Você conhece a menor linha de ônibus de São Paulo? É na periferia, mas não parece
Trajeto curto e rápido na zona sul tem cinco pontos de parada com ônibus elétrico novo, quase vazio e gratuito
Enquanto São Paulo sofre com ataques a ônibus, nas margens da represa Billings uma linha funciona como se não fosse na capital. Com cinco paradas, o itinerário é cumprido em menos de dez minutos. Motoristas conhecem os moradores, que os chamam pelos nomes.
A menor linha de ônibus da cidade de São Paulo percorre exatamente mil e quatrocentos metros, saindo e voltando do terminal do Aquático-SP, serviço de transporte por barcos. É a 606C/10 Cantinho do Céu – Circular, no extremo da zona sul, com cinco pontos de parada, fazendo uma volta que demora menos de dez minutos.
Em uma cidade com circulares atravessando longos trajetos – o maior tem 78 km – o ônibus do Cantinho do Céu é utilizado, sobretudo, para vencer a subida que leva até a rua Francisco Inácio Solano, de onde passageiros, muitos idosos, embarcam em duas linhas movimentadas, para o shopping e terminal Interlagos.
A linha Cantinho do Céu – Circular foi implantada em maio de 2024 para servir ao transporte aquático que atravessa a represa Billings. Em abril deste ano, transportou, em média, 389 passageiros por dia útil, segundo a SPTrans. Na maior parte do dia, são dois ônibus chegando e saindo praticamente vazios.
Nada lembra o transporte público da capital paulista, sempre lotado, nem a periferia, cuja paisagem é de imensos horizontes de casas de tijolo aparente, pontuadas por caixas d´água de plástico azul. No Cantinho do Céu, há um parque linear com os equipamentos novos, funcionando, e os ônibus, também novos, são elétricos. A paisagem da represa completa o improvável cenário de cartão postal.
“Aqui era o cantinho do inferno”, diz passageira
A tranquilidade não é um atrativo para motoristas, conta Igor Tavares, 28 anos, dirigindo desde a inauguração da linha. “As ruas são estreitas, o pessoal para em qualquer lugar, complica.” A reportagem constatou a dificuldade. Com o ônibus praticamente vazio e sem trânsito, o motorista tem que desviar tirando finas e, algumas vezes, para até que alguém tire um caminhão ou um carro estacionado.
Em um dos pontos, Felipe Altino do Nascimento, 55 anos, entra acompanhado do neto e pergunta: “é este aqui que vai para o Aquático?”. Eles embarcam pela primeira vez na linha. Acompanhamos a viagem e as reações. “É bonito, confortável, gostei”, diz o avô, que tirou fotos quando chegou ao parque linear do Aquático-SP.
No ônibus que sai em seguida embarca Maria de Fátima Silva, 67 anos. Ela vem ao parque diariamente para se exercitar. “Aqui era cantinho do inferno, agora podemos chamar de Cantinho do Céu. Eu sempre pego o ônibus para subir a ladeira, tenho artrose. Mas para descer, não pego, na descida o joelho ajuda.”
Moradores não querem mais subir a ladeira
Por causa das subidas das ruas que partem do terminal do Aquático-SP, mais gente usa o ônibus para sair do que para chegar, sobretudo os moradores da região. Como é de graça, os vizinhos embarcam na circular para chegarem a pontos mais altos do bairro, ou pegarem outros ônibus.
É o caso de Jaílson José Barros, 56 anos, caminhoneiro. Ele mora há 40 anos no Cantinho do Céu e lembra da Billings quando havia os primeiros barracos, além de cenas de violência, com gente sendo assassinada e jogada na água. “Isso ficou no passado. Agora eu durmo com o portão aberto, o pessoal vem avisar pra eu fechar”, conta rindo.
“Eu pego o ônibus porque a ladeira é muito cansativa, eu subo isso aqui desde quando era barro puro”, diz o morador. Parece que o barro ficou impresso na memória dos vizinhos, como Eliane Regina dos Santos, de 54 anos. “Aqui era só barro”. Ela usa mais o ônibus do que o Aquático. “É confortável, nunca está lotado”. Pergunto se, na volta, embarcará de novo. “Com certeza.”