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A fala da mulher do Leonardo diz muito sobre as heranças do Brasil

Os membros das classes dominantes, por vezes, olham para o povo como algo que só tem validade enquanto tem serventia

3 out 2025 - 14h41
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Poliana Rocha e Leonardo levaram garoto de 15 anos que conheceram em Ilhéus para casa da família em Goiânia
Poliana Rocha e Leonardo levaram garoto de 15 anos que conheceram em Ilhéus para casa da família em Goiânia
Foto: @leonardo via Instagram/Reprodução / Estadão

Nessa semana a mulher do Leonardo chocou parte do Brasil com uma fala muito, para dizer o mínimo, classista. Ela basicamente diz que a família estava passando um tempo em uma cidade chamada Ilhéus, na Bahia, passou um menino vendendo chinelo e ficou brincando com Zé Felipe, filho do cantor e ex da virgínia. Na época, segundo a senhora, Zé Felipe tinha 10 anos e o menino tinha 15. Eles gostaram da interação do menino com Zé e levaram ele para “passar um tempo” com a família, porque ele e o menino se deram muito bem. Nem falaram com a mãe do adolescente. Chegando lá ele brincou muito com o filho do casal, o menino começou a chamar a madame de "mainha" e isso a incomodou, falou que levou o menino no salão para fazer progressiva porque estava com cabelo descuidado e que em dado momento o adolescente de 15 anos parou de brincar com o filho dela, só queria ficar ouvindo música, então ela "despachou ele de volta para a Bahia" -- palavras dela.

Logo no início da fala dela o que mais me chamou a atenção é uma possível semelhança com um período escravocrata. Uma época que quando a sinhá descobria a gravidez muitas vezes mandavam estuprarem outras mulheres negras para que sempre tivesse leite disponível e para que o filho ou filha da sinhá tivessem crianças da sua faixa etária. Ai, cresce junto, são “irmãos de consideração”, mas as violências de raça estão sempre bem ali presente! Então, me soou mais ou menos nesse sentido, mesmo sem saber se o adolescente em questão é uma pessoa negra. Até porque sabemos que a lógica do servir oriunda da escravidão também chega em pessoas brancas pobres, não com tanta força, pois não há o fator racial, mas também é feito de maneira cruel.

Outro ponto é a facilidade com que esse menor subiu em uma avião, mudou de estado, sem autorização da família. Eu para viajar com meu filho pela primeira vez sozinho, para outra cidade, fui atrás de informações se precisava de uma autorização escrita da mãe, fazer documento em cartório e tudo mais, com bastante antecedência. Já no caso citado, o garoto de 15 anos, sobe em um avião tranquilamente, vai para outro estado, passa um mês e meio longe (em Goiânia), aparentemente sem nenhum trâmite legal. Dá a entender que se você for branco e abastado a lei se flexibiliza, ou os órgãos responsáveis tem uma boa fé e compaixão com você enquanto para o pobre preto é a lei, e a lei, muitas vezes, trazida pela  PM, que, com alguma frequência, é a que prende, julga e também mata. Ou seja, o rico tem total controle sobre o corpo de um indivíduo pobre.

O término da história também é muito cruel. A forma com que ela, pelo menos aparenta, tratar com desdém o fato do menino a chamar de mainha, ela falando das coisas que fez para o menino como se ela não tivesse levado ele para outro estado para brincar com o filho dela, a forma que ele é descartado após a criança “enjoar do brinquedo” e ela dando a entender, novamente, que ele era um problema e tinha um certo anseio em mandá-lo de volta, como se tivesse que despachar um peso.

Não estou falando que a senhora em questão tem lucidez acerca de tudo que foi falado aqui, mas é muito degradante a forma com que os ricos acham que beneficiam pessoas pobres. Como a lógica do white savior se perpetua de maneira imutável. Talvez esse caso seja ainda pior, já que ela não leva o menino para ser sua salvadora, ela o leva para brincar com o filho e por consequência leva ele no salão, compra roupa e etc. Nossa sociedade ainda bebe na fonte escravocrata. A má distribuição de renda faz com que vários meninos e meninas fiquem vulneráveis a situações como essa.

Poderia ser uma menino sendo levada para trabalhar em situação analoga a escravidão, uma menina que podia ser levada para ser violentada ou coisas ainda piores. Essa santidade atribuída a ricos é uma falácia que muitas vezes é o que possibilita desgraças onde todos ficam se perguntando como aconteceu.

Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra.
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