Liberdade automática, indenização e inelegibilidade: entenda como funciona a anistia na prática
Ao Terra, o professor de Direito Penal Rafael Paiva explicou os detalhes de como a anistia é executada
Tramita na Câmara um projeto de lei de anistia para os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, que pode beneficiar Jair Bolsonaro; o STF será responsável por avaliar a constitucionalidade e os limites dessa medida.
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pretende dar anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. O texto, que está sendo elaborado pelo relator Paulinho da Força (Republicanos-SP), poderá alcançar também o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado. Após aprovação na Câmara, a proposta ainda seguirá para o Senado e, em seguida, poderá ser sancionada ou vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo que vire lei, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) avaliar a sua constitucionalidade.
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Para entender os efeitos práticos da medida, o professor de Direito Penal Rafael Paiva explica ao Terra que a anistia é uma forma de extinguir a punibilidade. "Isso significa que a pena deixa de ser exigida e, se já estiver em execução, ela é cessada. O STF entende que a anistia atua de forma mais ampla que o indulto (que só extingue a pena), porque apaga o crime em si".
Como a anistia é aplicada
Segundo o professor, a aplicação da anistia depende de decisão judicial. "O condenado precisa de uma decisão judicial que reconheça a aplicação da anistia ao seu caso. A defesa normalmente peticiona ao juízo da execução penal ou ao juízo que proferiu a condenação, pedindo o reconhecimento da anistia".
O prazo para que um beneficiado deixe a prisão pode variar, conforme o especialista. "Se a lei é clara e o enquadramento é evidente, o juiz pode conceder em poucos dias ou semanas após a publicação da lei. Mas, se houver disputa sobre se a pessoa está ou não abrangida pela anistia, o processo pode demorar meses".
Direitos e efeitos secundários
Paiva esclarece que a anistia extingue não apenas a pena, mas também os efeitos secundários da condenação, como a perda de direitos políticos e confisco de bens. Portanto, no caso de Bolsonaro, uma vez anistiado, ele poderia se tornar elegível após 2030. Isso porque sua inegebilidade foi inicialmente instaurada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em 2023, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Além disso, o beneficiado volta a ter ficha limpa. "A anistia extingue a punibilidade e, por consequência, afasta os efeitos penais da condenação, inclusive para fins de antecedentes criminais e de inelegibilidade".
Questionado se a anistia poderia gerar indenização aos condenados, o professor é categórico: "A anistia não gera automaticamente direito à indenização. A indenização só ocorreria se houvesse comprovação de erro judiciário, ou se a própria lei de anistia previsse indenização, como ocorreu na Lei 10.559/2002, para perseguidos políticos da ditadura. Se a lei não mencionar indenização, não há pagamento".
Possíveis disputas e limites constitucionais
O alcance da medida poderá gerar disputas judiciais. se houver dúvidas sobre o alcance, por exemplo, se ela cobre crimes como terrorismo ou atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito, o Ministério Público pode contestar e os casos podem ser judicializados, aponta Paiva. "O STF pode ter a palavra final sobre o alcance da lei".
O Supremo também poderá limitar ou até derrubar a anistia, caso a considere inconstitucional. "O STF pode declarar inconstitucional uma lei de anistia se ela violar cláusulas constitucionais -- por exemplo, se anistiar crimes que a Constituição proíbe de serem anistiados (tortura, crimes hediondos, racismo, crimes contra a humanidade). O STF também pode interpretar de forma restritiva o alcance da lei, limitando quem é beneficiado".
Por fim, Paiva observa que, em tese, não há impedimento constitucional para diminuir as sentenças dos condenados do 8 de janeiro, como tem sido debatido na Câmara.
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