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Bolsonaro foi alvo de operação da PF na manhã desta sexta-feira, 18  Foto: Buda Mendes/Getty Images

STF condena Bolsonaro a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado

Quatro ministros da Primeira Turma consideraram o ex-presidente culpado por trama golpista após as eleições de 2022

Imagem: Buda Mendes/Getty Images
  • Isabella Lima Isabella Lima
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11 set 2025 - 18h07
(atualizado às 19h44)

Em um julgamento histórico, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, por 4 votos a 1, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à pena de 27 anos e três meses de prisão pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Esta é a primeira vez na história do Brasil que um ex-chefe de Estado é condenado por crimes de tentativa de golpe.

Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, está em prisão domiciliar
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, está em prisão domiciliar
Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

Dos 27 anos e 3 meses de pena, ficou determinado que 24 anos e 9 meses são de reclusão (em regime fechado). E 2 anos e 9 meses de detenção (ou seja, em regime semiaberto ou aberto).

Além da decisão desta quinta-feira, 11, Bolsonaro já estava inelegível até 2030 devido a uma condenação anterior do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político durante as eleições de 2022. Ele também segue em prisão domiciliar por decisão do ministro Alexandre de Moraes, após descumprir medidas cautelares.

A condenação ocorre em um dos momentos de maior vulnerabilidade do ex-presidente. Ele está com tornozeleira eletrônica, sob restrição de circulação e com acesso às redes sociais bloqueado desde 18 de julho. As medidas foram tomadas sob a acusação de tentativa de coação no curso do processo, obstrução da Justiça e ataque à soberania nacional. A decisão ocorreu na esteira de esforços do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto ao presidente americano Donald Trump para obter uma interferência no julgamento. 

Esses esforços de Eduardo e apoiadores resultaram em sanções dos EUA contra o Brasil e ministros da Corte, mas não interferiram no resultado que condenou Bolsonaro. 

Um dos maiores alvos de ataques de bolsonaristas e das ameaças e sanções norte-americanas, Moraes foi o primeiro a votar pela condenação. Ele rejeitou as preliminares da defesa e manteve uma postura firme e incisiva ao concluir que "não há dúvida de que houve tentativa de golpe".

Entre as evidências, citou a agenda do general Augusto Heleno com registros sobre "o planejamento prévio da organização criminosa de fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas"; o plano "Punhal Verde Amarelo", que previa o assassinato de autoridades como Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e o próprio Moraes; a "Operação Luneta", com detalhamento tático do golpe; transcrições de áudios entre militares sobre as operações 'Punhal Verde e Amarelo' e 'Copa 2022'; e diálogos entre Alexandre Ramagem e Bolsonaro.

Moraes votou pela condenação de todos os réus por todos os crimes, afirmando que as provas apontam o ex-presidente como "líder da organização criminosa".

"Nós estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa, constituída por um grupo político, não sabe perder eleições. Porque uma organização criminosa constituída por um grupo político liderado por Jair Bolsonaro não sabe que é um princípio democrático e republicano a alternância de poder".  — Alexandre de Moraes

Em seguida, o ministro Flávio Dino acompanhou o relator. Em seu voto, ironizou as pressões do governo de Donald Trump e rebateu ataques e críticas à Corte. "Espanto alguém imaginar que alguém chega no Supremo e vai se intimidar com um tweet. Será que as pessoas acreditam que um tweet de uma autoridade de um governo estrangeiro vai mudar um julgamento no Supremo? Será que alguém imagina que um cartão de crédito ou o Mickey vão mudar o julgamento no Supremo?", criticou o magistrado.

Apesar de ter votado pela condenação de todos os réus, Dino defendeu penas menores para Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira por "menor participação na trama golpista". Afirmou ainda que "esses crimes já foram declarados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto, de anistia".

Em divergência durante o voto mais longo entre os ministros, que durou cerca de 14 horas, Luiz Fux absolveu Bolsonaro e outros cinco dos oito réus do núcleo considerado crucial para o plano de golpe pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele condenou apenas o tenente-coronel Mauro Cid e Walter Braga Netto por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.

Quarta a votar, a ministra Cármen Lúcia também votou pela condenação de todos os réus. Ela destacou o "acervo enorme de provas" e afirmou que "ficou largamente demonstrada" a participação de todos os acusados na trama golpista. A magistrada também caracterizou o processo como único, pois nele "pulsa o Brasil que me dói", e finalizou defendendo a resistência democrática ao declarar que "o Brasil só vale a pena porque nós estamos conseguindo ainda manter o Estado Democrático de Direito".

Ao fechar a votação, o ministro Cristiano Zanin, presidente da turma, analisou o conjunto probatório e endossou por completo a acusação feita pela PGR contra os réus do "núcleo crucial" da trama. Com seu voto, a condenação de Bolsonaro e dos outros sete acusados por tentativa de golpe e crimes contra a democracia foi confirmada por 4 votos a 1. A única exceção foi o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, que, por ser deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro, teve o processo em relação aos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado suspenso em função de sua prerrogativa de foro.

Do quartel à política: a origem militar de Bolsonaro

Há quase quatro décadas, Jair Bolsonaro cumpriu pena de prisão. O fato ocorreu em setembro de 1986, período em que ele tinha a patente de capitão do Exército. A detenção foi consequência da publicação de um artigo de sua autoria na revista Veja, no qual ele criticava a remuneração dos militares. O ato foi interpretado como uma violação do regulamento da corporação, que proíbe oficiais de se manifestarem publicamente sobre política ou questões internas da instituição.

Artigo na revista Veja assinado por Jair Bolsonaro com críticas ao salário dos militares
Artigo na revista Veja assinado por Jair Bolsonaro com críticas ao salário dos militares
Foto: Reprodução/Veja

O então capitão foi processado por transgressão disciplinar e hierárquica, recebendo como punição o encarceramento. Curiosamente, foi nesse mesmo texto que Bolsonaro empregou pela primeira vez a expressão "Brasil acima de tudo", que mais tarde se tornaria um dos lemas centrais de sua carreira política. O episódio representou um indício inicial da construção da identidade pública daquele militar, que na época ainda não possuía a notoriedade que tem hoje.

Embora a infração cometida fosse tida como grave, Bolsonaro não recebeu a sentença máxima de 30 dias de prisão, por se tratar de sua primeira infração desse tipo. Sua pena foi reduzida pela metade, totalizando 15 dias de cárcere, iniciados em 1º de setembro de 1986.

De acordo com BBC News, existem poucos registros sobre as condições de seu confinamento, uma vez que o próprio ex-presidente raramente comenta o assunto. O regimento militar da época estabelecia que a prisão disciplinar deveria ser cumprida "em local próprio e designado para tal". Considerando sua patente, é provável que Bolsonaro tenha ficado em uma cela separada, diferente daquela usada por punidos de hierarquia inferior.

Pouco mais de um ano após cumprir sua pena, Bolsonaro voltou ao centro de uma controvérsia. Em outubro de 1987, a revista Veja publicou uma acusação grave: o então militar, em conjunto com outro capitão, Fábio Passos, estaria planejando detonar bombas em instalações do Exército. 

Convocado a prestar esclarecimentos na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), o ex-presidente se defendeu negando tudo e contestando o conteúdo da reportagem. Sua versão dos fatos e o respaldo que recebeu do Exército foram tema de publicações nos dias seguintes.

Em sua edição seguinte, a Veja estampou uma nova manchete: “O ministro do Exército acreditou em Bolsonaro e Fábio, mas eles estavam mentindo”. A reportagem apresentava como prova esboços manuscritos, atribuídos a Bolsonaro, que se tornaram fundamentais para a abertura de uma sindicância no interior da Força. O caso foi, então, submetido a um Conselho de Justificação.

O veredito inicial foi unânime e desfavorável: o Conselho atestou que Bolsonaro havia, de fato, mentido ao negar as conversas com a revista e confirmou a existência do plano para explodir os quartéis. A conclusão foi encaminhada ao então ministro do Exército, Leônidas Gonçalves, que endossou a decisão e determinou o afastamento de Bolsonaro e de seu parceiro, Fábio Passos.

Os militares recorreram da decisão, elevando o caso ao Superior Tribunal Militar (STM). A estratégia da defesa focou em descredibilizar os croquis, argumentando que eles não constituíam prova suficiente para vincular Bolsonaro diretamente à autoria do plano.

A tese foi bem-sucedida. Por nove votos a quatro, o STM absolveu Bolsonaro e Passos. Com a absolvição, o capitão foi reintegrado às fileiras das Forças Armadas. Sua permanência, no entanto, foi breve; poucos meses depois, ele deixaria a carreira militar definitivamente para se dedicar por completo à política.

Reportagem da Veja que abordou o envolvimento de Bolsonaro com plano de soltar bombas em quartéis
Reportagem da Veja que abordou o envolvimento de Bolsonaro com plano de soltar bombas em quartéis
Foto: Reprodução/Veja

Os primeiros passos no Legislativo e a chegada à Presidência

A trajetória que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018 teve como base uma longa atuação parlamentar centrada na defesa de bandeiras militares. Sua eleição se deu em um contexto de forte rejeição ao PT, potencializada pela prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, que foi impedido de concorrer devido a decisões judiciais vinculadas à Operação Lava Jato.

Com 57,8 milhões de votos, todos computados por urnas eletrônicas, Bolsonaro venceu o segundo turno contra o ex-prefeito Fernando Haddad, se tornou o primeiro presidente de extrema direita eleito desde a redemocratização e interrompeu um ciclo de vitórias do PT de 16 anos.

Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República nesta terça-feira (1º)
Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República nesta terça-feira (1º)
Foto: Sergio Moraes / Reuters

Sua carreira política, no entanto, havia começado décadas antes, no Rio de Janeiro. Bolsonaro estreou na vida eletiva em 1989, ao ser eleito vereador. Dois anos depois, mantendo a mesma plataforma de campanha, migrou para a Câmara dos Deputados, onde permaneceu por 28 anos e sete mandatos consecutivos, até conquistar o cargo máximo do Executivo nacional.

A carreira política dele sempre foi marcada por um estilo conservador, polêmico e de confronto com as instituições. Ele ganhou notoriedade por declarações de viés autoritário, defesa de valores tradicionais e ataques à democracia. 

Em maio de 1999, durante participação no programa Câmera Aberta, da Band Rio, à época deputado federal, Bolsonaro defendeu o fechamento do Congresso Nacional, deflagrar uma guerra civil no País e o fuzilamento de políticos, incluindo o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquela ocasião, o apresentador o questionou: "Se você fose, hoje, o presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?". E o político respondeu:

"Não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia. Não funciona! Tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma. O Congresso hoje em dia não serve pra nada, xará. Só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, então dê logo o golpe, parte logo pra ditadura", disse Bolsonaro na década de 90. 

Em outro instante, o entrevistador questionou se Bolsonaro acreditava em um futuro melhor para o Brasil, ao que o deputado respondeu: "Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada. Você só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil. Começando com FHC, não deixando ir para fora, não. Matando! Se vai morrer alguns inocentes (sic), tudo bem".

Brasília - O deputado Jair Bolsonaro discute com a deputada Maria do Rosário durante comissão geral, no plenário da Câmara dos Deputados, que discute a violência contra mulheres e meninas, a cultura do estupro, o enfrentamento à impunidade e políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento às vítimas no Brasil ()
Brasília - O deputado Jair Bolsonaro discute com a deputada Maria do Rosário durante comissão geral, no plenário da Câmara dos Deputados, que discute a violência contra mulheres e meninas, a cultura do estupro, o enfrentamento à impunidade e políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento às vítimas no Brasil ()
Foto: Agência Brasil

Além das declarações antidemocráticas, outra polêmica de grande repercussão nacional envolvendo o ex-presidente ocorreu em 2014, quando Bolsonaro também seguia no cargo de deputado. Na ocasião, ele afirmou à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela "não merecia ser estuprada" porque a considerava "muito feia". A declaração rendeu-lhe um processo judicial, no qual se tornou réu. No entanto, o caso foi arquivado pela Justiça do Distrito Federal em 2023, a pedido do Ministério Público, sob o argumento de que o crime já havia prescrito — ou seja, o prazo legal para responsabilização judicial havia expirado.

Toda essa trajetória política do ex-presidente acabou por ser tornar também sua trajetória familiar. Seus três filhos, Carlos, Renan, Flávio e Eduardo Bolsonaro, seguiram seus passos, eleitos como vereadores, senador e deputado federal, respectivamente, consolidando um clã político de influência nacional. Além disso, sua esposa, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, viria a tomar posse em 2023 como presidente do PL Mulher.

A virada em sua carreira veio com a eleição presidencial de 2018. Foi capitalizando o descontentamento popular e com uma campanha agressiva nas redes sociais, que Bolsonaro venceu o segundo turno contra Haddad, tornando-se presidente da República e conquistando milhares de apoiadores, chamados de bolsonaristas. 

Seu governo foi caracterizado por:

  • Confronto com os Poderes: Manteve ataques verbais constantes ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro insultou publicamente vários ministros da Corte, referindo-se a Alexandre de Moraes como "vagabundo", "canalha" e "ditador"; chamou Luís Roberto Barroso de "imbecil" e "idiota"; acusou Luiz Fux de promover "fake news"; e afirmou que Edson Fachin deu "tremenda colaboração ao narcotráfico".
  • Gestão da pandemia: Na pandemia, que resultou em mais de 700 mil mortes por covid-19, Bolsonaro adotou uma postura de minimização da gravidade do vírus. Ele chegou a chamá-lo de "gripezinha", simulou um paciente sem ar durante uma live, e afirmou "não ser coveiro" ao ser questionado sobre o número de vítimas. Contrariou recomendações de vacinação, distanciamento social e uso de máscaras, promoveu tratamentos sem eficácia comprovada (como a cloroquina) e travou conflitos públicos com governadores que implementaram medidas restritivas. Sua conduta foi investigada por uma CPI do Senado, que apurou possíveis crimes de responsabilidade.
  • Aliança com o Centrão: Após um início de governo conflituoso com o parlamento, formou uma sólida base de apoio no Congresso por meio de alianças com partidos do centrão (como PP, PL e Republicanos), que se reverteu em indicações a ministérios durante seu mandato. 

Em 2022, concorreu à reeleição pelo PL. Após uma disputa acirrada, na qual questionou e atacou previamente a confiabilidade das urnas eletrônicas, foi derrotado no segundo turno por Lula. Seu mandato terminou com os ataques golpistas de seus apoiadores às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Acampamentos bolsonaristas e o 8 de janeiro

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro participam de protesto em frente ao Comando Militar do Sudeste, na capital paulista. Manifestantes não reconhecem a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva e cobram intervenção militar.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro participam de protesto em frente ao Comando Militar do Sudeste, na capital paulista. Manifestantes não reconhecem a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva e cobram intervenção militar.
Foto: Tiago Queiroz/Estadão / Estadão

Imediatamente após a confirmação da vitória de Lula nas eleições de 2022, apoiadores de Bolsonaro iniciaram uma série de protestos que bloquearam estradas em todo o País. Posteriormente, os manifestantes concentraram-se em frente a quartéis militares, onde montaram acampamentos que permaneceram por aproximadamente 70 dias.

Esses acampamentos, autointitulados "QGs bolsonaristas", demandavam publicamente uma intervenção das Forças Armadas para anular o resultado das eleições, destituir ministros do STF e garantir a permanência de Bolsonaro no poder. Financiados e organizados, esses locais serviram como epicentro de discursos golpistas e de incitação à violência, radicalizando-se progressivamente até se tornarem a base operacional para os ataques de 8 de janeiro de 2023.

Naquela data, o País testemunhou um dos episódios mais sombrios de sua história recente: a invasão e depredação às sedes do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF. Os atos de vandalismo tinham como objetivo concretizar as demandas propagadas nos acampamentos: a anulação das eleições, a decretação de um novo Ato Institucional Nº 5 (AI-5) e a deposição de Moraes.

Inspirados pelos protestos que ocorriam em quartéis pelo Brasil, os manifestantes em Brasília continuavam a pedir intervenção militar e a disseminar teorias conspiratórias e desinformação. Paralelamente, o processo democrático seguiu seu curso: Lula foi diplomado, empossado e tornou-se oficialmente o novo presidente.

O saldo dos ataques resultou em mais de 1.400 detidos. Ao todo, 141 permanecem presos e outros 44 seguem em prisão domiciliar, de acordo com dados do STF. Até agora, 638 pessoas foram julgadas e condenadas e outras 552 admitiram a prática de crimes menos graves e fizeram acordo com o Ministério Público Federal (MPF).

"Só saio vitorioso, preso ou morto"

O presidente Jair Bolsonaro se mantém em silêncio horas após a derrota para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente Jair Bolsonaro se mantém em silêncio horas após a derrota para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: Wilton Junior / Estadão / Estadão

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro sustentou durante o processo que não "há uma única prova" vinculando-o ao "Punhal Verde Amarelo", à "Operação Luneta" ou aos ataques de 8 de janeiro. Seu advogado, Celso Vilardi, argumentou que não existem evidências que ligassem Bolsonaro a esses atos antidemocráticos ou aos protestos em quartéis.

Em contraponto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou declarações do ex-presidente que considerou provas de sua indisposição em aceitar resultados eleitorais. Destaque para seu pronunciamento em 2021 no 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos de Goiás:

"Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza que a primeira alternativa não existe. Estou fazendo a coisa certa e não devo nada a ninguém. Sempre onde o povo esteve, eu estive", disse Jair Bolsonaro em 2021.

Em junho, durante interrogatório no STF, Bolsonaro admitiu ter discutido "possibilidades" para contestar as eleições de 2022, mas afirmou que todas as ações seriam "dentro da Constituição" e negou qualquer plano golpista.

O ex-presidente detalhou que foram realizadas reuniões para discutir uma possível decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), justificadas pela preocupação com paralisações de caminhoneiros e manifestações em frente ao Quartel-General do Exército após a vitória de Lula.

Bolsonaro afirmou que todas as discussões teriam respeitado limites jurídicos e que, percebendo a inviabilidade, abandonaram a ideia da GLO após algumas reuniões. Confirmou ainda que, em 7 de dezembro de 2022, foram projetados "de forma rápida" os considerandos de uma minuta de decreto em reunião com comandantes militares no Alvorada, mas que a discussão "começou sem força, de modo que nada foi para frente".

A PGR interpretou essas admissões de forma oposta à defesa. Em seu parecer, afirmou que "A fala de Jair Bolsonaro [em interrogatório] consiste em clara confissão de seu intento antidemocrático, uma vez que o inconformismo com medidas judiciais jamais poderia servir de fundamento para a cogitação de medidas autoritárias".

Bolsonaro ao lado dos filhos Flávio, Jair Renan e Carlos em ato na Paulista
Bolsonaro ao lado dos filhos Flávio, Jair Renan e Carlos em ato na Paulista
Foto: Tiago Queiroz/Estadão / Estadão

Condenado: um lugar na história que outros presidentes já ocuparam

Bolsonaro tornou-se o terceiro ex-presidente brasileiro condenado à prisão, seguindo Fernando Collor  e Lula. Fernando Collor foi condenado pelo STF em 2021 a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. O processo apontou que Collor, durante seu mandato como senador por Alagoas (2007-2023), atuou como intermediário para viabilizar contratos irregulares entre a BR Distribuidora e a UTC Engenharia entre 2010 e 2014.

Luiz Inácio Lula da Silva ao lado do então advogado, Cristiano Zanin, no momento em que foi expedido mandado de prisão contra o petista
Luiz Inácio Lula da Silva ao lado do então advogado, Cristiano Zanin, no momento em que foi expedido mandado de prisão contra o petista
Foto: Felipe Rau/Estadão / Estadão

Já Lula teve dois episódios de prisão em sua trajetória. O primeiro foi em 1980, durante a ditadura militar, quando ficou 31 dias detido sob a Lei de Segurança Nacional por organizar greves como líder sindical. O segundo ocorreu entre 2018 e 2019, durante a Operação Lava Jato. Condenado a 12 anos pelo caso do triplex do Guarujá, Lula cumpriu 580 dias de prisão em Curitiba. Enquanto preso, recebeu outra condenação pelo caso do sítio de Atibaia.

Em 2019, o STF revisou as regras de prisão após segunda instância e ordenou sua soltura. Dois anos depois, em 2021, o mesmo tribunal anulou todas as condenações por reconhecer a parcialidade do então juiz Sergio Moro e a incompetência da Justiça de Curitiba para julgar os casos.

Com a anulação dos processos, Lula teve seus direitos políticos restabelecidos, o que permitiu sua candidatura e sua eleição em 2022. Tecnicamente, não houve absolvição, mas sim a invalidação judicial dos processos por vícios formais.

A busca por anistia 

Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas em ato na Paulista em 2024
Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas em ato na Paulista em 2024
Foto: Tiago Queiroz/Estadão / Estadão

A maioria dos eleitores (55%) é contra a anistia dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, segundo pesquisa do Datafolha divulgada em agosto. Apesar de majoritária, a rejeição já foi maior: atingiu 63% em março de 2023, mas recuou após o julgamento de Débora Rodrigues dos Santos, condenada a 14 anos de prisão por pichar a estátua do STF com um batom. Seu caso tem sido usado por bolsonaristas para criticar a extensão das penas.

Ainda de acordo com o Datafolha, 34% dos brasileiros defendem as penas aplicadas e 25% consideram que deveriam ser ainda mais severas — somando 59% de aprovação ao tratamento judicial dado aos crimes. Outros 36% acham as punições excessivas. Dados do Genial/Quaest reforçam essa tendência: 56% defendem que os envolvidos cumpram suas penas integralmente.

Apesar da reprovação popular, a pauta da anistia ganhou força entre apoiadores do ex-presidente ainda em 2024, quando o entorno do ex-presidente já esperava pela condenação. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tornou-se um dos principais articuladores da proposta, em meio à sua tentativa de angariar apoio bolsonarista para uma eventual candidatura presidencial em 2026.

Nos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) defende abertamente a anistia e articula sanções internacionais contra o Brasil, como a taxação de 50% sobre produtos brasileiros e a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes, além da perda de vistos de outros ministros do STF.

A pressão pela votação do projeto intensificou-se após a decretação da prisão domiciliar de Bolsonaro, em agosto, quando parlamentares aliados chegaram a paralisar os trabalhos no Congresso. No dia 7 de setembro, a anistia foi a principal reivindicação dos atos bolsonaristas, que pressionam o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), para pautar a matéria.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirmou ao Terra que, embora considere improvável o retorno eleitoral de Bolsonaro em 2026, uma anistia ou indulto futuro poderia abrir caminho para que ele "retorne para liderar o país num futuro próximo".

Fonte: Redação Terra
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