Startup aposta em inteligência artificial para conectar parceiros na construção civil

Incubada no Metrópole Parque, construtech monitora obras em todo Brasil e auxilia na prospecção de empresas fornecedoras

15 dez 2025 - 05h41

A inteligência artificial (IA) não é mais assunto do futuro e vem ocupando espaço em campos tradicionais da economia. Já parou para pensar que uma fornecedora de materiais de construção pode usar uma solução baseada em IA para saber onde vender seu produto? É pensando nessa conexão que a startup Obra Vista oferece soluções em IA, Geomarketing e Big Data para identificar oportunidades e conectar potenciais parceiros na cadeia da construção civil.

Incubada no Metrópole Parque, polo de inovação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a construtech tem quase um ano de atuação e mantém uma plataforma que monitora 3,1 milhão de obras em tempo real no País. No sistema, a inteligência artificial é usada para atividades como o tratamento de dados, criação de modelos preditivos e estudos de mercado.

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Anderson Araújo, fundador e CEO da Obra Vista, é uma das mentes por trás da startup. Ele idealizou o projeto junto ao sócio, Victor Colman, diretor de operações da construtech. O novo negócio nasceu como um spin-off da Inovall, holding que atua há nove anos no mercado com soluções que envolvem inteligência de mercado e Big Data, da qual também é fundador.

"A Inovall tem uma expertise voltada para o empresarial, mas não fazia sentido deixar dentro dela essa habilidade para o setor da construção civil. Então da spin-off surgiu um novo negócio e um olhar para atender o segmento, onde a divisão, os funcionários e as equipes estão focadas em dar resultado para esse setor", explica o CEO.

O cenário acompanha um uso crescente de IA pelas empresas inovadoras. Segundo o levantamento Founders Overview 2024, realizado pelo Sebrae Startups em parceria com a ACE Ventures, 78% das startups brasileiras já utilizam as tecnologias baseadas em algoritmos e dados para automatizar processos e fornecer insights. Entre as construtechs, o percentual é de 5,5%.

Do lado da indústria, o movimento por digitalização justifica o aumento da corrida pelas empresas de base tecnológica. Dados da edição do Termômetro Falconi da Construção Civil 2025, realizada pela Falconi em parceria com o Ecossistema Sienge, apontam que 37% das empresas dessa indústria já utilizam soluções baseadas em IA. Em 2023, esse percentual era de 15%.

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Para conseguir dar vida a Obra Vista, Anderson Araújo esclarece que abriu uma captação de R$ 1 milhão, em fevereiro deste ano, voltada para 12 potenciais investidores. Com o alcance do valor, em março, a Obra Vista foi constituída. As operações tiveram início em abril.

Além de incubada no Metrópole Parque, a startup mantém sede em São Paulo e apresenta uma cartela de 25 clientes, concentrados majoritariamente nas regiões Sul e Sudeste. Destes, cerca de 80% são indústrias da cadeia de insumos e serviços.

Ao entrar na plataforma da Obra Vista, os clientes têm acesso a painéis com informações do desempenho da indústria comercial de insumos para a construção civil, número de obras ativas, metragem e preço de cada serviço monitorado, nome das construtoras, além do georreferenciamento de cada obra em um mapa interativo. O sistema conseguiu acoplar, ainda, bases de dados ligados à 26 Estados do país, além do Distrito Federal.

Embora o setor da construção civil seja resistente à adesão de novas tecnologias, Anderson Araújo observa que a necessidade de manter o retorno sobre investimento é um fator determinante para a contratação de novas soluções. A Obra Vista, especialmente, consegue atender necessidades voltadas à contratação de mão de obra, identificação de obras e serviços para comercialização, e previsão de melhores espaços para o lançamento de novos empreendimentos.

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"Isso mitiga riscos de realizar um alto investimento sem que haja um retorno. Tudo isso com base na inteligência de mercado e na inteligência artificial, que permite o cruzamento de inúmeros indicadores. A gente está "cortando o mato", uma vez que muitos empresários até pouco tempo não sabiam que existia uma solução como essa", ressalta o CEO.

Na prática, a Obra Vista oferece insights, por exemplo, sobre quais são os melhores tipos de obra para cada região, ou seja, se vale a pena investir mais em imóveis de perfil familiar ou salas comerciais, além de mapear todo o entorno de cada região estudada. "A partir disso, conseguimos entender e construir evasão para o estoque da cadeia da construção civil, ou da de insumos e serviços".

Pensando em 2026, Anderson Araújo esclarece que a expectativa é conseguir expandir o número de contratos e continuar promovendo uma espécie de educação do mercado sobre as soluções oferecidas pela startup. "Como somos uma empresa nova, estamos em um trabalho de conscientização".

Educação do mercado sobre IA é desafio para construtechs

Apesar da Obra Vista atuar com uma plataforma recente no mercado, a startup não é a primeira a buscar inovação na cadeia da construção civil. Em 2022, por exemplo, a startup colombiana Tul chegou ao Brasil com a proposta de conectar indústrias e pequenos e médios lojistas do segmento. A chegada aconteceu poucos meses após a empresa conseguir um aporte de US$ 181 milhões, liderado pela 8VC e acompanhado pela Avenir Growth Capital.

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Uma das metas da startup era de se tornar a Amazon das lojas de construção, mas a ideia parece não ter vingado como era esperado. A reportagem apurou que a TUL resolveu encerrar as operações no Brasil e concentrar seu trabalho apenas na Colômbia. Em nota, a empresa disse não se tratar de um "adeus definitivo, mas sim um até breve". Não foram respondidos detalhes sobre as motivações da decisão.

O cenário de desafios gerais observados na construção civil, por outro lado, são diversos. O professor da escola de matemática aplicada da Fundação Getúlio Vargas, Rafael de Pinho, que desenvolve pesquisas na área de Interação Humano-Computador, aponta que o mercado da construção civil brasileiro é moderadamente favorável ao crescimento do uso de IA. Isso porque setores como o da construção civil lidam com grande complexidade operacional, como múltiplos contratos e riscos regulatórios, criando um ambiente favorável à adesão de IA.

Ele avalia, contudo, que no caso das startups de construção civil, os principais entraves não envolvem apenas desenvolver soluções com IA, mas fazê-las caber em um modelo de negócio viável para um setor com baixa maturidade digital. Somado a isso, o segmento exige uma certa "evangelização" e educação de mercado, a fim de mostrar aos clientes onde a IA pode agregar valor.

"Além disso, há dificuldade de encontrar clientes com dados e processos minimamente estruturados, o que dificulta e encarece a implantação e o suporte de produtos e serviços de IA. Isso se reflete em mais dificuldade de fechar contratos recorrentes e na necessidade de provar ROI [retorno sobre o investimento] muito rápido em um ambiente em que o próprio cliente não mede bem seus processos", completa Rafael de Pinho.

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O gerente de inovação do Sebrae Nacional, Paulo Renato Macedo Cabral, traz uma perspectiva semelhante sobre as complexidades do setor. De acordo com ele, apesar do uso da IA estar crescendo a cada ano nas startups ligadas ao Sistema Sebrae, o cenário é mais favorável para setores como comércio e varejo. Isso porque esses segmentos apresentam menos barreiras de entrada em relação aos industriais, onde as regras são mais rígidas.

O professor da Insper, Afonso Carlos Braga, mestre em administração de empresas, reconhece que o uso de IA na construção civil ainda é baixo em relação a outras áreas da economia, mas isso não significa que ele seja resistente ao surgimento de novas soluções. Um exemplo disso é o uso do conceito de "gêmeo digital" , que permite a representação digital de um ativo físico antes do início da obra e há anos vem sendo usado no setor.

O especialista pondera, ainda, que apesar dos eventuais desafios enfrentados por startups e empresas com soluções em IA na cadeia de construção, há evidências de que o movimento nesse setor está ocorrendo. A questão central para ele é se as empresas optarão por esperar e observar a adoção da Inteligência Artificial, ou se irão abraçar a inovação proativamente como "early adopters", buscando aprender e investir no que se mostrar promissor.

Em um contexto com negócios já estabelecidos no setor, mas com dificuldades de gestão e digitalização básica, Rafael de Pinho esclarece que as startups acabam atuando como extensões da capacidade digital das empresas e assumem etapas mais intensivas em tecnologia e dados. "Esse arranjo compõe o ecossistema típico em que startups de IA funcionam como parceiras tecnológicas de empresas mais consolidadas e estabelecidas, que detêm o conhecimento de negócio e a escala", conclui.

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O diretor do Metrópole Parque, Rodrigo Romão, compartilha que a chegada das IAs generativas, como o ChatGPT, rompeu boa parte das barreiras para entender a implicação do uso dessas ferramentas em termos de eficiência operacional. Basta comparar, por exemplo, o tempo de adesão à essas plataformas com o da própria internet, que levou décadas para se estabelecer na rotina da população.

"Então, a curva de adoção é muito acelerada. Se a gente tem esse ambiente favorável para adoção tecnológica, consequentemente, as empresas ainda que tradicionais começam olhar para esse cenário", ressalta.

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