Bob Wolfenson repassa carreira de 50 anos e ensaios emblemáticos com celebridades desnudas

Aos 70 anos, um dos maiores fotógrafos do Brasil mantém inquietude e criatividade entre retratos, registros e o que mais o envolver

22 dez 2025 - 04h59

O que acontece quando os instantes capturados pelas lentes de Bob Wolfenson, um dos maiores fotógrafos do Brasil, naufragam em uma enchente na cidade de São Paulo? Foi o que houve com várias de suas fotos em uma das tantas tempestades que deixou seu estúdio, na Vila Leopoldina, embaixo d’água. O ritual complexo da fotografia de congelar um fragmento de movimento e deixá-lo perene foi subvertido. A inundação “deseternizou” o clique, dando a ele ondulações molhadas e transformando-o em outra coisa — uma nova arte. “Pensei em jogar tudo fora, mas aquilo criou uma materialidade nova. O que era estático ficou um pouco tridimensional, com novas texturas. Fotografia é memória. Mas eu chamo isso de sobre-memória. Nesse caso, involuntária”, ele diz. Foi daí que nasceu a mostra “Sub-Emersos”, que foi exibida no começo de 2025, com quadros de imagens icônicas agora reformulados, enrugados, puídos e um pouco rasgados pela água. Isso os deixou, de certa forma, novos. Bob é o exemplo perfeito de alguém que nunca esteve estático, diferentemente dos frames que captura com suas lentes. Mudança é uma constante em mais de 50 anos de carreira.

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Bob Wolfenson
Bob Wolfenson
Foto: Velvet

O fotógrafo começou meio no susto, aos 16 anos, após a morte de seu pai. “Foi um marco forte na minha vida, talvez o maior de todos, e me levou ao trabalho”, ele lembra. Um cunhado trabalhava na revista Veja e sugeriu uma vaga no estúdio de fotos da Editora Abril, em 1970. Ali, clicou de tudo — retratos de empresários, jornalismo na rua e shows. Depois de quatro anos, alçou voo solo no editorial e seguiu fazendo o que aparecesse na imprensa — são dessa época inúmeros trabalhos no meio musical. Até decidir que era hora de voar para fora do Brasil, não metaforicamente. “O estúdio da Abril me deu régua e compasso, mas não me deu o olhar. Eu já tinha 28 anos, não era mais jovenzinho. Decidi trabalhar como assistente de algum grande fotógrafo para refinar a estética”, conta. O destino escolhido foi Nova York. Vendeu tudo que tinha: carro, equipamento e foi para lá, ficar na casa de uma prima.

Chegou na cidade em 1982. Mandou cartas para vários estúdios e teve a sorte de ser aceito por Bill King, profissional que havia acabado de perder o assistente. “Ninguém acreditava que eu tinha trabalhado com ele lá e tudo que eu tinha para provar era um cheque assinado”, se diverte. Naquela época, porém, quando alguém voltava ao Brasil vindo de Manhattan, isso virava predicado. O marketing pessoal da viagem antecedia sua chegada nos lugares. “E se me tratavam bem assim, eu comecei a aceitar que era bom também”.

Curiosamente, durante os quase dois anos em que viveu nos EUA, ele assinava como Roberto. Bob, o apelido, foi dado antes, por uma professora de inglês na adolescência, e espalhado no Colégio Equipe por uma amiga. “Até tentei assinar como Roberto quando voltei de NY, mas deu muita confusão. Já quis voltar para Roberto também hoje em dia, mas é complicado”, reflete.

Não tive um impulso vocacional pela fotografia desde o começo. Era um emprego que estava lá. Mas a gente se apaixona pelo inesperado também. A vocação veio depois.

O RETRATISTA DAS ESTRELAS

Em Paraty, Gisele Bündchen foi clicada para a Vogue, em 2003
Foto: Bob Wolfenson / Velvet

Sua carreira decolou com campanhas publicitárias e retratos variados nesse retorno dos EUA. Na lista de quem já fotografou estão Zé Celso, Lina Bo Bardi e Hélio Oiticica, por exemplo. Nas décadas seguintes, por muito tempo, Bob foi associado como fotógrafo de celebridades nuas. Capas emblemáticas da revista Playboy, como a de Alessandra Negrini no Rio, Nanda Costa em Cuba, ou aquelas que quebraram paradigmas de etarismo, como Ângela Vieira e Fernanda Young, têm seu crédito. “Essas mulheres reverteram a objetificação. Escolhiam a locação e o estilo das fotos e ganhavam mais que todo mundo”, conta, lembrando que nem ele, nem as modelos viam o machismo contido no processo com a clareza que vemos hoje. Hoje, as revistas masculinas já não existem e ele não fotografa mais nus. Uma de suas demandas vem agora de retratos corporativos para publicações especializadas. Foi em um desses trabalhos, durante a sessão de fotos do Prêmio Executivo de Valor, que Christian Gebara o convidou para esta entrevista e para assinar a capa da Velvet.

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Mesmo com uma agenda movimentada entre o mercado editorial e a publicidade, Bob mantém a inquietude criativa e, no segundo semestre, inaugurou a mostra “Exteriores”, com imagens realizadas fora de estúdio. Bem longe da linha que o tornou famoso, também já fez exposições como “Belvedere”, com hotéis decadentes, e uma de apreensões policiais. Esta última, aliás, chamou a atenção de um repórter que foi cobrir o “fotógrafo das mulheres” — como assim fotos da polícia? “Ele perguntou por que eu havia feito aquelas imagens e eu respondi ‘porque eu quis e posso’. Também entrevistou uma estudante que estava por ali sobre o que ela havia achado e ela respondeu que parecia que estava dentro das cenas. Aí eu pensei, bingo! O que me inspira é isso. Gosto de observar o que está totalmente fora da minha rotina”, completa.

Nem no meu sonho mais delirante eu poderia imaginar que me tornaria o fotógrafo que me tornei. Nem só pelo sucesso, apesar de obviamente também nesse sentido. Mas principalmente porque a fotografia se entranhou em mim de tal forma que eu não saberia viver sem olhar fotograficamente as coisas.

AS GUINADAS DE OBTURADOR

A imagem famosa de Caetano Veloso é de 1987 e é uma das que foi transformada pela enchente
Foto: Bob Wolfenson / Velvet

A nostalgia comum a quem observa a fotografia não faz parte do método de trabalho de Bob, que garante não sentir falta dos tempos analógicos. “Quando pedem para fotografar com filme, eu peço que me expliquem por que ficaria melhor. Não há razão. A diferença é que hoje se olha o resultado enquanto se faz o trabalho, mas o ofício é o mesmo. O digital só facilita.”

O celular também é bem-vindo — no seu, há cerca de 30 mil cliques, entre fotos pensadas e registros de documentos e outras coisas do dia a dia. A mostra “Exteriores”, inclusive, tem duas imagens feitas com seu aparelho e ele garante que não dá para diferenciá-las das feitas com câmera profissional, embora ele faça questão de sempre levar essa última para as viagens a lazer.

Porém, o boom digital representou uma perda na parte ritualística. Se antes eram necessárias noções de matemática, física ou química para ser fotógrafo, hoje nada disso é importante. “O conhecimento foi democratizado e muito mais gente pode ser fotógrafo. Isso é bom. Porém, nunca houve tantas fotos ruins como atualmente”, ri.

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Mesmo que a matemática tenha deixado de ser premissa para um bom trabalho com a chegada da tecnologia, o olhar geométrico do fotógrafo continua sendo fundamental. Aí não é mais a técnica que está em jogo: é repertório, cultura e arte, como ele define. Dá para ver tudo isso em várias das ampliações expostas em seu novo estúdio , na Lapa, onde também trabalha sua filha Helena — após a sequência de enchentes, ele decidiu sair do grande complexo na Vila Leopoldina.

Antes a pessoa estava prestando atenção no set, agora está prestando atenção no computador. Antes olhávamos o processo, hoje o resultado. E mais gente dá palpite — mas isso pode ser bom, tem coisa que a gente não vê. Não tenho saudade do analógico, não.

O SALTO PARA ARTE

O retrato clássico de Rita Lee com uma jaguatirica pianista, de 1980
Foto: Bob Wolfenson / Velvet

A mistura de repertório e técnica saltou aos seus olhos em um passeio nos anos 2000 pelo cenário urbano do Bom Retiro, onde nasceu e viveu na juventude. “Era um lugar bom para se morar, mas sem horizonte. Lembrava Berlim Oriental. Do ponto de vista paisagístico, era muito pesado”, ele conta. Mas foi uma luz oblíqua que bateu em uma das fachadas que criou o interesse de fazer algo com os prédios colados um ao outro, à luz de referências como o fotógrafo alemão Andreas Gursky ou a Escola de Fotografia de Dusseldorf.

A ideia de fotografar o urbano “grudou” nele por sua história e ligação emocional com o lugar. E foi o caminho para o Bob artista ganhar seu espaço no mundo. Pegou uma câmera grande 8/10, que usava negativo e insistiu muito para subir em lugares e clicar o que nem todo mundo vê. “O que me levou a fazer isso foi totalmente criativo, emocional, artístico. Fazer é racional. Juntar tudo para mostrar o contexto do trabalho é outra coisa”, ele explica de maneira abstrata.

Deu resultado: foi a partir dessa exposição, chamada “Antifachadas”, que Bob foi aceito, de fato, no mundo artístico e convidado a fazer parte dos talentos da Galeria Milan, por onde ficou 17 anos.

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Eu vivo em trânsito pelas várias disciplinas da fotografia e advogo a ideia de viver assim. Mas eu não seria esse fotógrafo que eu sou, se não fossem todos esses outros que me habitam.

Pelé, após coletiva de imprensa em Manchester, em 2011
Foto: Bob Wolfenson / Velvet

AS FOTOS QUE ELE NÃO FEZ

Todo fotógrafo tem uma lista de cliques que não fez. Tem até um livro sobre o tema, “Photographs not taken”, de Will Steacy, que Bob levanta animado para pegar quando questionado sobre o assunto. A obra, obviamente não ilustrada, é um compilado de textos de diferentes profissionais que descrevem a imagem que nunca foi clicada por cada um deles.

Bob não participou da coletânea, mas tem a sua: “Tinha um cara trabalhando nesses bueiros de telefonia na época, provavelmente da Telesp. Ele estava dentro do buraco, com um telefone antigo daqueles na mão, só a cabeça para fora. Na imagem você via o asfalto e só a cabeça dele, saindo do chão, ao telefone”, descreve, como se estivesse vendo a cena novamente. Uma de suas ideias, inclusive, seria refazer as fotos do livro, usando inteligência artificial. “Sou milionário de ideias. Eu não sei hoje qual é a ideia que eu vou ter amanhã, entendeu?”, ele pergunta. Entendemos.

O homem atrás da câmera define que o retrato é um encontro e que obedece a natureza. “O que que a gente sabia dessa entrevista aqui? Nada. Esse evoluir, esse desenrolar só poderia ser feito por nós dois, a partir de nosso encontro. É essa particularidade única que tento transformar em imagem”.

Talvez essa mistura de técnica com sensibilidade seja a essência da criação. Bob vê luz, mas também vê gente.

Eu acho que 90% das pessoas que fotografam não são fotógrafos. Para isso, é preciso ter as mesmas coisas que um escritor: um assunto, técnica, algum pacto com alguma audiência, estilo. Saber fazer aquilo de uma forma interessante. Não precisa ser comercial, mas interessante.

Fonte: Velvet Conteúdos da revista Velvet
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