Otan não atacou navio do Brasil; vídeo distorce informações sobre operação policial de Portugal
AÇÃO PORTUGUESA COM APOIO DA POLÍCIA FEDERAL INTERCEPTOU BARCOS DE PESCA DO BRASIL COM 7 TONELADAS DE COCAÍNA PERTO DA ILHA DA MADEIRA
O que estão compartilhando: que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) teria atacado um navio do Brasil, deixando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "em desespero". Além disso, a Marinha da França teria interceptado duas embarcações brasileiras com sete toneladas de cocaína próximo à Ilha da Madeira, em Portugal.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Não há qualquer registro de que a Otan tenha atacado um navio do Brasil. O caso mais recente de ataque da Otan a uma embarcação é do final de novembro, quando um submarino afundou um navio fora de operação no mar da Noruega em um exercício militar.
A interceptação de barcos brasileiros com cocaína foi uma ação da Polícia Judiciária de Portugal, em parceria com a Polícia Federal do Brasil. Os agentes apreenderam nos dias 17 e 20 de novembro dois barcos pesqueiros que tinham partido de Santa Catarina em direção à Península Ibérica. Eles levavam, juntos, sete toneladas de cocaína. Os dez tripulantes, todos brasileiros e sem antecedentes criminais, foram presos.
Saiba mais: O conteúdo que viralizou no TikTok e no Facebook distorce informações de uma operação verdadeira para afirmar, sem provas, que a Otan teria atacado uma embarcação do Brasil. O ataque teria ocorrido num momento em que o governo Lula é pressionado a reconhecer facções criminosas como o PCC e o Comando Vermelho como organizações terroristas.
Além de inventar que a Otan teria atacado o Brasil, o vídeo engana ao afirmar que as embaixadas de Portugal e da França teriam exigido reuniões urgentes com o Ministério das Relações Exteriores para tratar da classificação das facções criminosas como terroristas.
Otan não fez ataque a navio brasileiro
O registro mais recente de ataque da Otan a um navio é do dia 15 de novembro deste ano. Nesta data, a organização divulgou um vídeo que mostra um navio fora de operação afundando após ser atingido pelo disparo de um torpedo lançado a partir de um submarino. O torpedo foi lançado no mar da Noruega durante um exercício militar para "demonstrar o poder de ataque".
O Verifica fez buscas por ataques da Otan contra embarcações brasileiras e não encontrou registros. Não há qualquer menção a episódios como esse nos comunicados oficiais disponibilizados no site oficial da organização.
Apreensão de barcos com cocaína foi feita por Portugal
A narração do vídeo viral afirma que duas embarcações brasileiras com drogas foram interceptadas pela França. Na realidade, a operação foi feita pela Polícia Judiciária de Portugal, em cooperação com a Polícia Federal do Brasil, com órgãos dos EUA e entidades internacionais. Não houve participação direta da França, nem da Otan.
A informação sobre as embarcações com cocaína partiu do Maritime Analysis and Operations Centre (Narcotics), uma iniciativa de oito países europeus: Bélgica, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Espanha, Holanda e Portugal.
A Marinha de Portugal, que também colaborou com a operação, informou que o primeiro barco pesqueiro foi interceptado no dia 17 de novembro, transportando 4,5 toneladas de cocaína. O segundo foi encontrado na mesma região, próximo da Ilha da Madeira, no dia 20, com mais 2,5 toneladas da droga.
Segundo a Polícia Federal do Brasil, o compartilhamento de informações com as autoridades estrangeiras permitiu a localização das duas embarcações ainda no Oceano Atlântico.
Representante da Polícia Judiciária de Portugal, Artur Vaz disse em entrevista coletiva no dia 22 de novembro que a droga apreendida seria transferida ainda em alto mar para lanchas de alta velocidade que, por sua vez, fariam a distribuição na costa de países europeus.
Todos os tripulantes que estavam nos dois barcos eram brasileiros e foram presos. O adido da Polícia Federal em Portugal, delegado Antônio Castilho, disse que nenhum deles tinha antecedentes criminais, o que é um modus operandi comum de organizações criminosas para ações como essa.
O Verifica consultou reportagens sobre a Operação Renascer na imprensa de Portugal e nenhum veículo publicou que a apreensão tenha sido feita pela França ou que os barcos tenham sido atacados pela Otan (1, 2, 3).
Não há registro de reuniões das Embaixadas da França e Portugal com o Itamaraty
Em um trecho do vídeo viral, o narrador afirma que, após a interceptação, as embaixadas da França e de Portugal agendaram reuniões urgentes com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil "para discutir medidas preventivas contra o financiamento do terrorismo via narcotráfico". Ainda segundo o vídeo, o verdadeiro objetivo das embaixadas seria exigir a redesignação de facções criminosas como organizações terroristas.
A reportagem procurou o Ministério das Relações Exteriores para falar sobre o assunto, mas a pasta sugeriu que fossem procuradas as embaixadas dos dois países. Elas foram acionadas, mas não responderam até a publicação deste texto.
Não há nenhum registro de reunião feita entre embaixadores da França e de Portugal com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Mauro Vieira, desde a primeira interceptação, em 17 de novembro, até 4 de dezembro.
Além disso, não há agendas dos embaixadores da França e de Portugal com o chefe de gabinete do ministro, embaixador Ricardo de Souza Monteiro; com o assessor especial do ministro, Bruno Henrique Neves Silva; com a secretária-geral das Relações Exteriores, embaixadora Maria Laura da Rocha; nem com o secretário de Europa e América do Norte, embaixador Roberto Abdalla.