Mercedes cruza a Europa sem recarga e antecipa revolução dos elétricos
Teste realizado em setembro mostra que a bateria de estado sólido saiu do laboratório e pode virar o jogo da mobilidade elétrica europeia
A notícia nem é tão nova, mas passou meio despercebida diante da onda de louvação aos híbridos plug-in no Brasil. A Mercedes-Benz realizou em setembro uma das demonstrações mais impressionantes da história recente dos carros elétricos – e os impactos dessa experiência tendem a ser profundos para o futuro do setor.
Um Mercedes EQS levemente modificado, equipado com uma bateria de estado sólido com tecnologia de lítio-metal, percorreu 1.205 km entre Stuttgart, na Alemanha, e Malmö, na Suécia, sem qualquer parada para recarga. De novo: sem uma única parada. Daria para ir de São Paulo a Brasília (DF) ou de São Paulo a Foz do Iguaçu (PR) e ainda sobraria energia na bateria.
O feito não apenas comprova a viabilidade da tecnologia fora do ambiente controlado dos laboratórios, como também supera em três quilômetros o recorde anterior do Vision EQXX, estabelecido no trajeto Stuttgart–Silverstone. Mais impressionante ainda: o Mercedes EQS chegou ao destino com 137 km de autonomia restante, reforçando a eficiência e a maturidade do conjunto.
Para a Mercedes-Benz, a mensagem é clara: a bateria de estado sólido deixou de ser promessa distante e começa a ganhar forma como solução real para aplicações futuras em larga escala.
Estado sólido em condições reais
Anunciado em fevereiro, o programa de testes em estrada faz parte de um amplo processo de validação da tecnologia de baterias de estado sólido da Mercedes-Benz. Além de simulações digitais e ensaios em centros avançados de desenvolvimento em Stuttgart-Untertürkheim e Sindelfingen, o objetivo é submeter o sistema a condições reais de uso, em diferentes climas, rotas e perfis de condução.
A viagem até Malmö representou exatamente esse cenário – um teste de longa distância, atravessando Alemanha e Dinamarca pelas rodovias A7 e E20, sem uso de balsas. O planejamento da rota foi feito com o sistema Electric Intelligence, que considera topografia, tráfego, temperatura ambiente e até a demanda energética de aquecimento e refrigeração da cabine.
O resultado reforça que a tecnologia não apenas funciona, mas entrega alcance, eficiência e previsibilidade – três pilares fundamentais para a adoção em massa dos carros elétricos.
Produção em série nesta década
Para a própria marca, o significado do teste é estratégico. Markus Schäfer, diretor de tecnologia da Mercedes-Benz, não economizou palavras ao classificar o avanço:
“A bateria de estado sólido é um verdadeiro gamechanger para a mobilidade elétrica. Com essa viagem de longa distância, mostramos que a tecnologia funciona não só no laboratório, mas também nas estradas. Nosso objetivo é levar inovações como essa à produção em série até o fim da década.”
A fala ajuda a dimensionar o impacto – não se trata de um protótipo conceitual, mas de um passo concreto rumo à industrialização.
Tecnologia vinda da Fórmula 1
O desenvolvimento do sistema de bateria ocorreu em parceria com a Mercedes-AMG High Performance Powertrains, divisão responsável pelas tecnologias de Fórmula 1 da marca, sediada no Reino Unido. As células de lítio-metal utilizadas no EQS são fornecidas pela empresa estadonidense Factorial Energy.
Um dos grandes desafios das baterias de estado sólido é a variação de volume das células durante carga e descarga. Para lidar com isso, a Mercedes-Benz adotou atuadores pneumáticos, que ajustam automaticamente a pressão aplicada às células, garantindo funcionamento estável e durabilidade.
O ganho se mostrou expressivo – o conteúdo energético útil aumentou 25%, mantendo peso e dimensões semelhantes à bateria convencional do EQS. A eficiência também é favorecida por um sistema de refrigeração passiva por fluxo de ar, que reduz complexidade e consumo energético.
Por que isso importa – e muito
Embora o teste tenha ocorrido em setembro, seus efeitos devem ecoar por anos. A bateria de estado sólido promete autonomias significativamente maiores, menor tempo de recarga, mais segurança térmica e melhor eficiência energética – exatamente os pontos que ainda limitam a expansão dos carros elétricos em mercados globais.
Ao realizar esse teste em estrada aberta, a Mercedes-Benz sinaliza que a próxima grande virada da eletromobilidade não está mais no horizonte distante. Ela já está rodando – silenciosamente – pelas estradas da Europa.