Sede da COP30, Brasil 'sabota' o evento ao apostar em petróleo na Amazônia e põe em risco líderança climática
Governo autorizou a exploração de petróleo em alto-mar na região amazônica. O projeto envolveu uma longa disputa entre o Ibama e a Petrobras
A menos de um mês da COP30, o Brasil autorizou a exploração de petróleo na Amazônia, gerando críticas de ambientalistas e imprensa internacional, que apontam contradições no discurso sustentável do governo e riscos à liderança climática do país.
A menos de um mês da COP30 em Belém, o governo autorizou a exploração de petróleo em alto-mar na região amazônica. O projeto, debatido há cinco anos, envolveu uma longa disputa entre o Ibama e a Petrobras. ONGs denunciam a decisão como um retrocesso. A decisão provocou forte reação de ambientalistas e da imprensa internacional. O britânico The Guardian classificou a medida como "um golpe à imagem verde do país", alertando para riscos à credibilidade do Brasil como liderança climática.
A autorização para perfuração de um poço submarino a cerca de 500 quilômetros da foz do rio Amazonas revela contradições entre o discurso oficial e as ações práticas do governo. Embora o Brasil se apresente internacionalmente como defensor da transição energética e de um futuro sustentável, a aposta em combustíveis fósseis levanta dúvidas sobre sua real disposição em liderar a agenda ambiental. Essa incoerência poderia comprometer a confiança internacional e enfraquecer o papel do país como referência em justiça climática.
A região da Foz do Amazonas é considerada uma nova fronteira energética, com características geológicas semelhantes às da Guiana, onde foram feitas grandes descobertas de petróleo nos últimos anos. Ainda assim, especialistas alertam para os riscos ambientais e para a complexidade técnica da operação, devido às fortes correntes marítimas e à vulnerabilidade da biodiversidade local.
"É inaceitável que o governo continue promovendo a exploração de petróleo e gás na bacia amazônica, uma área vital para a proteção do clima e da biodiversidade. Essa decisão enfraquece os compromissos com a transição energética e coloca comunidades, ecossistemas e o planeta em risco", reagiu Clara Junger, coordenadora da campanha no Brasil da Iniciativa pelo Tratado de Combustíveis Fósseis. "Ao contrário do que afirma o governo, a receita do petróleo contribui com apenas 0,06% para a transição. Precisamos de um acordo global para encerrar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que devemos fazer é impedir novas expansões", considera.
"Autorizar novos projetos de petróleo na Amazônia não é apenas um erro histórico — é insistir em um modelo que já fracassou. A história do petróleo no Brasil mostra isso: lucros gigantescos para poucos, e desigualdade, destruição e violência para as populações locais", destacou Ilan Zugman, diretor para a América Latina e Caribe da 350.org. "É urgente construir um plano de transição energética justo, baseado em fontes renováveis — que respeite os povos indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhas, e garanta que eles sejam protagonistas nas decisões sobre clima e energia, inclusive na COP30", ressaltou.
"Um discurso verde manchado de óleo"
"Um discurso verde manchado de óleo", critica o Greenpeace Brasil. Para a ONG, a decisão de iniciar a perfuração expõe as contradições do país. Mariana Andrade, coordenadora da frente de oceanos da organização, afirma que "o mundo recebe um recado claro: embora o Brasil fale em futuro sustentável e transição energética, continua preso ao passado dos combustíveis fósseis". "Essa contradição enfraquece a confiança internacional e compromete o papel que o país poderia exercer como referência em justiça ambiental", sublinha.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva argumenta que os recursos provenientes da exploração petrolífera podem ser usados para financiar a transição ecológica. No entanto, o local escolhido para a atividade está inserido em uma vasta área de preservação ambiental, considerada berço de um dos maiores conjuntos de corais e manguezais do mundo.
"É um risco para ecossistemas únicos e para comunidades que dependem do mar e dos rios para sobreviver. Estamos falando da Amazônia, um território onde a água está conectada à floresta e agora se vê ameaçada pela atividade petrolífera", disse Andrade à RFI.
Diante da decisão, o Observatório do Clima, que reúne diversas organizações não governamentais, anunciou que pretende recorrer à Justiça para denunciar irregularidades e falhas no processo de autorização. "Isso torna a vida do Brasil mais difícil, no sentido de cobrar [uma postura ecorresponsável de] outros países", considera Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC).
É só a gente fazer um cálculo simples. Quem ficou feliz com essa decisão? Foram os ambientalistas, aqueles que lutam para que a gente faça a transição para fora dos combustíveis fósseis, ou foram as petroleiras, aqueles países que tentam travar as negociações climáticas? Ou foi o governo Donald Trump, por exemplo, que é um negacionista do clima? Esses últimos é que ficaram felizes. Isso acaba prejudicando quem vai liderar a conferência do clima." (Márcio Astrini, do Observatório do Clima)
Ele salientou que as duas pessoas que lideram a presidência brasileira da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago e Ana Toni, diretora-executiva, são comprometidas com a agenda ambiental, mas elas precisam ter espaço para poder fazer o trabalho, incluindo cobrar ações dos outros países. "Agora, se dentro de casa, seu próprio governo está demonstrando que, há 20 dias da conferência, que ele é capaz de liberar uma exploração petrolífera, com certeza não se está dando o apoio necessário para essa presidência [da COP30]", sublinha o ambientalista.
"Nós não temos mais tempo a perder. A gente precisa de quem tem compromisso, capacitação, poder de decisão e conforto para poder fazer avançar as agendas. Esse tipo de decisão vai exatamente no caminho contrário", rebate Astrini.
Repercussão na imprensa internacional
A decisão do governo brasileiro de autorizar a Petrobras a perfurar um poço de petróleo gerou forte reação também na imprensa internacional, como o jornal britânico The Guardian, que classificou a medida como um duro golpe à "imagem verde" que o país tenta projetar às vésperas da COP30. Segundo o Guardian, a decisão lança uma sombra sobre as ambições ecológicas do Brasil e compromete sua liderança no debate climático global.
The Guardian destacou que, embora Lula defenda o uso dos recursos do petróleo, a exploração ocorre em uma área de alta sensibilidade ambiental, lar de comunidades indígenas e de ecossistemas únicos. A publicação britânica também lembrou que, inicialmente, o Ibama havia negado a licença em 2023.
A publicação britânica classificou a decisão como "desastrosa do ponto de vista ambiental, climático e da sociobiodiversidade", alertando para os impactos irreversíveis que a exploração pode causar na maior floresta tropical do planeta.
Segundo a rede Al Jazeera, a autorização para perfuração na chamada Margem Equatorial expõe as contradições do governo Lula, que ao mesmo tempo em que defende metas como "desmatamento zero" e "emissões zero", pressiona órgãos ambientais para liberar projetos de exploração de petróleo.
Nicole Oliveira, diretora do Instituto Arayara, entrevistada pelo canal, afirmou que "não há sinais de uma transição energética real por parte do governo, e que há uma pressão crescente para liberar novas áreas de exploração, inclusive sem consulta adequada às comunidades locais".
A agência Associated Press ressaltou que o bloco FZA-M-059, onde ocorrerá a perfuração, está localizado em uma área de alta biodiversidade, com manguezais e recifes de coral pouco estudados. A coordenadora do Observatório do Clima, Suely Araújo, entrevistada pela AP, afirmou que o governo brasileiro "age contra a humanidade ao estimular a expansão dos combustíveis fósseis e apostar em mais aquecimento global". Ela também alertou que a decisão prejudica a própria COP30, cujo objetivo central deveria ser a eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
(*Com agências)
