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“Errou o nome do bairro na entrega das chaves”, lembra morador da Cohab 2, em SP

Primeiros moradores do Conjunto Habitacional José Bonifácio vieram para um bairro com o mínimo de estrutura em Itaquera

30 jun 2025 - 08h34
(atualizado em 30/6/2025 às 10h20)
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Resumo
Distribuídas em mais de 2,8 milhões de metros quadrados, a Cohab 2, em Itaquera, zona leste de São Paulo, tem 22.922 unidades habitacionais. São casas e apartamentos construídos entre 1978 e 1982. O ano mais intenso de obras foi 1980 – no mês de junho, quatro conjuntos aniversariam, completando 45 anos.
Para José Alberto de Oliveira, errar o nome de Itaquera é um sinal de descaso que desmascara a propaganda oficial.
Para José Alberto de Oliveira, errar o nome de Itaquera é um sinal de descaso que desmascara a propaganda oficial.
Foto: Arquivo pessoal

Em junho de 1980, João Alberto de Oliveira, então com 28 anos, era um entre milhares na praça Brasil para receber as chaves do apartamentos da Cohab 2, em Itaquera, zona leste de São Paulo. De repente, no palanque improvisado, uma autoridade diz “itacoera”. Recebeu “vaias gerais”, lembra o morador na mesma praça, 45 anos depois.

Na solenidade estavam presentes autoridades como o presidente João Figueiredo e o governador Paulo Maluf. “Acho que foi um ministro que errou o nome, só lembro do Figueiredo olhando puto pra ele. Eu tinha uma foto com o Maluf me entregando a chave”, diz o morador de 73 anos, o Marrom.

Segundo a subprefeitura de Itaquera, o nome oficial da praça é Mãe Menininha do Gantois desde 28/07/1987. Para moradores, é praça Brasil.
Segundo a subprefeitura de Itaquera, o nome oficial da praça é Mãe Menininha do Gantois desde 28/07/1987. Para moradores, é praça Brasil.
Foto: Isaque Teles

Encontro esse animado senhor logo cedo, com camiseta azul contendo a frase “acredite no seu axé”. Conversamos na Ocupação Coragem, iniciativa cultural da Cohab 2, em frente à praça Brasil. Naquele dia de 1980, quando ouviu “itacoera”, Marrom tinha consciência política do erro de pronúncia da autoridade.

“Fizeram o evento para o Brasil ver que a Cohab era boa, mostrar para a sociedade”, critica Marrom, lembrando dos prédios entregues sem estacionamento, das ruas de terra, da única linha de ônibus. E não cansa de repetir: a praça Brasil se chama Mãe Menininha do Gantois, famosa ialorixá da Bahia, nome que – constatamos durante um dia inteiro de reportagem – praticamente ninguém conhece.

Uma das principais avenidas da Cohab 2, a Nagib Farah Maluf, que vai sair na praça Brasil, no início dos anos 1980.
Uma das principais avenidas da Cohab 2, a Nagib Farah Maluf, que vai sair na praça Brasil, no início dos anos 1980.
Foto: Reprodução

Marrom se transforma em guia da reportagem

Vou com Marrom até o barzinho de Daniel Boni, que o pessoal conhece como Vila do Goró. Está há 29 anos no mesmo lugar. “Só vendo a dinheiro. De noite, quando começa a muvuca, eu fecho, dá muita canseira. Não tenho funcionário, para encher o saco basta eu”, resume o pernambucano de 65 anos.

Falamos com outro dos primeiros moradores da Cohab 2, Severino Antônio de Oliveira. Ele não lembra da entrega de chaves com presidente nenhum, mas de um show de Roberto Carlos na praça Brasil.

O corintiano Daniel Boni abre cedo e fecha no final da tarde. Quer continuar trabalhando e diz que “a Cohab é bom demais”.
O corintiano Daniel Boni abre cedo e fecha no final da tarde. Quer continuar trabalhando e diz que “a Cohab é bom demais”.
Foto: Marcos Zibordi

“Estava cheio de polícia em cima dos prédios, com metralhadora. Eu peguei o binóculo e falei pra mulher: se mancar caminhando pro microfone, é ele. Fiquei olhando e mancou, era ele mesmo”, diz Smith, como gosta de ser chamado.

Saio com Marrom para uma volta na Cohab 2. “Aqui a gente chamava de Bronx, aqui é o Bronx, mano. Ali naquele barzinho, você tem que falar com o cara, ele era do movimento de moradia. Aqui melhorou muito, o trem ajudou.” Deixo meu guia no Batomuche, uma bar tradicional.

Severino Antônio de Oliveira em frente à Panificadora Saraiva, a primeira da Cohab 2. “Melhorou mil por cento”.
Severino Antônio de Oliveira em frente à Panificadora Saraiva, a primeira da Cohab 2. “Melhorou mil por cento”.
Foto: Marcos Zibordi

Casal veio do interior do Paraná em 1978, ano dos primeiros prédios

No final da manhã, estou entrando no condomínio Girassolinas I, no apartamento térreo de um casal de pioneiros da Cohab 2. Vieram com três filhos de Maringá, interior paranaense, em 1978. O objetivo, realizado, era o mesmo de geral que veio tentar a vida nas periferias de São Paulo: trabalhar, comprar casa, criar os filhos.

De mãos dadas no sofá, o casal está feliz. Os filhos estudaram, eles são donos do apartamento, o segundo em que moram na Cohab 2, e agradecem que seja no térreo. Facilita o deslocamento de Joaquim Pereira, 86 anos, e Laura Bárbara Pereira, 79. Eles têm as inevitáveis dorezinhas da vida longeva.

“Se nós tivesse na roça, como que eu ia fazer cirurgia? Gosto de morar aqui, tem ônibus na porta, trem, mercado”, diz o marido. Informo que estava na praça Brasil. “Fiz exercício lá por muitos anos, agora não tenho mais como”, conta a esposa.

Joaquim Pereira e Laura Bárbara Pereira. Decisão de sair da roça e vir para a cidade foi acertada. Casal feliz morando no térreo.
Joaquim Pereira e Laura Bárbara Pereira. Decisão de sair da roça e vir para a cidade foi acertada. Casal feliz morando no térreo.
Foto: Marcos Zibordi

“Mudar da Cohab? Só se for pra debaixo da terra”

Saio do apartamento e volto ao bar Batomuche para conversar com João Batista Gomes Sociro, 71 anos. Como todos os entrevistados, chegou na Cohab 2 no início dos anos 1980, quando o Conjunto Habitacional José Bonifácio começava.

Enquanto Marrom conversa animadamente em uma mesa do bar, em um cômodo no fundo ouço a história de Sociro. Ele trabalhou como taxista informal, com lotação, perua escolar, participou de movimentos de moradia e fundou o time da Associação dos Mutuários do Conjunto José Bonifácio (ASMUCO).

João Batista Gomes Sociro aposentou recentemente e reabriu o ponto que sempre foi bar, com o nome tradicional, Batomuche.
João Batista Gomes Sociro aposentou recentemente e reabriu o ponto que sempre foi bar, com o nome tradicional, Batomuche.
Foto: Isaque Teles

Pergunto em quais condições os apartamentos foram entregues. “Entregou cru, sem piso, era praticamente só as paredes. Luz tinha nos prédios, não nas ruas, e não tinha muros.” Ele mudaria da Cohab 2? “Só se for para debaixo da terra.”

Voltamos à frente do bar e pergunto se alguém sabe onde fica um dos quatro conjuntos que fazem 45 anos neste mês de junho. Leio os nomes. Marrom sabe onde fica o Jacarandás II. Me leva até alguém que chama a primeira moradora pelo interfone. Ela desce, o guia volta para o bar.

Iracema adorou mudar para a Cohab em 1981. As cores variadas dos prédio a alegravam. Ela conhece a localização exata do encanamento.
Iracema adorou mudar para a Cohab em 1981. As cores variadas dos prédio a alegravam. Ela conhece a localização exata do encanamento.
Foto: Marcos Zibordi

Terceira pessoa com 73 anos é a primeira moradora do prédio

Com 73 anos – a mesma idade de Smith e Marrom –, a pioneira Iracema Francisca de França veio de Pernambuco. Ela, o marido e o casal de filhos pegaram as chaves do apartamento de dois quartos em 1981. “Achei maravilhoso, muitos prédios com várias cores. O apartamento estava bem cru, se bem que o vermelhão do chão saiu faz dois anos.”

Ela desconhece a data da conclusão do prédio. Também não sabe que a praça Brasil se chama Mãe Menininha do Gantois. Mas Iracema guarda uma informação exclusiva: a localização exata do encanamento da Sabesp. O muro do prédio avançou o limite frontal, confundindo o local em que fica a ligação de água.

Entre 1978 e 1982 foram entregues 22.922 casas e apartamentos na Cohab 2, em Itaquera, zona leste de São Paulo.
Entre 1978 e 1982 foram entregues 22.922 casas e apartamentos na Cohab 2, em Itaquera, zona leste de São Paulo.
Foto: Cohab SP

“Esses dias veio um aí e se lascou todo, cavou até não acabar mais. Só depois que eu cheguei e falei onde era, aí deu certo.” Reservada, Iracema atende a reportagem no portão e quer entrar logo. O tempo está fechado neste final de tarde. Vou até o estacionamento onde deixei o carro.

No caminho, passo pelo Batomuche e presencio uma acalorada discussão se o nome praça Brasil veio antes ou depois de Mãe Menininha do Gantois. Marrom debate. Chamo ele de lado e peço a explicação para o nome do bar. “Tem a ver com aquele naufrágio no Rio de Janeiro, é o nome do barco. É que nós somos sobreviventes.”

Fonte: Visão do Corre
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