Telas no carro: mais perigosas do que bebida e maconha?
Concentração de funções em telas sensíveis ao toque gera distração ao volante; novos carros vão voltar a ter botões físicos
As telas estão por todas as partes da cabine dos carros, sobretudo nos mais caros. Isso é resultado de, digamos, uma tentativa de tornar as soluções oferecidas a bordo parecidas com as disponíveis em telefones celulares.
Algumas marcas, inclusive, passaram a alardear o número e tamanho das telas de seus veículos como se isso fosse um grande benefício. Porém, as fabricantes perceberam que é preciso dar um passo atrás.
Afinal, ativar na tela funções que antes eram acionadas por botões pode ser bastante perigoso. Conforme o britânico Transport Research Laboratory (TRL), da área de tráfego, usar sistemas como Android Auto e Apple CarPlay ao volante reduz a atenção do motorista ao mesmo nível de alguém sob o efeito de álcool ou até mesmo de substâncias psicoativas, como o THC presente na maconha.
Ainda de acordo com o estudo, o tempo de reação ao risco de quem está usando telas é quase cinco vezes maior do que o apresentado por motoristas que ingeriram álcool até o limite legal - de 35 microgramas por 100 mililitros de sangue, segundo as leis vigentes na Inglaterra.
Da mesma forma, o efeito é quase três vezes pior do que o da maconha sobre alguém que esteja guiando, de acordo com reportagem da Wired.
Distração é o principal risco no trânsito
O impacto sobre a segurança do trânsito é evidente. No Brasil, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) elencou as principais causas de acidentes no recente feriado de Corpus Christi. A falta de atenção lidera o ranking, enquanto a reação tardia aparece na quarta posição.
É claro que não é possível associar os acidentes ao uso de telas. Porém, independentemente do que motivou a distração, o princípio do risco é o mesmo. A Associação Brasileira de Medicina no Tráfego diz que o uso do celular enquanto dirige continua sendo o principal motivador de distração dos motoristas.
Assim, a volta dos botões no lugar das telas parece ser um decisão sensata. Afinal, em alguns carros até ajustes simples passaram a ser ativados por toques em telas - como o volume do sistema de som. Esse mesmo princípio vale para outras funções banais, como regular os espelhos retrovisores e abrir a tampa do porta-malas.
Portanto, fica claro que funções que podem ser ativadas com o veículo em movimento são as de maior risco. Nesse sentido, dá para imaginar o desafio de acionar vários menus e navegar por subitens até encontrar no sistema o espaço destinado a ações, como reduzir a temperatura do ar-condicionado.
Enquanto digita um endereço, motorista pode rodar 430 metros
Na Noruega, o conselho de segurança de trânsito fez um estudo sobre o tempo necessário para ativar algumas funções.
Durante o experimento, 44 motoristas tiveram de dividir o tempo entre cuidar da direção e do sistema multimídia. Como resultado, digitar um endereço levou, em média, 15,7 segundos. Mudar a música e/ou a rádio, que, ao menos em tese, é algo bem simples, requer cerca de 10 segundos. No mesmo sentido, ajustar a temperatura leva cerca de 3,4 segundos.
Pegamos uma calculadora para apurar quanto um carro pode rodar nesses períodos. Se estiver a 100 km/h, por exemplo, o veículo percorrerá 27,7 metros por segundo. Portanto, enquanto digita um endereço de destino na tela o motorista pode percorrer mais de 430 metros.
É muito.
Além disso, quem pretende ajustar a temperatura da cabine poderá rodar 94 metros sem estar totalmente atento à via à frente.
Vale dizer que a situação em velocidades menores não melhora. Ao rodar a 50 km/h, limite da maioria das vias da cidade de São Paulo, por exemplo, um carro pode rodar quase 220 metros. Esse é o tempo que um motorista precisa para ajustar a temperatura da cabine. Essa distância equivale a quase dois quarteirões.
Menos telas, mais botões
Assim, para reduzir o risco de acidentes, o Euro NCAP passará a avaliar a praticidade dos comandos físicos na hora de julgar a segurança dos carros novos. O objetivo é garantir que o acionamento de comandos como o de limpadores de para-brisa, luzes, pisca-piscas, buzina e pisca alerta permaneçam sendo por meio de botão.
Os novos critérios entrarão em vigor em 2026, mas algumas fabricantes já admitiram que concentrar muitas informações e comandos nas telas foi um erro. Conforme Andreas Mindt, líder de design da Volkswagen, afirmou à Autocar, os botões físicos estarão de volta na nova linha de produtos da marca, como o ID. 2all.
Entretanto, até mesmo carros atuais já passaram pelo processo de reintrodução de comandos físicos, caso do novo Golf GTI. Isso está sendo feito conforme ocorrem as atualizações de meia vida ou de ano-modelo de carros como o Hyundai Santa Fe e o Subaru Outback.
Seja como for, essa mudança também é uma questão de preferência, algo que vai além das regras que vão entrar em vigor em breve. De acordo com uma pesquisa publicada pela revista inglesa What Car?, 89% dos 1.428 entrevistados afirmaram que preferem botões físicos em vez de telas.
Entretanto, é importante considerar que nem tudo nas telas é negativo. A mesma revista cita o caso da câmera na traseira, bem como a de 360 graus, que pode exibir melhor o entorno. Em ambos os casos, as imagens são projetadas nas telas na cabine.
Além disso, devemos considerar que comandos por voz também ajudam a lidar com a tarefa de acionar funções sem ter de usar as mãos. Contudo, a maioria das praticidades é acionada em baixa velocidade ou sem a necessidade de intervenção do motorista.