MPF arquivou um caso de suspeita de corrupção durante governo Bolsonaro; há outros três em aberto
POSTAGEM ENGANA AO FAZER PARECER QUE TODAS AS INVESTIGAÇÕES ENVOLVENDO A GESTÃO DO EX-PRESIDENTE TERIAM SIDO ARQUIVADAS
O que estão compartilhando: que o Ministério Público Federal (MPF) teria confirmado que não tem provas de corrupção no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso, porque a decisão do MPF diz respeito a apenas um caso de suspeita de corrupção envolvendo o governo do ex-presidente. O Verifica encontrou outros três processos em aberto. Um deles apura a existência de um gabinete paralelo dentro do Ministério da Educação (MEC), que teria sido usado para liberar verbas públicas em troca de propina. Há ainda um processo no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre indícios de superfaturamento na compra de veículos blindados pelo governo federal. Ambos os casos ainda estão na fase de coleta de provas.
Saiba mais: O MPF decidiu arquivar, por falta de provas, a investigação sobre supostos pagamentos de propinas envolvendo negociações do acordo Brasil-Paraguai em Itaipu. O caso virou alvo de investigação em 2021.
O vídeo enganoso não explica que o arquivamento foi apenas de um caso. Ao longo do mandato de Bolsonaro, surgiram outras suspeitas de corrupção que ainda estão sob investigação.
Na legenda da postagem, o autor do vídeo sugere que Bolsonaro teria sido preso injustamente, porque "até agora ninguém provou" que houve tentativa de golpe de Estado, o que não é verdade.
As provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que ligam o ex-presidente ao crime foram consideradas suficientes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para condená-lo a 27 anos e 3 meses de prisão.
Postado no dia 1º de dezembro, o conteúdo que viralizou no Instagram ultrapassou 200 mil visualizações. O autor da publicação foi procurado, mas não retornou contato.
MPF arquivou um caso específico
O MPF arquivou, em sessão do dia 21 de agosto, uma investigação sobre suspeita de pagamentos de propinas envolvendo a renegociação do Tratado de Itaipu, em 2019, entre os governos de Brasil e Paraguai. A decisão do órgão diz (leia na íntegra abaixo) que o inquérito policial não encontrou provas nem de corrupção ativa em transação comercial internacional, nem de tráfico de influência em transação comercial internacional.
Em outubro de 2021, o MPF havia decidido instaurar um inquérito civil (leia no documento abaixo) para apurar possível improbidade administrativa praticada pelo então agente público Alexandre Luiz Giordano. Ele teria agido em benefício do Grupo Léros e com a participação do advogado paraguaio José Miguel Rodriguez González.
González disse ao jornal paraguaio ABC Color que Giordano se apresentou como representante do governo brasileiro durante uma reunião com dirigentes da estatal de energia do Paraguai, a Ande (equivalente paraguaia da Eletrobras). "Não somente a mim, mas a todos que estavam na reunião", afirmou.
As suspeitas eram de que Giordano, que na época era suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP), teria oferecido vantagens indevidas a autoridades paraguaias. Ele teria atuado para a obtenção de benefícios comerciais para a empresa brasileira Léros, interessada em comprar energia paraguaia de Itaipu para revenda no mercado brasileiro - uma prática proibida. Com o avanço da investigação, não ficou demonstrado que isso, de fato, ocorreu.
Outras investigações continuam em aberto
O mandato de Bolsonaro à frente da Presidência (2019 a 2022) registrou denúncias e suspeitas de corrupção envolvendo nomes da gestão federal e aliados. O Verifica encontrou três casos ainda abertos.
Veículos blindados
Em 2024, vieram à tona suspeitas de fraude, direcionamento de licitações, superfaturamento e pagamento de propinas em contratos firmados entre a empresa Combat Armor, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Polícia Federal (PF) e o Ministério da Defesa, entre 2019 e 2023.
Na época, a PRF e a PF informaram que colaboravam com as investigações.
Os contratos, que tratavam de venda de veículos blindados e blindagem de viaturas, renderam à empresa cerca de R$ 39 milhões. Na época, o TCU informou que realizaria um pente-fino nos órgãos que fizeram negócios com a Combat.
Em resposta enviada ao Verifica, o TCU disse que o processo está em fase de instrução e não há previsão para o julgamento. A fase de instrução é destinada à colheita de provas.
A especialista em Direito Público Maria Rost explica que após essa fase, o processo é enviado ao relator do processo, neste caso o ministro Jhonatan de Jesus, para que ele elabore um relatório e o voto dele no processo. Depois, o caso passa para julgamento pelo plenário do TCU.
Na avaliação da especialista, as informações reunidas até o momento por técnicos do TCU sobre o caso indicam terem ocorrido condutas que podem levar à configuração de um caso de corrupção. Mas isso ainda não ficou comprovado.
Gabinete paralelo no MEC
O caso do gabinete paralelo instalado no Ministério da Educação (MEC) foi revelado pelo Estadão, em março de 2022. Com livre circulação no MEC, pastores ligados ao então titular da pasta, Milton Ribeiro, atuaram na intermediação com prefeitos que buscavam recursos federais para a área.
À época, Ribeiro negou irregularidades.
Um prefeito afirmou que, durante reunião realizada em 2021, um dos pastores pediu propina de R$ 15 mil antecipados para protocolar demandas da prefeitura e mais um quilo de ouro após a liberação dos recursos.
Em março de 2022, a ministra do STF Cármen Lúcia determinou a instauração de um inquérito contra Ribeiro, para apurar denúncias de tráfico de influência, advocacia administrativa, prevaricação e corrupção passiva. Posteriormente, o processo mudou de instância, saindo do STF para a Justiça Federal.
Assim como o processo dos blindados, este também está em fase de instrução. Em agosto de 2024, o MPF pediu celeridade à Justiça Federal do Distrito Federal na investigação sobre o caso.
O advogado criminalista e professor de processo penal Daniel Geber explica que ainda há muitas etapas a serem cumpridas até que se possa considerar esse caso como um fato concreto de corrupção.
Geber explica que a investigação termina com um relatório, que é encaminhado ao Ministério Público. O órgão pode oferecer uma denúncia criminal contra Ribeiro, se entender que há prova de que o crime aconteceu e indícios de que quem o praticou foi o ex-ministro. O caso só se tornará um fato concreto de corrupção após o trânsito em julgado.
Joias sauditas
Em março de 2023, o Estadão revelou que um integrante do governo Bolsonaro havia tentado entrar no País de forma ilegal com um kit de joias avaliado em R$ 5,6 milhões. Os itens, um presente do governo da Arábia Saudita para Bolsonaro, foram encontrados em outubro de 2021 na mochila de um auxiliar do Ministério de Minas e Energia e ficaram retidos no Aeroporto de Guarulhos.
Bolsonaro alegou que as joias iriam para o acervo da Presidência e negou ilegalidades.
Terminada a fase de instrução, em julho de 2024, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O caso segue sem uma definição da Procuradoria-Geral da República (PGR).
De acordo com a jornalista Luiza Martins da CNN, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, avaliava solicitar o arquivamento do caso.