Dono da 4ª maior rede de supermercados da França ameaça boicotar produtos do Mercosul
O presidente das Cooperativas U, quarta maior rede de supermercados da França, afirmou nesta terça-feira (16) que vai boicotar produtos sul-americanos em caso de entrada em vigor do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. O anúncio ocorre em meio ao impasse entre Bruxelas e Paris sobre o tratado de livre-comércio com quatro países da América do Sul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai), que a Comissão Europeia pretende assinar no fim da semana.
"Não compraremos esses produtos se eles chegarem à França", declarou o CEO das Cooperativas U, Dominique Schelcher. "Não vamos comprar produtos da América do Sul se houver equivalentes franceses no mercado", disse ele à rede de rádio e televisão RMC/BFMTV.
"O Mercosul é como se fosse uma Shein da concorrência desleal", afirmou, em referência ao gigante asiático do comércio online, muito criticado. "Quando obrigamos agricultores a produzir com um certo número de normas, com restrições que são pesadas, mas autorizamos a chegada de produtos com restrições menores, isso é uma forma de concorrência desleal", avaliou. "É preciso se proteger", disse Dominique Schelcher.
As declarações acontecem no momento em que o bloco europeu organiza votações decisivas que podem determinar a assinatura do tratado com o Mercosul. Nesta terça-feira, o Parlamento Europeu aprovou uma série de medidas de salvaguarda reforçadas para limitar o impacto do acordo sobre os agricultores do bloco. A decisão deve facilitar a votação do texto final pelos chefes de Estado e de governo dos 27 países da UE na quinta-feira (18), em Bruxelas, apesar da oposição da França e da Itália.
O tratado original favorece as exportações europeias de automóveis, máquinas, vinhos e bebidas destiladas. Em contrapartida, o texto facilita a entrada na Europa de carne, açúcar, arroz, mel e soja sul-americanos, o que preocupa os setores agrícolas.
"Concordamos que haja tratados, trocas internacionais sobre um certo número de produtos. Mas não podemos fazer isso correndo o risco de enfraquecer os nossos produtores e a nossa economia", defendeu Dominique Schelcher, que incitou os consumidores a priorizarem produtos franceses, especialmente nas compras de Natal, para apoiar os agricultores.
França pede adiamento da assinatura do pacto
Paris solicitou no domingo à União Europeia o adiamento da assinatura do pacto, que dirigentes europeus e sul-americanos gostariam de concretizar no próximo sábado (20), durante a Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, espera viajar ao Brasil para a conclusão das discussões. Ela conta com o apoio da Alemanha, que também pressiona pela assinatura do acordo, negociado há 25 anos.
Tudo dependerá da Itália, que tem oscilado nos últimos meses. A chefe do governo italiano, Giorgia Meloni, "tem as chaves" desse dossiê, destacou anonimamente um diplomata europeu.
Nos bastidores, Berlim e o Executivo europeu tentam convencer Roma a apoiar o tratado, declarou nesta terça-feira um eurodeputado, acrescentando que o pacto estaria comprometido se não for assinado rapidamente.
Classe política francesa se mobiliza contra acordo
O Senado francês votou maciçamente nesta terça-feira uma resolução incitando o governo a acionar a Corte de Justiça da União Europeia para "barrar" o acordo de livre-comércio com o Mercosul.
A resolução do Senado, não vinculativa para o governo, pede que o Executivo se oponha ao acordo e que "solicite o parecer da Corte de Justiça da União Europeia" (CJUE). O Senado considera que o procedimento adotado pela Comissão Europeia pode ser "incompatível" com os tratados europeus.
O governo francês, representado pelo ministro do Comércio Exterior, Nicolas Forissier, confirmou que "o acordo [de livre-comércio com o Mercosul] não está à altura", mas também afirmou que não seria "necessário" nem "urgente" acionar a CJUE. Segundo ele, essa ação "não teria efeito suspensivo". "Precisamos obter resultados concretos imediatamente", disse.
A oposição ao acordo abrange todas as forças políticas francesas. Uma resolução pedindo ao governo que barrasse o processo já havia sido apresentada pelo partido de esquerda radical França Insubmissa (LFI). O texto havia sido aprovado na Assembleia Nacional no fim de novembro, sem impacto concreto.
A líder do partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), Marine Le Pen, também pediu nesta terça-feira que o presidente francês Emmanuel Macron "diga não" ao acordo UE-Mercosul, em vez de buscar um adiamento para 2026. "É preciso dizer não, porque está em jogo a sobrevivência da nossa agricultura e, portanto, da soberania do nosso país", insistiu a chefe do grupo RN diante de jornalistas na Assembleia Nacional.
Com agências