Coluna do Edu Pincigher: Você ainda implica com carros chineses?
Nos últimos 15 anos, lançamentos de diferentes marcas chinesas causaram impacto no mercado automotivo brasileiro; relembre a trajetória
De 15 anos para cá, alguns lançamentos de carros chineses causaram modificações contundentes no mercado brasileiro: JAC J3, GWM Haval H6, BYD Dolphin, Caoa Chery Tiggo7, GAC GS4 e, agora, Omoda 5. Quero relembrar rapidamente a trajetória desses modelos.
Assisti ao ato inaugural dessa novela do lado de dentro. Fui convidado pelo Sergio Habib para lançar a JAC Motors no Brasil em 2011, quando trabalhava na Mercedes-Benz.
Convite surgiu de Sergio Habib
Do tipo sincerão, Habib disparou logo na primeira entrevista: “Gostei de você, Edu, até quero te contratar. Mas a minha empresa é bem diferente da rotina que você está acostumado. Aqui você vai ter que arregaçar as mangas e colocar a mão na massa. Quem vem de empresas grandes não costuma dar certo no Grupo SHC”, disse.
Não deixei por menos. “Bom, Sergio, eu estou acostumado a lidar só com marcas alemãs [antes de Mercedes, eu tinha trabalhado na VW]. Nunca trabalhei com chineses. Será um risco para nós dois”.
Arriscamos. Modéstia às favas, deu certo. E para ambos. Ao final de 2011, a JAC Motors teve o sexto maior share of voice (geração de mídia espontânea) das marcas de automóveis do país, o que é fruto, dentre outros motivos, do trabalho direto do cara de Comunicação. Ficou atrás apenas de Volks, Fiat, GM, Ford e Renault. E isso com menos de 1% das vendas. Ela apareceu muito mais do que seu tamanho permitiria.
Foi meu primeiro trabalho autoral como profissional de Comunicação Corporativa. Fiz o que quis, de 2011 a 2024. Sempre tive apoio do SH em projetos ousados, que rompiam paradigmas dos mandamentos corporativos de fabricantes tradicionais.
A primeira a convidar blogueiros e influencers
Fiz “clínicas” com jornalistas, coloquei carros com mais de 100 mil km rodados pra eles testarem, armei eventos em que o JAC fazia 0 a 100 km/h alinhado na pista de testes com os concorrentes, fomos os precursores a chamar blogueiros e influencers aos eventos. Fomos disruptivos, para usar a palavrinha da moda. E fizemos barulho.
Tive uma aula prática no Grupo SHC sobre os quatro P´s do Marketing (preço, promoção, produto e ponto de venda). Era o “completão” que o apresentador Fausto Silva tanto repetia nas propagandas (promoção). Com mais de 70 pontos de venda inaugurados logo no primeiro mês, o carro foi lançado com preço bem competitivo, de R$ 37.990 – mais ou menos o que custavam os concorrentes sem ABS, air bag, CD player e ar-condicionado.
O produto em si não ficava devendo tecnicamente em nada para os adversários da época – VW Gol, Chevrolet Agile, Fiat Palio e Ford Fiesta. Em seu primeiro mês de vendas, o JAC J3 emplacou 3 mil unidades.
Isso significava cerca de 3% no segmento de hatches, o que era expressivo para uma marca incipiente, só que irrisório na concorrência em si com as grandes marcas. O que o “Efeito JAC” causou foi o sacrifício das margens das principais montadoras.
Se ele tinha 3% de share, os outros 97% preferiam buscar modelos dos grandes fabricantes, certo? Só que a campanha de mídia era tão intensa, e o próprio Faustão alavancava tanto interesse no público, que os 97% entravam nas lojas das marcas de renome e diziam: “Vim aqui comprar um [hatch nacional]. Só que não aceito mais pagar R$ 38 mil num carro pelado. Quero desconto”. Isso a-con-te-ceu.
Coincidência ou não, seis meses depois o governo federal majorou o IPI para carros importados e jogou uma pá de cal nos planos da JAC. Com a elevação de imposto, Habib cortou verba de mídia, as vendas caíram, concessionárias foram fechadas... e o resto é história.
A estreia dos eletrificados
Era abril de 2023 quando a GWM anunciou o lançamento do Haval H6. Tratava-se de um SUV de porte médio para grande, com amplo espaço interno, tecnologia híbrida plug-in e, sabiamente, o primeiro chinês com apelo aspiracional do mercado: a versão GT vinha com quase 400 cv, 0 a 100 km/h em menos de 5 segundos e preço na faixa de R$ 300 mil. Estreou e já assumiu a liderança nas vendas de híbridos.
Poucos meses depois foi a vez do BYD Dolphin, que tinha porte de hatch médio e preço convidativo para um 100% elétrico, ao redor de R$ 150 mil. Logo se transformou no elétrico mais vendido e abriu caminho para o lançamento do Dolphin Mini. Hoje, os dois representam 60% das vendas de todos os elétricos do país.
Já o Caoa Chery Tiggo 7 tinha vendas razoáveis desde 2019, quando foi lançado, até que a montadora cria a versão Sport, em fevereiro de 2024, com preço escandalosamente atraente: R$ 136 mil, ou cerca de R$ 90 mil a menos do que um Jeep Compass Limited.
As vendas triplicaram. Hoje ele (ainda) é o modelo de origem chinesa mais vendido do país. Foram mais de 29,4 mil unidades emplacadas de janeiro a outubro deste ano, o que o torna o 12º suve mais emplacado do país. Acha pouco? Pois esse volume o coloca à frente de modelos mais em conta, como Renault Kardian e Citroën Basalt.
Com estreia recente no país, a GAC surpreendeu ao lançar cinco carros de cara. Um deles, o GS4, logo chamou a atenção. Único híbrido, com porte de suve grande, estreou abaixo dos R$ 200 mil e, pelo fato de a marca ter parceria com Toyota e Honda no mercado de origem, suscitou comparação imediata com o Corolla Cross. Vários confrontos foram feitos pela imprensa: o GS4 é maior, anda mais, consome menos, tem acabamento mais refinado, é mais equipado e mais barato. Adivinhe quantos comparativos ele venceu?
A última novidade pintou no mercado na semana passada e, em razão do preço de venda anunciado, tem potencial para ser um novo blockbuster: o Omoda 5. Tem também o porte do Compass, vem com motorização híbrida (224 cv), faz médias de consumo acima de 20 km/l, possui um excepcional acabamento, pacote ADAS... e custa R$ 160 mil. Ou R$ 15 mil a menos que VW T-Cross. E o Comfortline.
Você vai me odiar, mas...
[Meses atrás, fiz uma coluna apostando que o VW Tera seria um dos suves mais vendidos do país e que sua chegada reposicionaria os concorrentes. Os haters me crucificaram. Pois, em outubro, ele foi líder geral nas vendas de utilitários-esportivos pelo 2º mês consecutivo.]
Vou ser ainda mais xingado agora, mas provavelmente... acertarei de novo: a rede Omoda & Jaecoo está começando a se estabelecer no país e a ausência de lojas em várias cidades não permitirá que esse híbrido alcance vendas totais com grandes volumes tão cedo. Mas nas cidades em que a marca tiver rede, anote: as vendas serão significativas e a concorrência terá de baixar preços.
Faz tempo que não esbarro com haters de carros chineses. Acho que esse preconceito já foi superado, até pelas virtudes dessa lista de best-sellers que apresentei acima. Mas, se você é um deles, Ok, não precisa gostar. É só abrir a mente e entender/aceitar o efeito indireto da chegada desses modelos: carro chinês (também) é uma ótima baliza para reposicionar os preços dos outros carros. Tão simples como isso!
E vale destacar: a Stellantis está lançando sua própria marca de chineses, a Leapmotor, enquanto a Renault do Brasil vendeu 26,4% de suas ações para a Geely, que vai usufruir de sua estrutura para produzir no país. Se até para elas, as grandes fabricantes instaladas no país, o carro chinês virou um bom negócio, ué, por que não seria para nós também? Punto e basta.