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Disputa de mastros e alto-falantes com K-pop: as pequenas picuinhas do conflito entre as Coreias

Em meio a tentativas de aproximação, veja como iniciativas de valor simbólico e provocações bilaterais marcaram as relações entre os dois países.

26 abr 2018 - 16h27
(atualizado às 17h01)
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Kim Jong-un e Moon Jae-in: líderes ficarão frente a frente em negociações entre Coreias do Norte e Sul
Kim Jong-un e Moon Jae-in: líderes ficarão frente a frente em negociações entre Coreias do Norte e Sul
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As Coreias do Sul e do Norte estão se preparando para sua primeira reunião de negociações bilaterais de alto nível em mais de uma década. Após anos de aumento das tensões e da retórica beligerante, o encontro tem sido visto como uma rara oportunidade de consenso e pacificação entre os países.

Como nunca houve um tratado de paz após o fim da Guerra da Coreia, em 1953, os dois países sequer têm relações diplomáticas formais. Uma tentativa de aproximação chegou a ser reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz nos anos 1990, mas fracassou à medida que a política sul-coreana mudou de rumo e o governo norte-coreano passou a demonstrar ambições nucleares consideradas ilegais por grande parte da comunidade internacional.

Ao mesmo tempo, ao longo dos anos, os dois lados também entraram em uma "pequena guerra" de provocações que não causaram danos significativos, mas visaram a irritar o outro lado - com técnicas remanescentes da Guerra Fria entre União Soviética e EUA.

"Essas demonstrações são uma válvula de escape competitiva e importante entre os dois lados, fora de um possível conflito militar", diz à BBC o analista Ankit Panda.

"O que parece picuinha para pessoas de fora tem um valor simbólico importante e até mesmo eficiência operacional. Os dois países são radicalmente diferentes em sua ideologia e veem valor em exercitar a primazia de seus sistemas de governo."

Eis aqui alguns exemplos de tentativas de pequena escala de ambos os lados em "marcar pontos" contra o adversário:

Alto-falantes

Os dois países lutam há anos em uma espécie de "guerra auditiva".

Enormes alto-falantes sul-coreanos instalados na fronteira com o Norte costumavam transmitir desde canções em estilo K-pop (como é chamado o pop sul-coreano) até boletins climáticos e noticiário crítico ao vizinho comunista. Os equipamentos foram desligados neste mês, no contexto da retomada das negociações bilaterais e da decisão de Pyongyang de suspender os testes nucleares.

Em diferentes momentos da tumultosa relação, os dois lados ligaram alto-falantes para falar mal um do outro
Em diferentes momentos da tumultosa relação, os dois lados ligaram alto-falantes para falar mal um do outro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O Norte costuma praticar atividade semelhante, transmitindo por seus alto-falantes discursos críticos a Seul e aliados - mas eles costumam ser mais difíceis de serem escutados, possivelmente pela qualidade inferior dos equipamentos. E, segundo moradores da região de fronteira, Pyongyang também interrompeu a prática recentemente.

A disputa sonora já havia sido interrompida em ocasiões anteriores, mas, em 2015, as transmissões dos alto-falantes acabaram sendo retomadas por Seul depois que dois soldados do país foram feridos por minas terrestres colocadas pelo Norte na Zona Desmilitarizada (DMZ) entre os países, e, em 2016, como resposta ao teste de uma bomba de hidrogênio por Pyongyang.

Os alto-falantes geralmente têm como foco de suas transmissões os guardas de fronteira, mas o som também pode ser escutado por cidadãos que moram perto da DMZ.

"Eles ficavam ligados dia e noite, e abalavam o moral de alguns soldados norte-coreanos ao impedir que eles dormissem ou deixando-os exaustos de ouvir (as transmissões) o dia inteiro", diz à BBC James Kim, do Instituto Asan de Estudos Políticos. "Então, a preocupação da Coreia do Norte é quanto ao impacto psicológico disso."

O Sul ainda não deixou claro se pretende retomar as transmissões quando as reuniões de negociação forem concluídas.

Mastros

Depois de o Sul erguer um enorme mastro de bandeira, o Norte construiu um ainda maior
Depois de o Sul erguer um enorme mastro de bandeira, o Norte construiu um ainda maior
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Durante os anos 1980, o governo sul-coreano construiu um mastro de 97 metros de altura para hastear sua bandeira no povoado de Daesong-dong, na fronteira com o Norte.

O Norte respondeu com a construção de um mastro ainda mais alto (160 m) na cidade fronteiriça de Gijung-dong.

"É um bom exemplo de um lado tentando superar o outro", diz James Kim. "Dito isso, pode ser que tenha sido muito significativo para a Coreia do Norte construir um mastro maior, mas é possível que o Sul não tenha ligado muito."

Propaganda em balões

Tanto o Norte quanto o Sul têm um amplo histórico de envio de balões de propaganda ao lado adversário.

No Sul, esses balões são disparados com frequência por desertores norte-coreanos, grupos conservadores ou religiosos, contendo desde panfletos de propaganda até biscoitos de chocolate.

Os balões adentram quilômetros do território e são "muito eficientes", na visão de Alex Gladstein, cuja organização promove a iniciativa Flash Drives for Freedom ("pen drives pela liberdade", em tradução livre), tática que envia ao Norte, pelo ar, pen drives com filmes, programas de TV, documentários e cenas da vida cotidiana no Sul. O objetivo é driblar a censura a esse tipo de material, que vigora por ordem do governo norte-coreano.

O vizinho também envia balões ao Sul: em 2016, centenas de panfletos elogiando o Norte foram encontrados em Seul, pouco antes do 7º Congresso do Partido Trabalhador norte-coreano.

Balões com propaganda anti-Pyongyang disparados por ativistas, que enviam até pen drives com programas de TV sul-coreanos
Balões com propaganda anti-Pyongyang disparados por ativistas, que enviam até pen drives com programas de TV sul-coreanos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Já vi esses panfletos de propaganda algumas vezes no centro de Seul. É algo interessante e novo (para os sul-coreanos), mas não é visto como algo que ameace seu estilo de vida", prossegue Kim.

"Já para os norte-coreanos, esses panfletos são muito importantes. A ideologia é muito importante para eles, é o que mantém o regime. Então, eles talvez considerem isso mais ameaçador do que uma resposta militar de pequena escala."

Agentes secretos

Em 2016, a emissora Pyongyang Radio Station reiniciou transmissões codificadas que haviam sido interrompidas por 16 anos, irritando o governo do Sul.

Essas transmissões consistem em números, que são então "traduzidos" por quem detém os códigos - em geral, agentes secretos.

O que explica a retomada dessa prática, após 16 anos?

Os números voltaram a ser transmitidos aparentemente como retaliação ao anúncio, no ano passado, de que EUA e Coreia do Sul instalariam uma bateria de mísseis defensivos. Em resposta às transmissões, o Sul disse ao Norte para "desistir de tais práticas".

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