Especialistas classificam rascunho final da COP30 como ‘maior risco que o planeta já viveu’ e 'traição à ciência'

Nova versão do rascunho do documento final exclui 'mapa do caminho' para o fim dos combustíveis fósseis

21 nov 2025 - 10h02
(atualizado às 11h28)
Carlos Nobre critica esboço final da COP30
Carlos Nobre critica esboço final da COP30
Foto: Adrielle Farias/Terra

A nova versão do rascunho do documento final da 30ª Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP30), divulgada na madrugada desta sexta-feira, 21, foi classificada por ambientalistas como o 'maior risco que o planeta já viveu’ e como uma 'traição à ciência e às pessoas'. As críticas estão diretamente relacionadas à ausência do “mapa do caminho” para o fim dos combustíveis fósseis, que também foi alvo de repúdio de diversas delegações.

O cientista Carlos Nobre afirmou ao Terra que não incluir o tema no documento final, que deve sair neste fim de semana, é um grave problema. “Nós estamos criando o maior risco que o planeta já viveu”, disse. "A ciência mostra, nós temos que zerar as emissões, idealmente em 2040, não mais que em 2045. E isso não está no rascunho, não se menciona rapidamente zerar o uso de combustíveis fósseis. Então nós temos que torcer muito que até o final da COP30 apareça essa meta de todos os países de acelerar muito rapidamente, zerar o uso de combustíveis fósseis."

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Pela primeira vez, a conferência tem um pavilhão dedicado às ciências planetárias, do qual Carlos Nobre, Paulo Petersen e outros especialistas do clima fazem parte. Petersen endossou o posicionamento de Nobre e destacou que os sistemas alimentares, por exemplo, necessitam dessa transição energética.

“A agricultura se transformou em uma grande consumidora de combustíveis fósseis. E a agricultura hoje é a arte de transformar petróleo em alimento. Isso é péssimo para a saúde humana e para a saúde do planeta”, afirmou.

Em nota, o Conselho Científico da COP30 ressalta que as 'palavras combustíveis fósseis estão completamente ausentes do texto mais recente', ainda que um grande número de países tenha se unido em torno de roteiros para acabar com a dependência do principal vilão do aquecimento global. O chamado “mapa do caminho” foi uma das demandas apresentadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a Cúpula de Líderes, que antecedeu a COP30. Medida que também foi defendida pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em um discurso realizado na quinta-feira, 20. 

"Isso é uma traição à ciência e às pessoas, especialmente os mais vulneráveis, além de totalmente incoerente com os objetivos reafirmados de limitar o aquecimento a 1,5°C e com o quase esgotamento do orçamento de carbono. É impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento", pontuou a nota.

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Mas, segundo o conselho, os negociadores devem trabalhar juntos nesta sexta-feira, 21, no último dia oficial da COP30, para 'recolocar no texto os roteiros para um futuro mais seguro e próspero'. "A ciência está aqui para ajudar”, enfatizou o documento.

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'Não dá para esperar mais um ano'

A Iniciativa do Tratado sobre Combustíveis Fósseis cobrou avanços mais significativos na transição energética. “O texto atual da COP30 está muito aquém do que as pessoas nas ruas de Belém e nos corredores da COP exigem – e do que o próprio Presidente Lula defendeu. A falta de um plano concreto para lidar com a produção de carvão, petróleo e gás só aumenta a urgência de um Tratado sobre Combustíveis Fósseis", pontuou Kumi Naidoo, presidente da organização. 

"Não podemos nos dar ao luxo de esperar mais um ano por outro sinal político fraco enquanto comunidades inteiras queimam e se afogam", completou ele, que destacou que o Tratado sobre Combustíveis Fósseis oferece um roteiro eficaz, 'um roteiro que prioriza a justiça, a equidade e a urgência'. 

"Dezoito países já o apoiam, sendo o Camboja o mais recente a aderir na COP30. A proposta do Tratado é o caminho mais ambicioso disponível. Qualquer nação que leve a sério o cumprimento do limite de 1,5°C e apoie um roteiro para a transição para longe dos combustíveis fósseis deve se juntar a este corajoso grupo de países.”

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'Desequilíbrio'

O Observatório do Clima chamou o 'Pacote de Belém' de 'desequilibrado' e ressaltou que o documento não pode ser aceito como 'resultado da conferência'. "Os rascunhos apresentados são fracos nos pontos em que avançam e omissos num tema crucial: eles não atendem à determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o apoio de 82 países, de fornecer um roteiro para implementar a transição para longe dos combustíveis fósseis. Esta expressão, aliás, não aparece em nenhum lugar dos 13 textos publicados", disse. 

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A organização explicou que, apesar de alguns avanços nesse rascunho final, tudo o que diz respeito a 'atacar as causas da crise climática' foi eliminado do documento, o que inclui os roteiros para combustíveis fósseis e o desmatamento.

"Tudo o que diz respeito a atacar as causas da crise climática foi eliminado do texto do Mutirão. Os roteiros (roadmaps) para combustíveis fósseis e desmatamento sucumbiram à pressão de alguns países petroleiros, e a resposta à lacuna de ambição, fundamental para países insulares que estão afundando sob o oceano em elevação, virou um relatório a ser produzido em três anos e sem nenhuma perspectiva de encaminhamento concreto", acrescentou. 

Carolina Pasquali, diretora-executiva do Greenpeace Brasil, mostrou preocupação com a ambição de 1,5ºC, caso o roteiro dos combustíveis fósseis não seja incluído no relatório final da COP30.

 “As metas de emissão para 2035 estão muito aquém do esperado e este texto da Decisão Mutirão é praticamente inútil, pois contribui muito pouco para reduzir a lacuna de ambição de 1,5°C e para pressionar os países a acelerarem suas ações. Não há outra opção senão os países rejeitá-lo e devolvê-lo à presidência para revisão."

Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, destaca que o rascunho 'menciona elementos importantes para o enfrentamento as mudanças climáticas, como por exemplo os direitos territoriais de povos indígenas', mas 'falha em não apresentar propostas para avançarmos na eliminação dos combustíveis fósseis e do desmatamento'.

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"É hora de maior ambição e seriedade dos negociadores para que alcancemos resultados concretos que nos coloque de volta a rota do 1.5C”

"Uma COP realizada no coração da Amazônia que não traz uma mensagem clara e vinculante sobre a conservação de florestas envia um sinal profundamente preocupante ao mundo. É mais do que uma lacuna técnica: é uma chance perdida. E um regime climático que falha justamente quando tem a Amazônia diante de si corre o risco de comprometer sua própria credibilidade", completa Tatiana Oliveira, especialista em Clima e líder de Estratégia Internacional do WWF-Brasil. "É a recusa de uma tarefa histórica." 

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Fonte: Portal Terra
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