Proposta antifacção do governo previa redução de pena apenas para réu primário; entenda

POSTAGENS NAS REDES SOCIAIS ENGANAM AO FAZER PARECER QUE PROJETO DIMINUIRIA PENA PARA QUALQUER CONDENADO; DIMINUIÇÃO FOI RETIRADA NA VERSÃO DO RELATOR, GUILHERME DERRITE

11 nov 2025 - 17h00

O texto inicial do Projeto de Lei Antifacção previa que a pena para réus primários fosse reduzida para um sexto a dois terços do tempo total de detenção. Nas redes sociais, esse trecho da proposta do governo foi distorcido, fazendo parecer que a redução de pena valeria para qualquer condenado.

O projeto cria a figura da organização criminosa qualificada, ou facção criminosa. A pena proposta pelo governo por integrar uma facção chega a 30 anos de detenção. No texto original, encaminhado ao Congresso em outubro, as penas poderiam ser reduzidas desde que:

Publicidade

o agente seja réu primário; tenha bons antecedentes; não seja parte de liderança, promoção ou financiamento da organização criminosa em qualquer modalidade.

No Facebook, conteúdos que espalham a alegação de que "Lula reduziu a pena de faccionados" são acompanhados por comentários que criticam o governo: "Bandido ladrão vagabundo presidiário. Só defende bandido, esse ladrão do Lula", diz um. "Como uma lei 'antifacção' pode diminuir o tempo de punição para quem destrói comunidades, domina territórios e assassina inocentes?", criticou outro post.

Desde que foi enviado ao Congresso, o texto da lei antifacção passou por mudanças. Sob a relatoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), a possibilidade de diminuição de pena foi retirada. O texto ainda causa divergências entre líderes partidários, e por isso, como mostrou o Estadão, deve ser votado na quarta-feira, 12.

Entenda abaixo o que dizia a proposta, o que mudou e quais críticas estão relacionadas à lei.

Publicidade

Quando foi apresentado inicialmente e o que dizia sobre redução de penas?

Assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e enviado ao Congresso Nacional em 31 de outubro, o PL traz mudanças em leis como o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei da Prisão Temporária e a Lei da Execução Penal.

Ela estabelece pena máxima de 30 anos para condenados por envolvimento em facções. O projeto endurece penas contra criminosos organizados e fortalece a atuação do governo no combate a esses grupos. Como mostrou o Estadão, o PL foi estruturado nos seguintes pontos:

Atualizações de lei que ampliam as penas, incluindo a classificação de crime hediondo para caso de homicídios cometidos a mando das facções;Fortalecimento do poder de investigação das polícias;Asfixia das fontes de receita do grupo criminoso;Enfraquecimento do poder de comunicação dos bandidos;Tentativa de bloquear a infiltração de faccionados no poder público.

Entre os pontos do projeto enviado por Lula estava também a redução de penas para criminosos com réu primário: "As penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, tenha bons antecedentes e não se dedique à liderança, à promoção ou ao financiamento da organização criminosa em quaisquer de suas modalidades".

Publicidade

Esse trecho gerou distorções nas redes sociais, com postagens afirmando que o projeto apoiado pelo governo reduziria a pena para qualquer participante de facções.

Segundo Ludmila Ribeiro, professora de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora no Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), a proposta de redução nos termos prescritos não é incomum.

"Quando a gente está falando de primários com bons antecedentes, (se caracteriza) como uma tentativa de dar um benefício para essas pessoas, tendo como perspectiva a ideia de que essa pessoa está menos envolvida do que pessoas que já foram pegas outras vezes", disse a professora. "É como se você fosse dar um voto de confiança", explicou.

Segundo a pesquisadora do Crisp, o trecho não muda o caráter da lei e a proposta inicial era um bom ponto de partida para entender a dinâmica do crime organizado e formar estratégias preventivas e fortalecer a autoridade nacional. Mesmo com o aumento previsto das penas, que segundo ela, não reduz por si só o poder das facções criminosas, era possível ver um avanço.

Publicidade

"Aumentar a pena não significa necessariamente que está melhorando a nossa capacidade de prevenção do crime", comentou. "Existe muita dúvida sobre essa capacidade do aumento de penas efetivamente contribuir para mudança das dinâmicas faccionais".

Novo relator mudou o texto da lei antifacção

No último dia 7, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou o deputado Guilherme Derrite como o relator do Projeto Antifacção. No mesmo dia, Derrite alterou o texto original para equiparar organizações criminosas a organizações terroristas e elevou a pena máxima para terroristas de 30 para 40 anos.

Ele ainda incluiu novos tipos penais na Lei de Crimes Hediondos, ampliando o tempo mínimo de cumprimento em regime fechado. O texto do relator também prevê que líderes de organizações criminosas, paramilitar ou milícias cumpram a pena em presídios de segurança máxima. (Veja as principais mudanças aqui).

O deputado criticou fortemente o artigo que previa a redução de penas do texto original: "Na prática, isso significa que um membro do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, quando condenado, pode pegar apenas 1 ano e 8 meses de prisão, em regime aberto, o que é, por si só, um contrassenso técnico com a essência e a finalidade do que se propõe nesta oportunidade", disse no relatório.

Publicidade

Então, no novo texto, essa opção foi retirada. Com a mudança feita no dia 7, há a previsão de redução, de um terço até a metade, para quem "praticar atos preparatórios, com propósito inequívoco de consumar qualquer das condutas tipificadas". Ou seja, quem planejar crimes tipificados na Lei Antifacção mas não os concretizar poderá responder por eles, mas a pena será menor.

Novas críticas e mais 'mudanças pontuais'

O texto de Derrite sofreu críticas por dificultar o trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público no combate ao crime organizado. Segundo a proposta, "a regra de competência para os novos crimes de organização criminosa é estadual", mas o texto prevê um "mecanismo de atuação coordenada da Polícia Federal em casos de grande alcance, mediante provocação do governador do Estado."

A Polícia Federal publicou uma nota criticando o texto: "A proposta do deputado obrigaria a instituição só poderia entrar em investigações a pedido de governos estaduais, o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado".

O promotor Lincoln Gakiya, que investiga o PCC e está jurado de morte pela facção, afirmou que a proposta pode excluir a PF e o MP das investigações e afetar operações contra o crime organizado, como mostrou a coluna de Marcelo Godoy no Estadão.

Publicidade

Representantes do PT na Câmara também criticaram o trecho.

Após a repercussão, Derrite disse ao Estadão que fez novas "mudanças pontuais", dessa vez incluindo que a Polícia Federal poderá participar das investigações em caráter "integrativo" e "cooperativo" com a polícia estadual. Essa participação poderia ocorrer por solicitação do delegado de polícia estadual ou Ministério Público estadual, ou por iniciativa própria.

Em entrevista ao Papo com Editor do Estadão/Broadcast, Derrite afirmou que o texto está "99% pronto" mas que está aberto a ouvir o governo federal.

É falso que homem em foto com governador do Ceará seja líder de facção morto em operação no Rio

Vídeo de traficante arrependido ao ser cercado pelo Bope foi gerado por IA

Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações