Ofensiva de Trump contra Maduro eleva risco de conflito armado na América do Sul, dizem analistas

A América do Sul fecha 2025 com riscos reais de ser palco de um conflito armada diante da intensificação de ataques e pressão do governo Donald Trump sobre a Venezuela de Nicolás Maduro. A avaliação é de analistas em relações internacionais ouvidos pela RFI.

26 dez 2025 - 07h27
(atualizado às 07h30)

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Um novo petroleiro venezuelano perseguido pela Guarda Costeira dos Estados Unidos no Caribe. Imagem publicada na conta X da secretária de Segurança Interna dos Estados Unidos, Kristi Noem.
Um novo petroleiro venezuelano perseguido pela Guarda Costeira dos Estados Unidos no Caribe. Imagem publicada na conta X da secretária de Segurança Interna dos Estados Unidos, Kristi Noem.
Foto: © AFP - HANDOUT/ US Secretary of Homeland Security Kristi Noem's X account / AFP / RFI

Os motivos da ação dos Estados Unidos envolvem interesses econômicos, geopolíticos e eleitorais, já que se trata de um alvo com grandes reservas de petróleo, onde cresceu a influência econômica da China e a militar da Rússia, que poderiam reagir se a linha da ação armada adentrasse em território venezuelano.

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O governo autoritário de Maduro e o discurso de Trump de combate ao narcotráfico e às ditaduras emolduram o discurso que o presidente norte-americano precisa para justificar internamente a ofensiva, afirmam especialistas.                                                                    

A política de sanções contra a Venezuela vem de outros governos, como o de Barack Obama, só que agora foi dado um passo além, com o uso de arsenal bélico, como se vê nos ataques a embarcações e na apreensão de navios petroleiros, colocando em prática, ressalta a analista Carolina Pedroso, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o pensamento de que a América não é para os americanos, mas para os interesses estadunidenses.                                                                                                                                   

Segundo ela, a dúvida que ainda paira na equipe de Trump é a forma de tirar Maduro do poder, diante de consequências que podem deteriorar ainda mais a crise no país bolivariano: "Há uma preponderância dessa visão de que os meios militares podem sim ser utilizados de forma mais direta para a retirada do Maduro, embora até o momento eles tenham sido utilizados para gerar essa sensação de que um ataque iminente está a caminho", afirmou, explicando que na literatura internacional tal apostura é chamada de guerra psicológica ou híbrida.

Pedroso afirma que há uma outra parte dentro do governo Trump que entende que a pressão econômica, militar e geopolítica seria o melhor caminho para retirar Maduro e que avançar essa linha - que até hoje não foi cruzada - dos Estados Unidos intervindo diretamente em um território sul-americano, pode trazer mais prejuízos do que benefícios.

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"Parece que é justamente por conta dessas amarras internas e dessa indefinição sobre como proceder é que a situação ainda não escalou para o nível de um confronto direto entre os dois países", avalia.

A professora da Unifesp cita uma carta aberta publicada por agentes de segurança sêniores dos Estados Unidos. O documento não diz que o governo Nicolas Maduro deve ser salvo, ao contrário, mas aponta possíveis consequências de uma queda a partir de forças militares externas, como o fortalecimento do narcotráfico e uma piora da situação humanitária em toda América do Sul, com epicentro na Venezuela.

Força militar

Para se manter no poder todo esse tempo, mesmo com vários países criticando fraudes nas eleições, Maduro tem contado com apoio dos militares, elevando a patente de muitos deles. E o que essa farda empoderada fará numa queda de Maduro é uma das questões que precisam ser levadas em conta, ressalta Vinícius Vieira, especialista e professor de relações internacionais da FAAP e FGV:

"Maduro promoveu mais de mil oficiais ao cargo de general. Seria então o exército com mais generais no mundo, dois mil generais. É justamente para ter pessoas com alto prestígio que pudessem sustentá-lo no poder. E acho que a saída passa pelo rumo que esses generais tomarão no cenário de iminente queda de Maduro e de crise econômica aprofundada pelas ações de Trump", afirmou Vieira.

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"Os generais vão deixar o poder? Eles vão se aliar à oposição? Não se sabe ao certo, até porque não apenas as Forças Armadas estão aparelhadas, mas também outras instituições venezuelanas, a Suprema Corte, a Assembleia Nacional e a Comissão Nacional Eleitoral", questiona.

O analista destaca que o direito internacional nunca foi amplamente respeitado, mas que a atual escalada de tensões traz um elemento mais perigoso.                                                       

"Temos aqui um indício de como os Estados Unidos e outras potências tendem a agir desde a pandemia da Covid, desde guerra da Rússia contra o Ucrânia. Grandes potências sempre tiveram uma postura ambígua quanto ao direito internacional, mas agora isso envolve violações diretas e explícitas, sem pudor em relação à soberania de terceiros. Maduro deve cair, mas não com esse tipo de pressão que abre precedentes", diz Vinícius Vieira.

O professor lembrou que Trump foi bem claro ao dizer que ações por terra podem acontecer em outros países latino-americanos. Para ele, o Brasil tem de trabalhar, como vem tentando, uma saída pelo diálogo já se preparando, assim como a Colômbia, para receber novos contingentes de refugiados.

Para Carolina Pedroso, o dificultador nesse processo é não saber o que esperar das reações de Trump. "A reação do Brasil tem sido até agora de muita cautela, não só por ter consciência da gravidade que uma escalada de tensões tão próxima de nós pode trazer, mas também pela própria insegurança e imprevisibilidade que o governo Donald Trump tem trazido para todas as arenas do sistema internacional, especialmente na nossa relação bilateral, destacou.

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