Atriz, roteirista e cronista, Maria Ribeiro nunca coube em rótulos. Começou no jornalismo, mas logo migrou para os palcos. Em três décadas de carreira, transita com naturalidade entre cinema, teatro, TV e escrita — sempre com intensidade e originalidade.
Na Casa Vivo, em conversa com Joyce Pascowitch, Maria falou sobre liberdade, maternidade, psicanálise e a sensação de estar, finalmente, no seu melhor momento. “Acho que nasci para ter a idade que tenho hoje. Não me importo mais tanto com o que os outros acham”, diz.
Liberdade é sua marca. Mas não aquela liberdade vazia: é inquieta, viva, movida a contradições. Carioca, de classe média/alta, Maria sempre buscou expressão e palco. Cita a autora bell hooks, comenta sobre bolsas que usa, e fala de séries mainstream, como “The White Lotus” e “The Last of Us”. Muda de ideia sem culpa. E gosta disso.
Mãe de dois meninos, frutos das relações com Paulo Betti e Caio Blat, ela encara a maternidade sem romantismo: “Você era a musa e, de repente, vai ficando em quarto, quinto, décimo lugar.” Fala de suas vulnerabilidades com naturalidade: a família, a primeira crise de pânico aos 17, a terapia que a salvou. Freud, aliás, é “o homem da vida” dela.
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Entre suas referências, estão o diretor Domingos de Oliveira, falecido em 2019, seu mentor no teatro, e Anitta, com quem escreveu o documentário “Larissa: O Outro Lado de Anitta”. “Ela não é deste mundo”, diz, impactada.
Em seus textos na imprensa ou nas redes sociais, Maria deixa claro que segue fiel à própria natureza — e continua mudando.
Eu achava que queria ser a Leila Diniz, mas, no fundo, eu gosto é desse pacto de só duas pessoas saberem o que vivem... Eu pareço maluca, mas sou careta. Não tenho o menor talento para a solteirice.
LIBERDADE COM UM MIX DE ANÁLISE E NÃO-PERTENCIMENTO
Maria possui múltiplos interesses e uma inquietação aparentemente infinita.
É muito difícil a gente se rotular. Eu, cada vez mais, quero não saber quem eu sou. Eu enjoo das coisas. Já quis ser só atriz, depois só escrever, agora eu tô querendo ser cantora, mesmo cantando muito mal.
Eu ia pro teatro de motorista, mas pedia pra descer uma quadra antes, pra ninguém me ver. Eu sentia vergonha. Porque a galera do teatro me achava patricinha, e na escola achavam que eu era esquisita. Ser adolescente é muito difícil, e eu sinto que sofro isso até hoje, na verdade. De não ser compreendida.
Eu sou devota da análise. O Freud é o homem da minha vida, eu sou a fim do Freud. (…) O conhecimento de saber por que eu estou triste me dá um prazerzinho.
MATERNIDADE REAL
Sem romantizar ou bancar a mãe descolada com dois filhos adolescentes, Maria encara a maternidade com a mesma franqueza que atravessa sua vida inteira.
Eu não sou amiga dos meus filhos, não sou brother. Eu sou mãe dos meus filhos. Existe uma hierarquia. Mas a gente tem uma conexão muito profunda. Eu quero saber o que eles pensam, ouvem e o que vivem.
PRODUZIR É RESPIRAR
Maria até tenta idealizar uma vida mais tranquila, mas a verdade é que seu motor interno não desliga. A ideia de “parar tudo e plantar no mato” até aparece, mas como metáfora para outra coisa: novos projetos.
Sua mente está sempre em movimento, assim como a consciência sobre seus próprios sentimentos prestes a completar meio século de vida.
Eu sou muito pilhada com trabalho. Queria ser aquela pessoa que fala: ‘ai, quero ir pro mato, plantar’. Gente, eu não quero ir pro mato plantar. Eu quero plantar projeto. Se eu for pro mato, em dois dias já estou pensando: esse mato aqui dá um filme... Estou chorando à toa, por qualquer coisa. Não sei se é a idade, vou fazer 50 anos...
THE WHITE LOTUS
Ela adora luxo, detesta servilismo e prefere assistir a séries que provoquem, como foi o caso da temporada mais recente de “The White Lotus”, da Max.
A série tem a bolsa chique e a crítica social. Eu sou política e gosto de luxo. Eu adoro hotel, mas tenho horror à coisa servil. Quando eu vejo alguém trazendo café numa bandeja de prata, com uniforme, fico mal.
AMOR, CIÚMES E ROMANTISMO
Maria afirma que prefere a intimidade à solteirice. Pactos silenciosos entre duas pessoas a agradam mais do que a ideia de parecer desapegada aos olhos de quem vê de fora.
Eu sou ciumenta, possessiva. Já pedi pro meu namorado botar alarme no celular pra me mandar coração. Copia e cola mesmo. ‘Tô com saudade’, algo assim. Não precisa ser verdade, mas precisa parecer.
SORORIDADE, PRÁTICA E ANITTA
O discurso feminista, para ela, só faz sentido se vier acompanhado de ação concreta. É preciso divulgar, apoiar e dar visibilidade ao trabalho de outras mulheres. Foi assim que se conectou profundamente com Anitta — um encontro que mudou a vida de Maria.
Ela [Anitta] mudou a minha vida. Tem pessoa com quem a gente bate o santo e a gente bateu pra caramba. Eu nunca tinha escrito roteiro para ninguém, só para os meus documentários. Entrei no documentário dela — ‘Larissa: O Outro Lado de Anitta’ — meio por acaso, e foi transformador.
A liberdade da Anitta me pegou num lugar muito profundo. Ela não é deste mundo. É uma inteligência, uma liberdade e uma rapidez…
Acho que não adianta dizer que é feminista se você não posta o trabalho das suas amigas, não compra delas, não coloca isso em prática. Amor é ação, como diz a escritora bell hooks. Estou num momento de exibir as mulheres que amo. De falar: ‘olha essa aqui’. Olha o que ela está fazendo. A gente precisa fazer isso mais: dar nomes e arrobas.