarta-feira, a Itália indicou que considerava "prematuro" fechar o acordo já nesta semana, sinalizando que poderia se alinhar à França, Polônia e Hungria, os principais opositores ao texto. Não está claro se Ursula von der Leyen insistiria em passar por cima da França se esta minoria qualificada não fosse atingida.
Patrick Martin-Genier observa que, assim como o acordo com o Mercosul, os europeus também exibem suas divisões quando o assunto é a ajuda à Ucrânia, outro tema importante da cúpula de dois dias em Bruxelas. "Todos concordam em ajudar a Ucrânia, mas não da mesma maneira", disse o professor. "Acredito que a Europa, infelizmente, está muito enfraquecida. Ela foi marginalizada; está completamente fora do jogo nessas negociações de paz na Ucrânia", indicou o especialista.