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Geração Z não é tão digital quando se trata de trabalho, dizem especialistas

Uso descontrolado de novas tecnologias não traz tanto aprendizado assim para "nativos digitais", na visão de fontes ouvidas pelo Byte

20 mar 2024 - 05h00
(atualizado às 17h03)
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Resumo
Tidos como "nativos digitais", os nascidos entre o final dos anos 90 e início do ano 2000 são desenvoltos em comunicação e consumo online, mas deixam a desejar fora do eixo celular-redes sociais, segundo especialistas ouvidos pelo Byte.
Geração Z: uso de tecnologia causa choque geracional no mercado de trabalho
Geração Z: uso de tecnologia causa choque geracional no mercado de trabalho
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Jovens da Geração Z frustram expectativas de colegas mais velhos quando o assunto é uso da tecnologia, e isso está acendendo um alerta no mercado de trabalho.

Tidos como "nativos digitais", os nascidos entre o final dos anos 90 e início do ano 2000 são desenvoltos em comunicação e consumo online, mas deixam a desejar fora do eixo celular-redes sociais, segundo especialistas ouvidos pelo Byte.

Nas empresas, o dilema geracional vai além da capacitação técnica. Ao mesmo tempo em que são lidos como insuficientemente treinados em habilidades valorizadas por outras gerações, como análise de dados e gestão de projetos, os mais novos priorizam a qualidade de vida sobre o sucesso profissional convencional, rejeitando os — até então — cobiçados cargos de gerência. 

Jovens também têm usado a tecnologia como alternativa à autenticidade, terceirizando a tarefa de refletir, segundo Victor Richarte Martinez, professor de psicologia do trabalho e supervisor de estágio na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

"Em uma sessão de consultoria, pedi a uma pessoa de 17 anos que estudasse e me dissesse o que poderíamos fazer em uma empresa. Ela me trouxe 10 folhas impressas de era algo encontrável nas redes sociais", conta.

Ferramentas que usam inteligência artificial (IA), supostas simplificadoras de várias atividades, podem acelerar ainda mais o processo — e é justamente essa última palavra que pode se tornar cada vez mais rara no vocabulário dos jovens, na visão de Camila Simões, doutora em comunicação pela UFPA e especialista em relações geracionais com a tecnologia.

"Eles estão cortando caminhos. E quando você nasce em uma lógica de corte, você perde a noção de que as coisas têm início, meio e fim, e vai se distanciando da capacidade de otimização de processos", diz Simões.

"Todos queremos os atalhos, os 'life hacks', mas não existe caminho curto para o aprendizado", continua.

A pesquisa TIC Kids Online Brasil em 2023 mostrou que 99% dos brasileiros de 15 a 17 anos estão ativos digitalmente. Mas, apesar dessa imersão precoce, muitos jovens demonstram limitações tecnológicas.

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Um levantamento da Dell indicou que 37% da Geração Z sente que a educação formal falhou em prepará-los para o mundo digital, com 56% relatando insuficiência em habilidades digitais fundamentais.

"Eles têm dificuldades com uso de ferramentas tradicionais, como redigir um e-mail, apresentações, realizar pesquisas e identificação de notícias falsas. Faz parte do nosso trabalho apresentar e direcioná-los às diversas possibilidades e ferramentas digitais" relata Regia Zerbinatti, Coordenadora de Operações dos programas presenciais do Ismart, ONG que mentora alunos do ensino público e os fornece bolsas em escolas particulares.  

Mas o alerta também serve para as gerações anteriores. Isso porque a evolução na usabilidade das tecnologias simplifica o uso de ferramentas, exigindo menos esforço dos usuários, o que traz mudanças de velhos paradigmas no ambiente de trabalho, segundo o neurocientista e professor da Unifesp, Álvaro Machado Dias.

“Quando falamos de tecnologia como o pacote Office, estamos nos referindo a uma época em que criar uma função no Excel era menos comum e mais trabalhoso. A provocação é: eles são ruins nisso ou nós já superamos essas necessidades com soluções mais eficientes?”, diz o especialista.

Em janeiro, uma reportagem do Byte mostrou que muitos adolescentes recorrem a redes como TikTok para conseguir informações de maneira extremamente rápida sobre uma ampla variedade de temas, deixando o YouTube, de vídeos mais longos, e até o próprio Google em segundo plano.

O dado é enfatizado por Prabhakar Raghavan, vice-presidente sênior do próprio Google. Em uma conferência de 2022, Raghavan afirmou que "quase 40% dos jovens quando procuram um lugar para almoçar, não vão ao Google Maps ou à Pesquisa, eles vão para o TikTok ou Instagram."

Para Fabio Campos, pesquisador do laboratório Transformative Learning Technologies Lab (TLTL) da Universidade de Columbia (EUA), o essencial é que os jovens adquiram uma base em alfabetização digital e midiática. O resto do processo do aprendizado vai ser naturalmente mutável, para bem ou para mal. 

"Se o problema é Excel, talvez agora você só precisa ter noções de Excel, noções de gestão de projeto e a máquina vai encurtar o processo. E que bom, isso é a renovação do desafio", afirma.

IA pode empobrecer o conhecimento

Cortar caminhos é tentador. Não faltam aos jovens, por exemplo, recursos de IA que ofereçam substitutos a longos e trabalhosos cursos de Excel. O site TopAI.tools lista 70 deles, para começar.

A preocupação dos educadores é que os alunos possam se acomodar, utilizando a IA meramente como uma forma de reduzir o esforço, em vez de um meio para potencializar o aprendizado.

“A tendência da IA é juntar diferentes modelos em uma única aplicação, fazendo a curva de aprendizado cair. Tudo que exige menos esforço mental causa menos desenvolvimento”, diz Dias, neurocientista da Unifesp.

Segundo Zerbinatti, do Ismart, desenvolvimento do senso crítico e da responsabilidade ética com o uso de recursos digitais deve ser estimulado pelo contexto em que o estudante se desenvolve.

"A presença e supervisão de responsáveis, como escola e família, é altamente necessária", afirma.

Nascidos entre o final dos anos 90 e início dos anos 2000 se acomodaram em celular e redes sociais, dizem especialistas
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Foto: Solen Feyissa/Unsplash

Nesse cenário, a falta de uma política nacional consistente para a integração da tecnologia na educação é um desafio destacado. A ausência de um plano estruturado resulta em abordagens fragmentadas por parte de estados e municípios, levando a uma grande disparidade nas práticas educacionais.

"Me choca que, depois de uma pandemia em que ninguém sabia para onde ir, as escolas não tinham conexão, tablet, ninguém tinha nada, o Brasil esteja só esperando a sua próxima crise", afirma Fabio Campos.

Mais velhos podem inspirar?

O conceito de "quiet ambition" ("ambição silenciosa", em tradução livre) marca jovens da Geração Z, que demonstram pouca disposição para buscar cargos de liderança ou assumir grandes responsabilidades corporativas.

“Hoje, o incentivo para o indivíduo aprender uma ferramenta nova é menor, porque a taxa de rotatividade é maior, e logo ele estará trabalhando em outro lugar”, analisa Dias, da Unifesp.

O levantamento "Carreira dos Sonhos 2023", realizado pela consultoria Cia de Talentos, que indica que 56% dos jovens brasileiros priorizam a qualidade de vida em detrimento do sucesso profissional tradicional. Além disso, cerca de 53% consideram que a liderança de suas empresas não serve como inspiração.

A cooperação entre gerações é viável, mas requer um combate efetivo ao etarismo, prática discriminatória que afeta as relações intergeracionais.

Para Simões, da UFPA, os jovens podem ter dificuldades em entender processos que consideram obsoletos, influenciados pela ideia de que certas habilidades já não são necessárias

"As gerações tendem a consolidar estereótipos sobre si mesmas – os jovens se percebem plenamente adaptados às novidades tecnológicas, enquanto os mais velhos se consideram deslocados e inaptos", diz.

"É um trabalho difícil de conscientização e todas as gerações podem se ajudar. Não acredito que os mais jovens estejam abertos a aprendizados complexos da maneira que as outras gerações estão. Fazer essa autocrítica é difícil". 

Fonte: Redação Byte
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