Pode ser por causa da COP30. Pode ser por causa da crise climática. Pode ser por um choque de realidade. É visível que a Amazônia é cada vez mais tema de debate no noticiário e nas discussões mundiais. Para Bia Saldanha, os povos da floresta e as novas tecnologias são fundamentais neste processo de ‘descobrimento’ amazônico.
Economista, ativista e importante articuladora de parcerias entre comunidades locais e empresas privadas para encontrar novos mecanismos de remuneração dos serviços e produtos amazônicos, ela destaca a importância de os povos da Amazônia tomarem propriedade do discurso sobre a região.
“O povo da floresta está podendo se comunicar diretamente para o mundo, sem intermediários. Quer dizer, lógico que tem intermediários. A gente precisa agora entrar nesses detalhes, na complexidade desses meios de comunicação, mas o fato é que eles têm se apropriado. Então ampliou muito as vozes, o número de incidências e de trocas de comunicação. Eu acho que isso é um fenômeno importante”, disse Bia em entrevista a Victor Cremasco.
Ela é a 5ª entrevistada do Futuro Vivo, podcast que conta com treze episódios e faz parte da plataforma de sustentabilidade homônima da Vivo. Os episódios são disponibilizados toda terça-feira no Terra e em plataformas de áudio (Spotify) e vídeo (YouTube). Além de Bia Saldanha, também já participaram Carlos Nobre, Kaká Werá, Gilberto Gil e Denise Fraga.
"Eu acho que a gente tem um fenômeno bem importante de tomada de poder da comunicação com as redes sociais, com as ferramentas, smartphones, que trouxeram uma facilidade para trazer capilaridade, para trazer conectividade e comunicação." - Bia Saldanha
Conectados e influentes
Bia destaca o número cada vez maior de influenciadores digitais da própria floresta, incluindo representantes dos povos originários. “Eu tenho falado muito sobre isso, dessa oportunidade que a gente está vendo nessas ferramentas de produção de conteúdo e comunicação e na incidência dos povos dessa floresta e de outras estarem se engajando nas redes sociais de uma forma tão potente. Hoje a gente vê os grupos de comunicadores indígenas, de comunicadores das populações tradicionais, quilombolas, assumindo o protagonismo dos seus, de falas e de movimentos, usando as redes sociais para milhares de seguidores.”
Carioca de nascença e moradora do Acre há mais de 30 anos, Bia participa, entre outros projetos, do Conexão Povos da Floresta. Ela reforça a importância da tecnologia na conexão e na tomada do discurso. “Acho que estamos indo para o terceiro ano de trabalho, mas temos já 1.800 comunidades conectadas. O objetivo dessa rede é conectar populações da floresta que vivem em territórios e unidades de conservação e que não tinham acesso à internet em banda larga, com internet de alta velocidade pra eles poderem ter essa conectividade, porque isso era um obstáculo na floresta. O objetivo era chegar a 5.000 comunidades até o final do ano que vem. E isso é totalmente revolucionário.”
Bia reforça, porém, os cuidados que as novas tecnologias exigem. “Claro que a gente conhece os riscos, e a gente está, inclusive, trabalhando para mitigar, trabalhando com treinamentos de sabedoria digital e tantas outras ferramentas pra criar uma rede de segurança, pra fazer essa conectividade significativa. Mas é uma revolução que a gente realmente não tinha antes.”
Emergência climática: a Amazônia no centro do debate
Apesar de destacar a importância das vozes locais, Bia Saldanha admite que a Amazônia está no centro dos debates, sobretudo, devido à emergência climática e à possibilidade de a humanidade atingir pontos de não-retorno.
“A gente está vendo essa emergência climática, esse momento do mundo tão conturbado, onde os cientistas estão gritando a importância de a gente mudar a nossa produção, o nosso consumo e a nossa forma de produzir e consumir pra evitar a catástrofe climática que seria passar de 1,5ºC de aquecimento. Na Amazônia, então, a gente tem essa discussão central, porque a floresta está de fato muito vulnerável por conta disso. Ela é causa, obviamente não voluntariamente, porque ela está sendo devastada, derrubada e usada de forma totalmente inconsequente. Mas também ela é vítima desse fenômeno e dessa urgência climática.
Bia mora em Rio Branco, e se permite comemorar de maneira tímida que este ano não esteja sendo tão drástico para a capital acriana, que vinha sofrendo com secas e incêndios. Ela destaca um papel importante dos órgãos de controle, tanto estaduais quando federais, mas acredita que ainda precisa ser feito muito mais.
“O que precisa mudar é o incentivo. O que fazer com a floresta, o que produzir? Como viver na floresta e fora dela pra gente fazer mudanças sistêmicas e estruturantes e não estar sempre tomando medidas de policiamento ou reversão de algo que já aconteceu ou que pode acontecer caso esse sistema de controle deixe de acontecer?”, questiona. “Eu acho que as mudanças têm que ser mais estruturantes.”
“O dia a dia dessa Amazônia é a gente vivenciar essa destruição. É um processo muito triste, muito impactante. Mas não é só isso que está acontecendo e eu gosto sempre de contrapor isso com experiências que eu vejo acontecer de resgates de força e de conquistas muito importantes dos povos tradicionais e das comunidades tradicionais e dos quilombolas nessas últimas décadas. Eu acho que a gente tem avanços importantes que devem ser celebrados para que a gente possa realmente encontrar saídas. Porque, de fato, se a gente passar desse ponto de não retorno, é, como já disse, não tem retorno.”