'Marco da IA pode fazer Brasil ficar atrasado na tecnologia', diz chefe da OpenAI no País
Em entrevista ao Estadão, Nicolas Andrade aponta para os problemas do projeto de regulação da tecnologia
Com mais de 140 milhões de mensagens enviadas para o ChatGPT por dia, o Brasil já se tornou um dos principais mercados da OpenAI fora dos EUA - uma marca que faz a empresa olhar para o País e identificar as oportunidades de aplicação da inteligência artificial (IA) por aqui.
Esse foi um dos motivos pelo qual a companhia trouxe um funcionário para o Brasil em 2023: Nicolas Andrade, o primeiro funcionário da OpenAI na América Latina, desembarcou em Brasília para cuidar da área de políticas da empresa. Nesta terça-feira, 12, Andrade estará nos palcos do Rio Innovation Week para falar sobre como o Brasil está posicionado diante das oportunidades da inteligência artificial.
Formado pela Universidade de Oxford, Andrade chegou ao Brasil em 2014 e, após passar por outras big techs, como a Meta, e comandar projetos como as Olimpíadas do Rio, em 2016, assumiu a cadeira de diretor de políticas da OpenAI na América Latina e Caribe em 2023.
Em entrevista ao Estadão, o funcionário de Sam Altman adiantou temas como a importância do público brasileiro para a empresa, os desafios de promover uma IA democrática e segura e as questões que envolvem o Marco da IA para o desenvolvimento da tecnologia no no País. Leia entrevista abaixo.
O sr. foi contratado há quase um ano e meio como primeiro funcionário da OpenAI na América Latina. Como tem sido o trabalho até aqui?
Tem sido já quase dois anos de muito impacto, de muito trabalho, mas também de ver como é muito compatível a nossa missão de assegurar que todas as pessoas possam se beneficiar dessa tecnologia e, ao mesmo tempo, a forma que o brasileiro abraça a tecnologia. (O brasileiro) não é só early adopter, como a gente sabe, mas também é muito criativo, muito mesmo. E além disso, acho que aqui no Brasil temos uma visão de que a tecnologia tem que apoiar os nossos objetivos de desenvolvimento, o impacto social, desenvolvimento econômico e socioeconômico também. Então tem sido muito bacana ver como pessoas do País inteiro estão abraçando essa tecnologia.
O quão importante é o Brasil para a OpenAI?
O Brasil é importante não só pelo número de usuários que a gente tem, mas também pelo número de desenvolvedores que a gente tem usando a API da OpenAI aqui no Brasil. Para quem não é da tecnologia, isso quer dizer que a gente, aqui no Brasil, está construindo soluções. Temos um país que está adotando inteligência artificial num ritmo altíssimo. Não só adotando, mas também usando de forma recorrente e usando nossa tecnologia justamente para resolver problemas complexos. Uma das coisas mais incríveis reveladas no nosso estudo é ver como a tecnologia está sendo adotada em regiões fora do eixo Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Brasília. O Estado número 1 (a adotar o ChatGPT) é o Tocantins. Vimos outros estados, como Amazonas e Paraíba, avançando em ritmo muito, muito rápido. E eu acredito que isso mostra como essa tecnologia está indo além das grandes capitais, das classes médias, das pessoas que tradicionalmente se beneficiariam previamente das revoluções tecnológicas.
Quais as oportunidades para a OpenAI no Brasil?
A maior oportunidade é oferecer IA para todos. A gente acredita que essa é uma tecnologia que vai mudar a forma que a nossa economia funciona e nosso mercado de trabalho, e todo mundo tem direito de participar dessa revolução. Estamos lançando programas como, por exemplo, o FavelaGPT, no Rio de Janeiro e São Paulo, que oferece o ChatGPT Plus de forma gratuita. O AmazonasGPT, em Manaus, em parceria com a UFAM, para os estudantes de ciência de computação da UFAM, para que essas soluções possam ser usadas para gerar insights de conservação na Amazônia. Então, essas são as maiores oportunidades. Mas, é claro, que tem muitas outras organizações, empresas e até governos que estão pensando na tecnologia da inteligência artificial, em como ela pode ser usada para alavancar soluções mais rápidas e oferecer serviços melhores.
A OpenAI planeja investir em servidores e data centers no Brasil por meio do "OpenAI for Countries" ou por meio do Redata?
O PBIA (Plano Brasileiro de Inteligência Artificial) é interessante no sentido em que ele menciona infraestrutura, e a infraestrutura é o destino dos países quando a gente fala em inteligência artificial. Então, a gente considera super positivo que o governo esteja pensando nesse sentido, na construção de infraestrutura aqui no Brasil, mas por enquanto não existem planos da OpenAI de participar desse programa ou da construção de datacenters aqui. A gente tem lançado, sim, OpenAI for Countries, que é um projeto que ajuda, justamente, a facilitar parcerias entre a OpenAI e governos que têm interesse em construir esse tipo de infraestrutura. Mas hoje em dia, eu diria que a grande maioria dos governos de países grandes e pequenos estão pensando em como a infraestrutura vai fazer parte de um plano maior de adoção de inteligência artificial.
Como o sr. avalia o PBIA?
Uma das coisas que a gente mais gostou do PBIA foi o fato de que, em uma das primeiras páginas, tem uma planilha de projetos de inteligência artificial que estão sendo implementados aqui no Brasil. A empresa com o maior número de projetos nessa planilha é a OpenAI, apesar de termos apenas um funcionário no momento. E acho que isso mostra como a gente vem trabalhando para usar essa tecnologia para impacto social. O PBIA é um plano super robusto. Só que é importante ressaltar que, no momento, temos tramitando no Congresso o PL 2338. E esse PL não está conversando com o PBIA. São documentos, os dois muito importantes, que dizem coisas muito diferentes. E eu acho que o projeto no Congresso deveria conversar com o plano brasileiro de inteligência artificial, porque são objetivos que, acredito, são muito positivos para o país.
Qual é a posição da OpenAI sobre o Marco da IA, em discussão no Congresso?
Acredito que tem coisas que precisam ser, ainda, conversadas. Nas definições da tecnologia do PL 2338, às vezes se fala em sistemas e às vezes se fala em modelos, quando querem dizer coisas diferentes. O modelo é como se fosse um motor, o sistema é como se fosse um carro, ou seja, o motor pode ser grande, pequeno, elétrico ou flex, por exemplo, e o veículo pode ser um caminhão, pode ser uma bicicleta - e essas são definições importantes. A segunda parte, que ainda precisa de algumas melhoras, é entender qual é a cadeia de valor da IA. Assim como no prédio, em que a pessoa que vende o tijolo não é a mesma pessoa que decide a cor da parede, na IA, a empresa que desenvolve o modelo não é a mesma empresa, normalmente, que implementa uma solução na ponta. A terceira coisa é com relação a categorias de risco. É importante que, se a gente for trabalhar com categorias de risco, elas conversem com legislações em outros países. Essa tecnologia é complexa e cada dia está ficando ainda mais complexa. Então, quando a gente pensa na inteligência artificial, daqui a dois, três, quatro pulos de onde ela está hoje, vão ter cada vez menos pessoas que vão poder fiscalizar esse tipo de informação, esse tipo de tecnologia, e é importante que as categorias sejam o mais técnicas possíveis. E o que a gente sugere para esse debate é que sejam trazidos o maior número de desenvolvedores possível. Porque, no fim das contas, são eles que vão implementar esse tipo de texto (da lei).
Isso significa que a regulação pode atrasar a inovação?
Eu escuto muito sobre regulação pró-inovação e contra-inovação. Acredito que são dicotomias falsas de alguma forma, no sentido de que dá, sim, para regular a favor de direitos, para proteger de riscos que as pessoas possam entender que existem. Mas, ao mesmo tempo, tem que permitir que as tecnologias existam e que as pessoas possam utilizá-las também para criar soluções. A gente tem, por exemplo, um dos maiores grupos de desenvolvedores do mundo. Eu falo com ministros, com presidentes de países que me perguntam como eles podem conseguir ter isso no país deles. O Brasil já tem. E não é por causa do tamanho do país, nem do tamanho da população. É uma característica do Brasil.
A companhia planeja fechar acordos de remuneração com os veículos brasileiros nos moldes do que já foi feito nos EUA e na Europa?
O que a gente fez com alguns jornais no mundo todo foi fechar um acordo de parceria para que, quando uma pessoa procurar uma informação determinada, possa ser exibido embaixo, como parte da resposta, um resumo junto com o logo do jornal. Assim, se a pessoa tiver interesse em saber mais, ela pode clicar diretamente nesse link e ir para o site do jornal. Estamos abertos para ter conversas com os jornais aqui do Brasil. Ao longo dos últimos dois anos, eu tenho tido muitas conversas com o setor jornalístico de forma geral na América Latina. Meu papel é justamente ouvir, tentar interpretar qual é o pedido e entender qual é a possibilidade dentro da empresa de oferecer o tipo de resposta ou de parceria que está sendo sugerida. Por enquanto, a gente não fechou nenhuma, mas não quer dizer que não tenha tido conversas.
Com o avanço da IA generativa, como a OpenAI garante que seus modelos não sejam usados para desinformação em larga escala? Há algum trabalho sendo realizado visando as eleições de 2026?
A gente tem padrões de comunidade ou salvaguardas que impedem que os modelos criem conteúdo ou gerem conteúdo que vão contra as nossas regras. Quando a gente fala em eleições, acredito que a grande maioria do risco diz respeito a canais de comunicação massiva, onde o conteúdo é compartilhado e às vezes viraliza. O que a gente faz na OpenAI é colocar essas salvaguardas. Quando a gente fala, por exemplo, em criação, geração de imagens, geração de vídeo, a gente tem um modelo que permite essa criação, mas, ao mesmo tempo, quando um ator público não quer que o modelo possa replicar sua imagem, existe uma forma de solicitar que eles sejam retirados desta lista, e que as pessoas não possam gerar imagens com os seus rostos.
A OpenAI é a principal empresa a afirmar que trabalha para alcançar a Inteligência Artificial Geral (AGI, na sigla em inglês). Qual é a sua definição de AGI? A humanidade precisa de uma AGI?
A definição de AGI é sempre um tema de discussão. Algumas pessoas acham que ela já chegou, outras acham que vai chegar daqui a um ano, daqui a cinco anos. A minha definição pessoal, e uma definição que eu vejo também na OpenAI, é que a AGI é uma forma de descrever modelos que conseguem ser tão inteligentes quanto um ser humano, no que diz respeito a completar tarefas ou a pensar, raciocinar como um ser humano. Acho que a definição de AGI talvez vai continuar evoluindo ao longo do tempo, mas acredito que é importantíssimo que a gente possa pensar em como essa tecnologia vai continuar sendo útil, não só para o desenvolvimento de empresas e de indústrias, que é muito importante, mas também para as pessoas. Se a gente tem a tecnologia, que provavelmente é a tecnologia que mais vai transformar a economia e o mercado de trabalho, é importante que todas as pessoas possam ter acesso a esse tipo de oportunidade, possam aprender como implementar esse tipo de conhecimento.